A essência do Brasil está impressa nas notas do choro, patrimônio cultural do país. O título faz jus ao trabalho de diversos artistas e promotores da cultura. Henrique Filho, o Reco do Bandolim, aceitou há quase 30 anos o desafio de retomar as atividades do Clube do Choro de Brasília. Depois, fundou a primeira escola de choro do Brasil, aqui na capital, e encontrou na parceria com o filho, o músico e mestre Henrique Neto, a sinfonia perfeita para tocar as atividades do Complexo Cultural do Choro.
Para Reco, seguir a herança profissional do pai depende de que haja uma admiração espontânea, mas pondera ser necessário também que, na construção dessa nova carreira, o filho sinta que tem espaço para inovar e mudar a rota, superando o modelo herdado do pai. "No caso da música, tem um agravante: se o filho não tiver talento, não vai para canto nenhum, não adianta", completa.
Foi essa liberdade que ele concedeu e compartilhou com Henrique, que hoje é diretor da Escola Brasileira de Choro. "Ele deve ter espaço para errar, inclusive. Tomar decisões que ele achar que deve tomar. Eu penso que os filhos que assumem esse bastão com liberdade trazem inovações, inclusive tecnológicas", avalia.
Reco conta que o interesse de Henrique pelo choro veio de forma natural. Certo dia ele chegou em casa e lá estava o pequeno, tocando o bandolim. O jovem confirma: "Acho que esse interesse veio muito de querer ser amigo, parceiro, ter uma coisa em comum com o pai, que é isso que o ser humano busca: a conexão com as pessoas que ele mais ama".
Foi o começo do que depois se transformou numa escolha profissional. Henrique se formou em música pela Universidade de Brasília (UnB) e escolheu como instrumento para se aperfeiçoar o violão de sete cordas. "Sou louco pelo sete cordas. Sempre gostei muito, mas nunca tive competência para tocar", conta o pai, orgulhoso e cheio de modéstia.
O baque da pandemia
"Depois, ele foi para Portugal, fez o mestrado e chegou aqui no momento em que eu estava precisando de um socorro, porque eu toco de ouvido, e chegou a um ponto aqui na escola que eu, como comecei a ter contato com 26 professores e, muitos deles, formados, não me sentia em condições técnicas para lidar com eles como supervisor", relata o patriarca.
O plano inicial era criar uma sucursal da Escola de Choro em Portugal, mas Henrique passava as férias no Brasil quando a pandemia de covid-19 começou, e ele precisou ficar. A necessidade acabou sendo providencial. A Escola de Choro enfrentou o seu período mais desafiador durante o distanciamento social e quase precisou fechar. Foi graças ao trabalho em sintonia entre pai e filho, a essa altura dois profissionais reconhecidos na música, que a pioneira instituição de ensino se manteve.
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Mais do que dar continuidade ao legado do pai, Henrique inovou, consolidou e trouxe a renovação necessária para não só manter como também expandir a escola. É dele o Manual do Choro, que guia o projeto pedagógico da escola e já foi distribuído em mais de 20 países.
"O que cada pessoa vai buscando na música é contribuir com esse trabalho do Clube e da Escola do Choro com o que pode", diz Henrique, exaltando as características de liderança, idealismo e iniciativa do pai. "Vendo no que eu poderia colaborar, decidi me especializar na parte musical e organizei a parte pedagógica. Hoje, a escola está crescendo, com cursos novos e metodologia", atesta o músico. "Como eu observei a paixão dele pela música, pelo choro, por toda essa história, eu herdei também esse sentimento, e levo com carinho e com responsabilidade."
A música brilha
Baiano de Salvador, Reco começou a carreira na música tocando guitarra. O apelido "Jimi Reco" não deixava negar o talento nem o gosto musical apurado, seguindo os passos do ídolo Jimi Hendrix e na onda do famoso Festival de Woodstock. Filho de um deputado progressista, veio para Brasília em 1963, mas a família enfrentou uma série de dificuldades quando, um ano depois, começou a ditadura militar.
Numa viagem à Bahia, os Novos Baianos e a Tropicália o pegaram de jeito. Quando as notas iniciais de Brasil Pandeiro tocaram acompanhadas de "chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor…" ele estava fisgado. "Comecei a ficar atento a isso. Pepeu Gomes, Armandinho Macedo com A cor do som, que no meio daquele show de música pop pegava o bandolim e tocava um Brasileirinho", diverte-se.
Brasília, a cidade do rock, acabou se tornando o terreno perfeito para a mistura de estilos, já que reunia também gente de todo o canto do país. Junto dos baianos, os funcionários públicos que saíram do Rio de Janeiro para a nova capital trouxeram o choro.
"Foi uma coincidência, quando eu voltei a Brasília estava tendo esse começo aqui. E aí eu me incorporei a esse grupo e, de lá para cá, foi uma luta danada", resume. Inaugurado em 1977, o Clube do Choro de Brasília passou por um período de 10 anos fechado até a reabertura, em 1993, sob o comando de Reco. A inauguração da Escola Brasileira de Choro ocorreu em 29 de abril de 1998.
Antes da pandemia, a escola tinha mais de mil alunos, número que caiu drasticamente em 2020. Este ano, pai e filho celebram a parceria de sucesso e a proximidade de bater novamente essa marca.
Da crise à era de ouro
Em 2011, a escola passou a funcionar numa sede desenhada por Oscar Niemeyer, no centro de Brasília, mesmo local do Clube do Choro. Lá, Reco e Henrique projetam o legado de outros mestres como eles — Pixinguinha, Garoto, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo e Pernambuco do Pandeiro.
Com esse repertório e metodologia própria, a escola valoriza o ensino de música com base na cultura brasileira. Por meio do Projeto música na escola, o incentivo se amplia: o Clube do Choro recebe excursões de escolas para proporcionar uma vivência cultural às crianças.
"Penso que o que a gente tem feito já há muitos anos é uma espécie de braço do Estado. Acho que caberia ao Estado estar à frente disso, porque diz respeito à nossa cultura", argumenta Reco.
Na visão dele, nessa área os Estados Unidos podem ser considerados um exemplo. "Tenho muitas reclamações a fazer, mas, sob o ponto de vista cultural, eles têm uma noção muito boa do significado da cultura para o país. É tanto que hoje ouve-se jazz no mundo inteiro, e isso gera riqueza. É um dos segmentos (o cultural) que mais gera riqueza no mundo. As pessoas precisam saber disso", adverte o pioneiro.
Mercado de trabalho
Uma das grandes dificuldades dos músicos após a formação é a inserção no mercado, e a escola tem essa preocupação também. Em 2017, inclusive, ganhou prêmio de instituição cultural autossuficiente — de formação de público, de formação de novos músicos e de inserção no mercado.
"Temos uma tradição e uma política aqui na escola, desde o início, de dar bolsa de estudos para os alunos que se destacam e para e alunos de baixa renda. E, quando eles se destacam a nível profissional, nós os inserimos como instrutores e indicamos para ir tocar, colocamos para conviver com os artistas que vêm ao Clube do Choro. Criamos um círculo virtuoso", resume o diretor Henrique.
O modelo tem sido replicado em outras escolas. Henrique explica que os clubes de choro de Paris e de Santos se basearam na experiência de Brasília para moldar suas instituições. "Hoje, você vê um movimento de choro na cidade. Eu fico muito feliz de sentir que as coisas estão num caminho crescente, pois acompanhei essa trajetória, e tenho esse mesmo espírito de amor pela cultura. Nós não somos empresários. Somos produtores culturais na sua essência, estamos preocupados em promover a cultura e em preservá-la", continua.
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O aprendizado foi duro, afinal, os dois têm alma de músico. "São quase 30 anos desse idealismo sem interrupção", diz Reco, que considera que o Clube vive uma fase de ouro, com o reconhecimento como patrimônio cultural do Brasil e o show de ninguém menos que o eterno Beatle Paul McCartney.
"Nós somos brasileiros porque dividimos códigos, dividimos símbolos. A música é isso. Eu não vejo mais a música como sons. Para mim, ela tem a profundidade de unir as pessoas, é essa a finalidade da cultura. Foi isso que eu aprendi com meu pai, e agradeço muito a ele, porque muitos dos prazeres que eu tenho na minha vida, de escutar uma música, de viver aquilo, você transfere para outras áreas também, para tudo o que está em torno. A gente trata a música assim na escola, e esse é o legado que eu acho que ele passou para mim", diz Henrique, mas reforça a necessidade de que esse conhecimento seja repassado e exaltado.
Reco completa lembrando Pixinguinha: "Pegue um disco de Pixinguinha e coloque na vitrola que você vai entender exatamente tudo isso que ele disse: como é que o Brasil ganha, perde; as alegrias que a gente tem; as tristezas. Está tudo ali. Tem um ditado que diz: 'A música pode ser considerada um divã sonoro da história'. Você vai compreender o povo ouvindo a música dele."
Para seguir os passos dos mestres
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