Estados Unidos

Casa Branca reage a shutdown com promessa de demissão em massa

Senado veta proposta do Partido Republicano para pôr fim à paralisação dos serviços federais. Centenas de milhares de funcionários trabalham sem salário. Presidente Donald Trump culpa democratas, ameaça tomar medidas irreversíveis e fala em cortes

O Capitólio ao amanhecer, durante o primeiro dia de shutdown: impasse sobre o orçamento levou ao fechamento do governo  -  (crédito: Brendan Smialowski/AFP)
O Capitólio ao amanhecer, durante o primeiro dia de shutdown: impasse sobre o orçamento levou ao fechamento do governo - (crédito: Brendan Smialowski/AFP)

O primeiro shutdown (paralisação parcial do governo federal) desde 2019 começou à 0h desta quarta-feira (1º/10) e ganhou contornos de disputa política. Os republicanos adotaram o termo "shutdown democrata" para se referirem à interrupção dos serviços públicos e responsabilizaram a oposição. "Os congressistas democratas fizeram a escolha de 'desligar' o governo. Suas ações partidárias estão minando os EUA na arena mundial e colocando em risco nossa segurança nacional", advertiu o secretário de Estado, Marco Rubio. Por sua vez, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, e seu homólogo na Câmara dos Representantes, Hakeem Jeffries, declararam que "Donald Trump e os republicanos fecharam os serviços do Estado porque não querem proteger a saúde do povo americano".

Em meio à troca de acusações, a Casa Branca ameaçou com "demissões em massa iminentes". "Estamos trabalhando com agências em todas as áreas para identificar onde podem ser feitos cortes... e acreditamos que as demissões são iminentes", declarou a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt. Na tarde desta quarta-feira, pela terceira vez em 24 horas, o Senado fracassou em aprovar um projeto de gasto público dos republicanos.

Para formar a maioria de 60 votos (de 100), os senadores republicanos precisam contar com a adesão de mais sete democratas — até o momento, apenas três avalizam o texto. O Senado permanecerá fechado, pelo menos, até esta sexta-feira (3/10). A paralisação de 2019, ocorrida durante o primeiro governo Trump, foi a mais longa da história e durou 35 dias. Desde 1976, os EUA enfrentaram 20 shutdowns.

O vice-presidente americano, J.D. Vance, denunciou o uso da nova paralisação como chantagem. "Nos disseram que tirariam o governo da paralisia orçamentária, mas somente se destinarmos bilhões de dólares à saúde dos imigrantes indocumentados. É ridículo", reagiu. O Escritório de Orçamento do Congresso estima que 750 mil funcionários públicos federais serão afetados pelo shutdown. Servidores considerados não essenciais foram afastados do trabalho. Aqueles cujas atividades são vitais para o Estado continuam o expediente, mas sem remuneração.

A Embaixada dos EUA em Brasília divulgou nota por meio da qual informa que a conta na rede X deixará de ser atualizada regularmente até a retomada total das operações, "exceto para informações urgentes de segurança". "No momento, os serviços de passaporte e visto programados nos Estados Unidos e em Embaixadas e Consulados dos EUA no exterior continuarão, enquanto a situação permitir", afirmou. 

Nobel

Em entrevista ao Correio, David E. Card — economista da Universidade da Califórnia em Berkeley e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2021 — afirmou que, caso o shutdown dure menos de duas semanas, provavelmente não surtirá em grande impacto à economia americana como um todo. "Creio que essa seja a crença geral em relação às paralisações anteriores. No entanto, o shutdown ainda pode ser bastante prejudicial para servidores com salários mais baixos, como muitos funcionários da Agência de Segurança de Transportes (TSA), que precisam trabalhar sem remuneração e podem ter dificuldades para administrar isso", comentou. 

Segundo Card, muitos dados em tempo real não serão produzidos durante o shutdown. "Isso inclui a taxa de desemprego e as séries de empregos com folhas de pagamento, ambas acompanhadas de perto pelo Fed (Banco Central dos Estados Unidos) e por Wall Street. Portanto, estaremos voando às cegas em um período de grande incerteza e sem dados confiáveis", acrescentou. O Nobel de Economia adverte: "Se o shutdown perdurar, estaremos em um território realmente desconhecido". 

Principal advogado de ética da Casa Branca no governo do republicano George W. Bush (2005-2007) e professor de direito da Universidade de Minnesota, Richard W. Painter disse à reportagem que a maioria dos escritórios do governo federal permanecerá fechada. "Funções essenciais, como as Forças Armadas e a aplicação da lei federal, continuarão. A segurança aeroportuária e o serviço postal dos EUA também permanecerão em funcionamento", comentou. "Na maior parte dos Estados Unidos, a polícia, os bombeiros, as escolas e os serviços sociais são locais, embora fundos federais ajudem a pagar algumas funções e serão cortados, pelo menos temporariamente. Os governos estaduais e locais terão que compensar a diferença."

Painter alertou que, se o shutdown durar várias semanas, poderá prejudicar a economia norte-americana. "Muitas empresas que aguardam aprovações regulatórias ficarão paralisadas, incluindo patentes, novos medicamentos e licenças."

EU ACHO...

David E. Card, Prêmio Nobel de Economia em 2021
David E. Card, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2021 (foto: Paul Kennedy)

"Existe a possibilidade de que o presidente Donald Trump, que gosta de intensificar conflitos, crie maneiras de tornar até mesmo uma paralisação curta muito mais onerosa do que as paralisações anteriores. Por exemplo, as autoridades poderiam propor não pagar os salários atrasados de funcionários públicos — no passado, os servidores receberam vencimentos atrasados. Ou poderiam dar continuidade às ameaças de demitir muitos funcionários."

David E. Card, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2021

Richard W. Painter, ex-advogado de ética da Casa Branca no governo de George W. Bush (2005-2007) e professor de direito
Richard W. Painter, ex-principal advogado de ética da Casa Branca (2005-2007) e professor de direito da Universidade de Minnesota (foto: Arquivo pessoal )

"O presidente dos Estados Unidos não pode demitir funcionários públicos de carreira, exceto em circunstâncias extraordinárias. Esses funcionários não trabalharão e não receberão pagamento temporariamente, mas terão direito aos seus empregos quando a paralisação terminar. A maioria também receberá salários retroativos quando a paralisação terminar, o que significa que o governo os pagou por não terem trabalhado."

Richard W. Painter, ex-principal advogado de ética da Casa Branca (2005-2007) e professor de direito da Universidade de Minnesota

  • David E. Card, Prêmio Nobel de Economia em 2021
    David E. Card, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2021 Foto: Paul Kennedy
  • Richard W. Painter, ex-advogado de ética da Casa Branca no governo de George W. Bush (2005-2007) e professor de direito
    Richard W. Painter, ex-principal advogado de ética da Casa Branca (2005-2007) e professor de direito da Universidade de Minnesota Foto: Arquivo pessoal
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postado em 02/10/2025 05:50
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