Oriente Médio

Trump vê "amanhecer histórico" de um novo Oriente Médio

Em visita ao Parlamento de Israel, presidente dos Estados Unidos é ovacionado e fala em paz na região. Depois, ao participar de cúpula em balneário egípcio, assina a declaração do acordo de cessar-fogo em Gaza e se reúne com líderes árabes

Donald Trump exibe documento assinado durante a cúpula sobre Gaza em Sharm el-Sheikh, no Egito  -  (crédito: Saul Loeb/AFP)
Donald Trump exibe documento assinado durante a cúpula sobre Gaza em Sharm el-Sheikh, no Egito - (crédito: Saul Loeb/AFP)

Os últimos 20 reféns israelenses tinham acabado de ser libertados pelo Hamas quando o Air Force One tocou o solo do Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Tel Aviv. Em seu primeiro compromisso, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, discursou na tribuna da Knesset (Parlamento) e foi ovacionado pelos legisladores, em Jerusalém. "Este é o histórico amanhecer de um novo Oriente Médio", declarou o republicano. "De 7 de outubro até esta semana, Israel tem sido um país em guerra, e sofreu dificuldades que apenas um povo orgulhoso e fiel pode suportar. (...) Há anos muitas famílias desta terra não têm um único dia de paz verdadeira (...). O longo e doloroso pesadelo finalmente terminou", anunciou.

Horas depois, no balneário egípcio de Sharm el Sheikh, Trump assinou a declaração do acordo de cessar-fogo em Gaza, a primeira etapa do seu plano de paz para o Oriente Médio. Abdel Fattah al Sissi, presidente do Egito e também signatário do documento, afirmou que o seu país organizará uma cúpula para reconstruir Gaza. O texto não faz menção à criação do Estado Palestino, uma demanda-chave para a paz no Oriente Médio. 

Além de EUA e Egito, firmaram a declaração o Catar e a Turquia.  A reunião para a assinatura foi marcada pelas ausências do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e do movimento islâmico palestino Hamas. Por sua vez, Mahmud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, compareceu ao encontro e conversou com Trump. Também estiveram na cúpula o presidente da França, Emmanuel Macron, e o ex-premiê do Reino Unido Tony Blair. Antes de retornar para Washington, o líder americano admitiu que o plano de paz avançou para a terceira e quarta fases, sem detalhar as etapas. 

Depois da retirada gradual das Forças de Defesa de Israel (IDF), que atualmente controlam 53% da Faixa de Gaza, o plano dos Estados Unidos prevê uma fase sem o Hamas no poder, que exercia desde 2007, e o desarmamento, ao qual o movimento islamista resiste. O acordo também prevê que o governo será confiado a "um comitê palestino tecnocrático e apolítico" sob a supervisão e o controle de um novo órgão internacional de transição liderado por Trump e por Blair.

Guerra civil

Professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit afirmou ao Correio que a Casa Branca decidirá, nesta nova fase, sobre a presença de uma força internacional estabilizadora na Faixa de Gaza. "Neste fim de semana, tivemos confrontos entre membros do Hamas e um clã palestino. O Hamas se enfraqueceu tanto que é possível que alguns palestinos tenham se voltado contra o movimento. Para evitar uma guerra civil, considero urgente o envio dessa força internacional prometida pelos governos árabes, assim como a criação de um governo provisório para a estabilização do enclave, que ficará sediada no Egito", disse.

Para Michel Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Trump traiu Netanyahu dentro de Israel. "Netanyahu esperava que ele mantivesse as condições anteriores do plano de paz, com a negativa da limpeza étnica etc. De repente, ele inverteu o posicionamento e, praticamente, falou sobre o Estado palestino. Na perspectiva de Israel, isso pode ser visto como traição", afirmou ao Correio.

Por sua vez, Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que Trump quer liberar os EUA de situações desgastantes politicamente, além de permitir o restabelecimento de uma ordem regional mais equilibrada no Oriente Médio. "A Autoridade Palestina, que teoricamente entra como um ator para governar a Faixa de Gaza, é uma autoridade política mais enfraquecida", observou. 

Pecequilo acredita que, para Netanyahu e a coalizão de extrema direita, o fim da guerra e da existência de um inimigo permanente, não é algo interessante. "Isso coloca um freio à expansão das pretensões de Israel em outros territórios, como a Cisjordânia, e retoma a possibilidade de retorno das acusações de corrupção contra Netanyahu e sua fragilização, especialmente ante forças moderadas. Fica a dúvida se será possível um governo sem a extrema direita", admitiu. De acordo com ela, a sobrevivência política e militar do Hamas depende da existência de um inimigo permanente — ou Israel. "Qualquer arranjo político, com o aumento das forças estrangeiras e a estabilização da população de Gaza, coloca em xeque a possibilidade de o Hamas manter uma influência. A população está cansada e com gravíssimos problemas de insegurança alimentar. Gaza terá que passar por uma profunda reconstrução", acrescentou a professora da Unifesp. 

EU ACHO...

Michel Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Michel Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (foto: Arquivo pessoal )

"Trump tenta se colocar como um político que busca uma nova ordem bilateral, mas que consiga fazer conexões no Oriente Médio, que, a partir do interesse dos EUA, possa avançar em direção a acordos. Ele ainda não apontou o elemento fundamental: o reconhecimento do Estado da Palestina. É importante notarmos a presença de várias lideranças em Sharm el Sheikh, principalmente de Mahmud Abbas. A ausência de Benjamin Netanyahu mostra o seu isolamento internacional. Ao que tudo indica, a Turquia preferiu que ele não fosse à cúpula. O próprio Netanyahu não teve coragem de apontar na direção de um cenário onde o Estado da Palestina seja uma possibilidade. Trump conseguiu construir uma perspectiva sem Netanyahu no quadro."

Michael Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

"Trump segue a sua estratégia: cria uma expectativa como forma de pressionar e fazer com que Hamas e Israel sigam na mesma direção. Isso porque nenhum dos dois deseja perder apoio dele. Nesse caso, principalmente Netanyahu. O Hamas aceitou esse processo de cessar-fogo porque também perdeu o apoio do Irã e das monarquias do Golfo Pérsico. São elas que pressionam o Hamas para aceitar isso. É um indicativo de que o governo Trump pressionará pelo Estado da Palestina. É o caminho que as monarquias do Golfo Pérsico querem. Não apenas pelo fim da mortandade, mas também pela estabilidade da região."

Gunther Rudzit, professor de relações internacionais da ESPM

Missão: reconstruir a Faixa de Gaza

Durante a cúpula em Sharm el Sheikh, o presidente do Egito e anfitrião, Abdel Fattah Al-Sisi, anunciou que organizará uma conferência sobre a reconstrução de Gaza após o acordo de cessar-fogo e a troca de reféns por prisioneiros palestinos. "O Egito trabalhará com os Estados Unidos, em coordenação com parceiros, nos próximos dias, para estabelecer as bases da reconstrução da Faixa (de Gaza). Temos a intenção de organizar uma conferência sobre recuperação inicial, reconstrução e desenvolvimento", declarou.

A ativista social Rehaam Alqeed, 40 anos, prevê que a reconstrução de Gaza levará "muitos anos, caso haja vontade real de fazê-lo". "A ocupação está manipulando a situação humanitária e pode obstruir a entrada de alguns materiais. No entanto, se eles forem autorizados a entrar, precisaremos de anos. Especialistas estimam que a remoção dos escombros levará entre cinco e dez anos", declarou ao Correio. Segundo ela, as forças de segurança palestinas, formadas pelo Hamas, começaram a perseguir foragidos, particularmente aqueles envolvidos em colaboração com a ocupação, como o grupo Yasser Abu Shabab. "Vários deles foram executados. As forças de ocupação não fizeram nenhuma tentativa de proteger os traidores que colaboraram com elas na perseguição de combatentes da resistência, na busca por túneis, no combate aos palestinos e no roubo de suas propriedades."

Palestinos caminham por prédios arrasados pelos bombardeios, na Cidade de Gaza
Palestinos caminham por prédios arrasados pelos bombardeios, na Cidade de Gaza (foto: Bashar Taleb/AFP)

Morador da Cidade de Gaza, o repórter fotográfico Saber Nuraldin, 44, vê a missão de reconstruir o território palestino arrasado pela guerra como "um processo exaustivo". "A vida em Gaza praticamente não existe, pois não supre as necessidades básicas de um ser humano normal. Falta o essencial. As pessoas não estão vivendo, mas lutando para sobreviver", desabafou ao Correio. "Eu não consigo nem imaginar tudo o que foi destruído. Os sistemas educacional, de saúde, as estruturas familiares e a infraestrutura foram varridos. Mesmo as pessoas de Gaza precisam ser reconstruídas, o que não é fácil. Crianças, jovens, mulheres, homens e idosos têm que passar por um processo de recuperação longo e difícil, que exigirá imensa paciência."

Encruzilhada

Para Nuraldin, o Oriente Médio e Gaza encontram-se em uma encruzilhada. "Muitas gerações cresceram conhecendo apenas a guerra. Líderes políticos quase sempre usam o conflito para manter o poder. Há uma dor profunda, desconfiança e injustiça não resolvida. Toda guerra longa na história eventualmente não termina com a vitória, mas com fadiga. Acho que uma paz total não virá por meio de discursos ou tratados, mas quando as pessoas da região resolverem dizer 'basta'", comentou. 

O jornalista palestino Motasem Dalloul celebrou o fato de a situação em Gaza ter "melhorado" nos últimos dias. "Se Deus quiser, teremos uma paz total, não apenas um cessar-fogo. No entanto, um novo confronto é inevitável, pois os palestinos não desistirão de seus direitos e da terra sagrada da Palestina e dos locais santos", disse ao Correio. "Ao mesmo tempo, a ocupação israelense não cessou a agressão ao meu povo: mantém a ocupação na Cisjordânia e em Jerusalém. Não creio que haverá paz enquanto Israel e sua arrogância existirem", acrescentou. (RC)

 

  • Mahmud Abbas (D) passa por Trump, durante a cúpula sobre Gaza, no Egito: primeiro encontro entre líderes em oito anos
    Mahmud Abbas (D) passa por Trump, durante a cúpula sobre Gaza, no Egito: primeiro encontro entre líderes em oito anos Foto: Saul Loeb/AFP
  • O ex-premiê britânico Tony Blair cumprimenta Macron e dignitários árabes
    O ex-premiê britânico Tony Blair cumprimenta Macron e dignitários árabes Foto: Saul Loeb/AFP
  • Palestinos caminham por prédios arrasados pelos bombardeios, na Cidade de Gaza
    Palestinos caminham por prédios arrasados pelos bombardeios, na Cidade de Gaza Foto: Bashar Taleb/AFP
  • Michel Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Michel Gherman, professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Foto: Arquivo pessoal
  • Google Discover Icon
postado em 14/10/2025 05:58
x