OPINIÃO

E se o mundo estiver acabando?

"Não é adequado hipernormatizar o fim do mundo, nem se deixar levar por tantos problemas e tragédias. Saiba seu lugar nesse turbilhão de acontecimentos e faça o que estiver ao seu alcance"

Palestinos com familiar morto na fila de distribuição de ajuda, em Gaza: o sofrimento parece ter sido normalizado -  (crédito: Eyad Baba/AFP)
Palestinos com familiar morto na fila de distribuição de ajuda, em Gaza: o sofrimento parece ter sido normalizado - (crédito: Eyad Baba/AFP)

Se você teve o mínimo, o mínimo mesmo, de contato com qualquer fonte de notícia ou interação social nas últimas semanas, provavelmente sentiu a sensação de que o mundo estava acabando. Guerras, ameaças nucleares, avanço da gripe aviária, a tragédia na Indonésia, queda de balões e morte. A sensação de desespero diante do que parece ser o desmoronamento dos pilares da sociedade como a conhecemos cria um embate: sofrer ou ignorar?

Nesta semana, foi-me apresentado o termo "hipernormalização". A palavra não existe na língua portuguesa — é uma tradução literal de hypernormalization, expressão criada pelo antropólogo Alexei Yurchak, ainda em 2006, para tentar explicar como os seres humanos "seguem em frente" quando parece haver um colapso social. Em vez de tratar dos problemas que existem no sistema, os indivíduos continuam fazendo o que sempre fazem: acordar, trabalhar, descansar e repetir o ciclo no dia seguinte. Na percepção de Yurchak, parecia existir uma "desconexão entre a realidade e o comportamento" — exatamente a hipernormalização.

Enquanto assisto à desumana situação vivida por crianças na Faixa de Gaza, ou vejo os feeds de diferentes redes sociais serem inundados pelos bombardeios iranianos sobre Tel Aviv, me pergunto se, em algum momento, fui entorpecido e agora vivo em uma hipernormalização do fim do mundo. Imagino que o sentimento não seja inédito, nem singular. Existe uma angústia em assistir a tudo isso e simplesmente seguir a vida.

Os problemas cotidianos — fim de relacionamentos, dificuldades financeiras, desilusões com o time do coração — parecem não ter a mínima importância diante de tantas outras atribulações batendo à janela do nosso delicado cotidiano. E sim, agora é possível perceber como essa rotina, que parece ser a base da nossa existência, na verdade, é um castelo de cartas.

 

Por outro lado, sofrer até a exaustão por todos os problemas que pipocam nas nossas infinitas telas também não parece ser a melhor solução. Sim, eles parecem insuperáveis e uma ameaça iminente à nossa existência, mas ainda não temos o poder de resolvê-los sozinhos.

Não se trata de abraçar a hipernormalização e seguir como se guerras não caminhassem a longos passos em nossa direção. Não se trata de ignorar os problemas do mundo e ceder ao entorpecimento. Acho que, no fundo, trata-se de reconhecer nossa pequenez diante de questões muito maiores do que podemos humanamente resolver. Entender que fazer a nossa parte, no fim das contas, é tudo o que poderemos fazer.

Uma importante vertente dessa equação é a internet e as redes sociais. Algumas pessoas talvez nem percebam, mas os feeds reverberam drama e sofrimento de maneira gigantesca. O que já está ruim é multiplicado mil vezes nas pequenas telas, e sentimos como se estivéssemos sendo engolidos por tanta tragédia. Saia desse ambiente de vez em quando. É quase uma promessa: fora do feed, o mundo não está acabando tão rápido.

Para responder à pergunta inicial deste texto: é necessário existir um balanço. Não é adequado hipernormatizar o fim do mundo, nem se deixar levar por tantos problemas e tragédias. Saiba seu lugar nesse turbilhão de acontecimentos e faça o que estiver ao seu alcance. Será o suficiente.

 


postado em 27/06/2025 06:00
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