
Por José Pastore* — Os estudos sobre os impactos da inteligência artificial (IA) nos ambientes de trabalho ainda estão na infância, como de resto ocorre com a própria IA. Apesar disso, começam a surgir resultados semelhantes de estudos diferentes.
Um deles diz respeito à imensa capacidade da IA criar negócios e soluções para problemas antigos. Esse é o caso do enorme impacto dessa tecnologia na medicina, no direito, na engenharia, genética, oceanografia, astrofísica e vários outros campos. Nesse sentido, a IA cria especialidades entre os profissionais e transforma profissões que são típicas desses campos. É dessa forma que surgem, por exemplo, os médicos que trabalham com modelos probabilísticos para o diagnóstico das doenças.
- Leia também: Conexão humana: questão de sobrevivência
Outro resultado que vem ganhando consenso entre os pesquisadores é o fato de a IA afetar mais os empregos intelectualizados do que os manuais. Isso porque a inteligência artificial generativa tem uma gigantesca capacidade de aprender e dar soluções instantâneas para problemas complexos que outrora consumiam horas e dias de trabalho. Para surpresa de muitos, essa capacidade vem se revelando de alta utilidade até no mundo das artes, como é o caso do compositor de jingles que obtém a obra pronta depois de oferecer alguns parâmetros de orientação à IA generativa.
Como tendência geral, diferentes estudos estão mostrando que o impacto da IA no trabalho é maior onde predominam atividades intelectualizadas e menor onde predominam as atividades manuais. Disso decorre a conclusão de que a IA generativa afeta mais as economias avançadas e menos as subdesenvolvidas.
Em tudo o que a IA generativa vem impactando, é de enorme relevância a forte queda dos preços dos bens e serviços dela derivados. Os ganhos de tempo e o barateamento da vida não são promessas e, sim, um resultado real do uso da IA generativa. Pense no tempo que se gastava quando as pesquisas em qualquer área demandavam a ida a uma biblioteca, a longa procura nos catálogos dos livros e revistas e muita sorte de encontrá-los disponíveis nas prateleiras da instituição. Atualmente, tudo isso é feito com um toque de mágica pela via da IA generativa, que economiza o precioso insumo do tempo, estimula a concorrência e contribui para a redução dos custos e dos preços.
- Leia também: História de amor e saudade
Os estudos disponíveis para o caso brasileiro mostram exatamente isso. Entre nós, é bem menor o impacto da IA generativa nas atividades que ainda dependem em grande escala do trabalho manual (construção civil, transporte, doméstico etc.) e bem maior nas que dependem de trabalho intelectual (medicina, advocacia, engenharia etc.). Isso significa que, no Brasil, o grupo de profissionais a ser afetado é relativamente pequeno — o inverso dos países avançados.
Em outras palavras, demoraremos mais tempo para observar uma grande destruição de postos de trabalho em decorrência de IA generativa. Mas, não podemos exagerar. Esse tempo será encurtado rapidamente. Até mesmo profissões que tipicamente dependem do trabalho manual e de decisões humanas — garçons e motoristas, por exemplo — já vem sendo substituídas por sistemas de autosserviço — como é o caso dos restaurantes sem garçons e dos veículos sem motoristas. Aqui, surge uma grande diferença entre os países avançados e os subdesenvolvidos. Nos primeiros, a capacidade de qualificação e requalificação profissional é imensa, enquanto nos segundos é limitadíssima.
No Brasil, por exemplo, as escolas profissionais (que são reduzidas) enfrentam o grande desafio de ensinar o que não foi ensinado nas escolas convencionais nos campos da linguagem, ciências, matemática e lógica. Nessas condições, é muito mais difícil "repaginar" as pessoas para aproveitarem as novas oportunidades de trabalho geradas pela IA generativa e por outras tecnologias. É exatamente o inverso do que ocorre nos países avançados. Neles, a destruição de profissões é maior, mas a capacidade de requalificação é adequada para a necessária "repaginação" dos profissionais.
Em suma, o mundo com a IA generativa está sendo muito diferente do que vivemos no passado recente. Para acomodar as pessoas gerando renda a partir do trabalho, isso exige requalificação constante, uma melhoria substancial dos sistemas de educação básica e expansão do ensino profissional.
Professor (aposentado) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio -SP e membro da Academia Paulista de Letras*
Saiba Mais