Visão do Correio

Disputa de poder afronta a Constituição

Um dos princípios básicos da democracia — além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis

Três Poderes opinião -  (crédito: Caio Gomez)
Três Poderes opinião - (crédito: Caio Gomez)

Um dos princípios básicos da democracia — além da soberania popular, da alternância de poder e do direito ao dissenso — é a separação entre quem faz, quem executa e quem interpreta as leis. O sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário existe para garantir esse equilíbrio. Quando o Legislativo avança sobre a execução do Orçamento e faz a exegese das decisões judiciais, está ampliando suas prerrogativas para além do que é constitucionalmente estabelecido.

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Nesse afã de se colocar acima dos demais Poderes, poucas vezes na história recente a Câmara dos Deputados se expôs de forma tão polêmica quanto nos últimos meses. A decisão de preservar o mandato da deputada Carla Zambelli, em afronta direta à Constituição e a uma sentença definitiva do Supremo Tribunal Federal (STF), é apenas o capítulo mais recente de uma sequência preocupante de episódios que indicam degradação institucional e espírito corporativo. O fechamento do Plenário à imprensa, a retirada de parlamentar à força com um mata-leão e a tramitação da chamada PEC da Blindagem compõem um quadro incompatível com a centralidade que a Câmara ocupa na democracia brasileira.

Na madrugada de quinta-feira, o plenário da Casa decidiu não declarar a perda do mandato de Zambelli, condenada pelo STF a 10 anos de prisão em regime inicialmente fechado. A deputada foi considerada culpada, com trânsito em julgado, por integrar uma associação criminosa que invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e forjou um mandado de prisão contra o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. Trata-se, portanto, de condenação definitiva, sem qualquer possibilidade de recurso.

A cassação, nesse caso, não era matéria sujeita a juízo político. É um imperativo constitucional. O artigo 55 da Constituição Federal não deixa margem para interpretações criativas: perderá o mandato o parlamentar que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. O verbo não é facultativo. Não se trata de prerrogativa do Legislativo, mas de obrigação jurídica. Ao se insurgir contra esse comando, a Câmara não apenas violou a Constituição, como se arrogou, indevidamente, o papel de instância revisora do STF.

A reação do Supremo foi inevitável. Ainda na quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes anulou a decisão do plenário e determinou que a Mesa da Câmara  efetive a posse do suplente no prazo máximo de 48 horas. Como destacou o ministro, cabe ao Congresso apenas declarar a perda do mandato por meio de ato administrativo vinculado à sentença judicial, e não deliberar politicamente sobre ela.

Não se trata de precedente inédito. Em 2013, quando a Câmara rejeitou a cassação do então deputado Natan Donadon, também condenado com trânsito em julgado, o STF interveio. À época, o ministro Luís Roberto Barroso suspendeu os efeitos da sessão e afirmou que, em casos de condenação a regime inicial fechado por período superior ao restante do mandato, a perda é automática. A lógica é elementar: alguém privado de liberdade não pode exercer representação política. O fato de Zambelli estar presa no exterior não altera essa realidade material.

O que prevaleceu agora, mais uma vez, foi o espírito de corpo. Abandonada pelo próprio Jair Bolsonaro, Zambelli foi instrumentalizada como peça numa disputa de poder entre parte do Congresso e o STF. O interesse público, a moralidade administrativa e o respeito às instituições ficaram em segundo plano. A preservação do mandato não teve como objetivo proteger uma parlamentar, mas enviar um recado à Corte que deve ser prontamente rechaçado pelo Supremo e pela sociedade.

 

 

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Por Opinião
postado em 13/12/2025 06:00
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