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Entenda a operação contra o PCC que atinge fraudes em combustíveis e fintechs

Ação em 10 estados bloqueia mais de R$ 1 bilhão, rastreia R$ 52 bilhões em transações ilícitas e expõe atuação do crime organizado no setor de combustíveis. Receita anuncia que plataformas digitais de serviços financeiros passarão a ter as mesmas regras de transparência de bancos

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Lewandowski: "Uma das maiores operações da história brasileira" - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

A Polícia Federal, com o apoio da Receita Federal, deflagrou, nesta quinta-feira, uma das maiores operações da história do país contra o crime organizado. A ofensiva mirou fraudes bilionárias no setor de combustíveis e esquemas sofisticados de lavagem de dinheiro, com a participação de fintechs e fundos de investimento controlados por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). A ação ocorreu simultaneamente em 10 estados, e os detalhes foram apresentados pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em Brasília.

As investigações rastrearam R$ 52 bilhões em transações ilícitas nos últimos quatro anos, identificaram 40 fundos de investimento com patrimônio de R$ 30 bilhões e apontaram a sonegação de R$ 7,6 bilhões em tributos. A Justiça determinou o bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em ativos; o sequestro de 192 imóveis, 21 fundos e duas embarcações; além da apreensão de 141 veículos e do sequestro judicial de outros 1.500. A Receita Federal revelou, ainda, que o grupo criminoso adquiriu uma frota de 1.600 caminhões para transporte de combustíveis.

A ação foi coordenada pelos ministérios da Justiça e da Fazenda, Polícia Federal, Receita Federal e Ministérios Públicos Estaduais, com a deflagração simultânea de três operações: Carbono Oculto (MP-SP/Receita Federal), Quasar (PF-SP) e Tank (PF-PR). No total, foram cumpridos 350 mandados de busca e apreensão em 10 estados, dos quais 248 ligados à Operação Carbono Oculto, que mobilizou 766 policiais. No total, mais de mil profissionais atuaram na operação.

Em consequência das investigações, a Receita Federal anunciou a publicação de uma nova instrução normativa para que as fintechs (plataformas digitais de serviços financeiros) passem a ter as mesmas obrigações de transparência e de fornecimento de informações que todas as outras instituições financeiras do país.

"Fintechs têm sido utilizadas para lavagem de dinheiro nas principais operações contra o crime organizado, porque há um vácuo regulamentar, já que elas não têm as mesmas obrigações de transparência e de fornecimento de informações a que se submetem todas as instituições financeiras do Brasil há mais de 20 anos", disse a Receita, em nota, horas depois da megaoperação.

O órgão lembrou ter publicado, em 2024, uma instrução normativa estendendo as obrigações de transparência e informações às fintechs, com validade a partir de janeiro deste ano. "Em janeiro, uma onda enorme de mentiras e fake news, atribuindo uma falsa tributação dos meios de pagamento a essa normatização, acabou prejudicando o próprio uso desses instrumentos, forçando a Receita a dar um passo atrás e revogar a norma", destacou.

A Receita não anunciou a data da instrução normativa. Disse apenas que será "bastante direta e didática, com apenas quatro artigos". "O que faremos agora não é a republicação daquela norma, pois não queremos dar margem para uma nova onda de mentiras", acrescentou.

As apurações revelaram a participação de empresas tradicionais e de instituições financeiras digitais. O grupo Copape/Aster, multado em mais de R$ 2 bilhões pela Secretaria da Fazenda de São Paulo, foi apontado como elo central na adulteração e distribuição de combustíveis. Já a fintech BK Bank operava as chamadas "contas-bolsão", misturando recursos de diferentes clientes em uma única conta, o que dificultava o rastreamento. Entre 2022 e 2023, foram identificados 10,9 mil depósitos em espécie, que somaram R$ 61 milhões.

Outro braço do esquema envolveu a gestora Reag, considerada uma das maiores independentes do país, com patrimônio de R$ 299 bilhões. Segundo as investigações, fundos sob sua gestão teriam sido utilizados para blindagem patrimonial e aquisição de ativos estratégicos, como usinas de etanol e distribuidoras.

Integração

Em São Paulo, a Operação Quasar cumpriu 12 mandados de busca e apreensão contra fundos de investimento usados para lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. No Paraná, a Operação Tank investigou fraudes na cadeia de combustíveis, envolvendo empresas de fachada, depósitos fracionados, contas de passagem e adulteração de combustíveis. Foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão e 14 de prisão preventiva, com cinco presos.

O ministro Ricardo Lewandowski classificou a ofensiva como um marco histórico. "Há muito tempo estamos acompanhando um fenômeno que é a migração da criminalidade organizada da ilegalidade para a legalidade. Para combatê-lo, não basta mais apenas uma operação policial, é preciso uma atividade integrada de todos os órgãos governamentais", afirmou.

Segundo Lewandowski, o trabalho conjunto tornou possível atacar diretamente a base econômica das facções. "Com certeza, esta é uma das maiores operações da história brasileira, e ousaria dizer também que é uma das maiores operações em termos mundiais, graças ao entrosamento da Polícia Federal, da Receita Federal e de outros órgãos, como os Ministérios Públicos Estaduais", declarou.

Ele lembrou que, em janeiro de 2025, o governo criou o Núcleo de Combate ao Crime Organizado, reunindo PF, Polícia Rodoviária Federal (PRF), Receita, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Ministério de Minas e Energia (MME). A primeira reunião ocorreu em fevereiro, quando foi decidido que o foco inicial seria o setor de combustíveis. "Determinamos à Polícia Federal que instaurasse um inquérito amplo e abrangente, capaz de concentrar investigações e desarticular as organizações criminosas que vinham operando nesse mercado", relatou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também participou da coletiva, detalhou o funcionamento da rede financeira usada pelas facções. De acordo com ele, os auditores da Receita conseguiram rastrear sucessivas camadas de ocultação patrimonial.

"São muitas camadas, envolvendo fundos fechados, em que, para chegar ao patrimônio do criminoso, você precisa da inteligência dos auditores fiscais. Se não fosse por isso, não teríamos conseguido chegar a mais de mil postos de gasolina, quatro refinarias e mil caminhões que estavam à disposição do crime organizado", explicou.

Haddad ressaltou que a operação atingiu os líderes do esquema, considerando o feito como um "estrangulamento do crime". "Em geral, o que fica preso é o personagem menos importante da estrutura. Essa operação é diferenciada porque conseguiu chegar ao andar de cima do sistema", ressaltou, afirmando que os resultados vão além da repressão imediata. "Você efetivamente estrangula o crime, impede que ele prospere e seca a fonte do recurso ilícito", concluiu.

Cadeia contaminada

A subsecretária de Fiscalização da Receita, Andrea Costa Chaves, informou que a operação mostrou como o crime organizado já domina setores inteiros da economia real. "Toda a cadeia foi contaminada: da importação à produção; da distribuição ao consumidor final. O Estado não pode permitir que o crime ocupe espaços que deveriam estar nas mãos de empresários legais", frisou.

Segundo Andrea, a Receita já lançou R$ 8 bilhões em autos de infração, e novas autuações estão em andamento. Entre os bens adquiridos com recursos ilícitos, estão um terminal portuário, quatro usinas de etanol, uma frota de 1.600 caminhões e mais de 100 imóveis, incluindo seis fazendas no interior de São Paulo e uma residência de luxo em Trancoso (BA).

A Operação Tank, braço da PF no Paraná, revelou ainda que 121 empresas transferiram R$ 1,4 bilhão para uma distribuidora de petróleo ligada ao grupo investigado. A companhia declarou faturamento de R$ 7 bilhões entre 2020 e 2023, mas as autoridades apontam que sua estrutura foi erguida com recursos ilícitos. Outra instituição de pagamentos, sediada em São Paulo, transferiu R$ 400 milhões ao grupo. No total, estima-se que R$ 20 bilhões circularam pelas transações, com um prejuízo de R$ 4 bilhões em tributos federais sonegados e R$ 1 bilhão já inscrito em dívida ativa.

As autoridades apontam que o impacto da ofensiva vai além da repressão criminal. Para o governo, a ação inaugura um novo paradigma no combate às facções, ao unir inteligência fiscal, investigação policial e medidas judiciais coordenadas.

 

Fraude nos combustíveis
Fraude nos combustíveis (foto: Valdo Virgo)

 

 

 

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postado em 29/08/2025 03:55 / atualizado em 29/08/2025 06:30
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