SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Julgamento de Bolsonaro no STF, dia 4: o voto de Luiz Fux

Em voto, ministro falou em "incompetência absoluta" da Corte para julgar o caso, cerceamento de defesa, colaboração premiada de Cid e retirada de acusação criminosa

Segundo Fux, aplicar o atual entendimento sobre foro privilegiado de forma retroativa
Segundo Fux, aplicar o atual entendimento sobre foro privilegiado de forma retroativa "ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica" - (crédito: Rosinei Coutinho/STF)

No quarto dia de julgamento da Ação Penal nº 2.668, que julga a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus em tentativa de golpe de Estado e crimes contra a democracia, o ministro Luiz Fux, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela absolvição dos réus acusados e defendeu a anulação de todo o processo, alegando o princípio de que a Corte não tem competência absoluta para julgar o caso. Segundo o ministro, aplicar o atual entendimento sobre foro privilegiado de forma retroativa "ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica". 

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A sessão, iniciada às 9h11 desta quarta-feira (10/9), ocorreu em tom mais leve em comparação ao dia anterior. Logo no início, Fux elogiou os colegas Flávio Dino, a quem chamou de “dileto amigo, que tem um humor especial e isso o torna atraente”; Cristiano Zanin, presidente da turma, e a ministra Cármen Lúcia, decana do colegiado. Também destacou a dedicação demonstrada ao longo do voto do ministro relator, Alexandre de Moraes.

A descontração chamou atenção pois, durante a sessão desta terça-feira (9/9), Fux criticou as intervenções do colega Flávio Dino durante o voto de Moraes. Dino então respondeu com ironia: "Pode dormir em paz, não irei interromper Vossa Excelência".

Entre os acusados estão, além de Bolsonaro, os ex-ministros Walter Braga Netto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o tenente-coronel Mauro Cid. Segundo a acusação, todos integrariam o chamado "núcleo crucial" da trama, formado para desacreditar o sistema eleitoral, incitar ataques às instituições e articular medidas de exceção com o objetivo de impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Argumentos centrais 

  • Incompetência do STFO Supremo não poderia conduzir o julgamento porque os réus já não tinham mais cargos quando o atual entendimento sobre foro privilegiado foi definido;
  • Nulidade de atos: Classificou a situação como “incompetência absoluta” no julgamento da ação penal por parte do STF e da Primeira Turma, que impõe a anulação de todos os atos decisórios já praticados;
  • Juiz natural: Argumentou que retroagir a regra viola a garantia constitucional de que todo cidadão deve ser julgado por autoridade previamente estabelecida em lei;
  • Competência do plenário: Defendeu que, mesmo que coubesse ao STF julgar o caso, a análise deveria ser feita pelo plenário, e não pela 1ª Turma;
  • Cerceamento de defesa: Segundo o ministro, processo envolveu cerca de 70 terabytes de documentos, o que dificultou a análise completa por parte da defesa e da acusação.
  • Acusação de organização criminosa: Afirmou que "não se pode banalizar o conceito de crime organizado" e que a simples reunião de pessoas para cometer crimes não confira, por si só, uma organização criminosa. 

Durante a leitura do voto, o ministro também ressaltou que juízes devem manter distanciamento e independência, evitando pressões políticas ou sociais. "A maior responsabilidade da magistratura é ter firmeza para condenar quando houver certeza e, o mais importante, ter humildade para absolver quando houver dúvida", declarou.

Cerceamento de defesa

Fux acolheu a preliminar levantada pelas defesas, que alegaram não ter tido tempo hábil para analisar o vasto material da investigação da Polícia Federal e da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Segundo o ministro, o processo envolveu cerca de 70 terabytes de documentos, o que dificultou a análise completa. "Salta aos olhos a quantidade de material probatório envolvido. Até para mim, elaborar esse voto foi motivo de extrema dificuldade", disse.

Ele citou o professor de direito processual penal Gustavo Badaró, que apontou violação à garantia da ampla defesa. Até o momento, é o único ministro a concordar com a tese. "Não estamos julgando pessoas com prerrogativa de foro. Estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro", afirmou, reforçando o argumento de que o processo deveria ser remetido à primeira instância.

Colaboração premiada de Mauro Cid

Parte relevante do voto foi dedicada à colaboração premiada de Mauro Cid. Fux citou o artigo 3º da Lei nº 12.850 e lembrou que a delação deve gerar efeitos concretos, como identificar coautores, revelar a estrutura hierárquica da organização criminosa e recuperar valores ilícitos.

Ele fez críticas ao colaborador, mas defendeu que o acordo, homologado pelo Supremo em setembro de 2023, foi útil para a investigação. "Esse colaborador acabou se autoincriminando. Ele confessou. Me parece desproporcional anular ou rescindir essa delação", disse.

Fux também comentou a mudança de posição do Ministério Público, que inicialmente pediu o arquivamento do acordo, mas depois recuou. "Mudar de entendimento é demonstração de humildade judicial. O direito não é um museu de princípios; ele está em constante transformação. Afinal, filosoficamente, o direito é um instrumento da vida e da esperança."

"Acolho a conclusão do relator e o parecer do Ministério Público, e defendo a aplicação dos benefícios propostos pela PGR ao colaborador Mauro César Cid", declarou. Restituição de bens e valores, extensão de garantias a familiares (pai, esposa e filho maior) e medidas de segurança da Polícia Federal estão entre os auxílios a serem garantidos.

Premissas

Ao analisar as premissas apresentadas pelas defesas, o ministro acatou a retirada da acusação criminosa contra o réu Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), já que a suposta atuação da organização teria se estendido até os ataques de 8 de janeiro de 2023, quando o deputado federal já havia sido diplomado e, portanto, não estaria mais vinculado às ações investigadas.

"A imputação do crime de organização criminosa exige mais que a reunião de vários agentes para a prática de delitos. Não se pode banalizar o conceito. A pluralidade de agentes ou existência de plano definitivo não tipificam, por si só, os crimes de associação ou organização criminosa", declarou.

Fux também se deteve sobre a premissa teórica do crime de dano, rebatendo a tese de autoria mediata apresentada pelas defesas. Ele afirmou que os vândalos que destruíram o patrimônio público tinham plena consciência de suas condutas e não poderiam ser tratados como vítimas de manipulação.

“Os vândalos que destruíram bens de inestimável valor para a República, em especial bens tombados, não eram, na sua maioria, inimputáveis, também não agiram em erro de tipo. Será que alguém que danificou o patrimônio acreditava que sua conduta era lícita ou será que praticou aquilo por coação moral irresistível? Qual teria sido a ameaça concreta do suposto autor mediato? Reconhecer a autoria mediata, na hipótese dos autos, seria uma postura excessivamente paternalista e aniquiladora da autonomia da vontade dos criminosos que destruíram o patrimônio público. Essa análise partiria da premissa equivocada de que os indivíduos que causaram a destruição e a baderna não tinham a mínima noção de que estavam cometendo crimes”, afirmou.

Já durante a premissa de golpe de Estado divergiu, mais uma vez, de Moraes, que durante voto relembrou falas públicas de Bolsonaro como prova de ataque às instituições e incitação à violência. De acordo com o ministro, críticas a outros poderes "ainda que extremamente reprováveis", não podem ser punidas como atentados ao Estado Democrático ou tentativa de golpe de Estado. 

Além disso, afirmou não ser possível responsabilizar os réus por crimes de dano ao patrimônio durante o 8 de janeiro, quando os atos de destruição foram praticados por terceiros. "Reconhecer autoria mediata seria postura excessivamente paternalista e aniquiladora da autonomia dos criminosos que depredaram o patrimônio público", declarou.

Condenações

Após mais de cinco horas de argumentação, Fux passou à análise das denúncias para cada um dos oito réus. Veja como votou o ministro.

Mauro Cid: Fux votou pela condenação de Mauro Cid tentativa de abolição de Estado de Democrático de Direito por conversas sobre financiamento de atos antidemocráticos. Ministro afirma que ex-ajudante de ordens “participou ativamente da troca de mensagens com os réus, que tinham o desejo de tomar o poder sem uma vitória nas urnas". A decisão de Fux considera uma troca de mensagens entre Cid e o tenente-coronel do Exército Rafael Martins de Oliveira sobre o financiamento de manifestações “para incentivar atos destinados a abolir violentamente o Estado de Democrático de Direito". “A atuação de Mauro Cid não se esgotou na fase preparatória do plano Copa 2022”, afirmou Fux, que ressaltou a gravidade do monitoramento do ministro Alexandre de Moraes. Ministro rejeitou denúncias de organização criminosa, dano qualificado e a dano a patrimônio tombado. 

Almir Garnier: Luiz Fux vota pela absolvição de Almir Garnier por todos os crimes julgados e alega insuficiência das provas. “Não há elemento material que indique a anuência de Almir Garnier a algum plano golpista, de modo que sua postura passiva nas reuniões dos dias 7 e 14 revelam a inexistência de qualquer tipo de adesão à suposta organização criminosa”, defende.

Jair Bolsonaro: Fux decide pela absolvição de Bolsonaro por todos as condutas julgadas. Decisão do magistrado é centrada em suposta ausência de provas. Segundo ele, “cogitação é insuficiente para a configuração do crime”, diz Fux sobre tentativa de golpe. “Tudo sugere que, nas reuniões de novembro de 2022, houve uma mera cogitação de emprego da medida da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como fruto da irresignação do réu com o atual insucesso de sua representação apresentada ao STF”, argumentou. O ministro afirmou ainda que não há elementos que identifiquem “ciência do ex-presidente da república sobre a minuta do plano Punhal Verde e Amarelo” e Copa 2022. O voto do ministro também afastou Jair Bolsonaro das denúncias de danos patrimoniais causados no 8 de janeiro. Manifestação afirma não ser possível ligar o réu aos crimes “cometidos por terceiros com os quais não possui qualquer relação tão somente por ter proferido palavras e falas genericamente consideradas como incentivo à ruptura institucional”. Ele alega ainda que Bolsonaro não tinha o dever de desmobilizar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.

 

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postado em 10/09/2025 12:04 / atualizado em 10/09/2025 21:38
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