
O voto da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF) — que definiu a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos outros sete réus por tentativa de golpe de Estado —, apresentou forte teor institucional. A magistrada destacou que "a lei é para ser aplicada igualmente a todos" e reforçou que o julgamento respeitou integralmente o devido processo legal.
Logo na abertura, Cármen Lúcia frisou existir "prova cabal" contra os réus e destacou que não houve contestação quanto à tentativa de ruptura democrática. "Os fatos descritos desde a denúncia não foram negados na sua essência. Nossa República tem melancólico histórico e, por isso, a importância de cuidar do presente processo", afirmou. Para ela, "todo processo penal é especialmente difícil, mas é preciso atuar com serenidade, dentro das regras constitucionais".
Cármen Lúcia fez referências históricas e simbólicas, ressaltando a resistência institucional diante dos ataques de 8 de janeiro de 2023. "O 8 de Janeiro não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo. O inédito e infame conjunto de acontecimentos, ao longo de um ano e meio, para insuflar, instigar e maliciar, haveria de ter uma resposta no direito penal", disse.
Ela destacou que as instituições não se intimidaram diante da violência. "É inútil, pois mesmo que desejassem destruir mil vezes este Supremo Tribunal Federal, mil e uma vezes reconstruiríamos este prédio". Segundo a ministra, "os valores que informam a atividade desta Casa jamais serão tingidos ou subjugados pela barbárie".
A magistrada também recorreu à literatura para reforçar sua posição, citando o escritor francês Victor Hugo: "O mal feito para o bem continua sendo mal". Segundo Cármen Lúcia, a lembrança histórica tem paralelo com o julgamento em curso. "O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro na área das políticas públicas dos órgãos de Estado."
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A ministra afastou as teses das defesas que questionavam a competência da Primeira Turma do STF para julgar o caso. Lembrou que, desde 2023, o regimento interno restabeleceu às Turmas a atribuição de analisar ações penais. "Sempre entendi que a competência era do STF. Não há nada de novo para mim em votar sempre do mesmo jeito", afirmou.
Ela também rejeitou o pedido de anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apontando não haver vícios que comprometessem a colaboração. Segundo destacou, o militar "não atuou como mero espectador, mas como agente ativo da organização criminosa, participando efetivamente das práticas criminosas comprovadas nos autos".
Outro argumento descartado foi o de cerceamento de defesa. Cármen Lúcia ressaltou que a digitalização processual ampliou o acesso dos advogados às provas e aos prazos. "Recebemos memoriais, audiências e manifestações amplas. Não houve qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa", concluiu.
Risco autoritário
Cármen Lúcia comparou o autoritarismo a uma ameaça permanente, "um vírus que se insinua insidioso, a contaminar liberdades e direitos humanos". Para ela, legislações no mundo todo tipificam o crime de golpe de Estado justamente para blindar sociedades contra retrocessos ditatoriais.
Em outro momento, afirmou que, apesar das crises políticas e dos ataques, as instituições brasileiras permaneceram firmes: "Se houve dor, houve esperança". Para a ministra, os últimos anos revelaram "novos focos militares e sociopolíticos" articulados para comprometer o Estado de Direito.
Ao concluir, Cármen Lúcia reconheceu a materialidade dos crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e destacou o papel de Bolsonaro como líder da organização criminosa. "Eu considero que se caracteriza a prática desses crimes, como também de dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. O panorama fático e normativo está devidamente demonstrado", declarou.
Com o voto da ministra, a Primeira Turma do STF formou maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus da trama golpista.
Segundo Cármen Lúcia, "a prova produzida durante a instrução processual, além das provas documentais, comprova a materialidade e a autoria". "A organização documentou quase todas as fases da empreitada", enfatizou. Para ela, "os que conceberam, insuflaram, financiaram e praticaram os crimes devem responder dentro do devido processo legal".
Saiba Mais
Alícia Bernardes
Alícia Bernardes é graduanda de Jornalismo e Comércio Exterior pela UDF. Integrante da Women Inside Trade (WIT), iniciativa que promove a participação feminina no comércio internacional, já estagiou no Poder360, atuando na produção das newsletters do jorn
Fernanda Strickland
RepórterFormada em jornalismo na Universidade Paulista (UNIP). É repórter de economia do Correio Braziliense desde 2020. Participou do Estágio de Correspondentes de Assuntos Militares (ECAM) 2019. Já passou pelas assessorias de comunicação da Embrapa e do IFB.
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