
Depois de uma manobra criticada por deputados governistas e também por parlamentares de oposição, a Câmara aprovou, em uma só votação, a manutenção na PEC da Blindagem de dois trechos controversos: um garante que as decisões sobre prisões de congressistas se darão por voto secreto; outro inclui os presidentes de partidos com representação no Congresso no foro privilegiado. Na prática, esses caciques só poderão ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes cometidos no exercício do mandato. O texto chegou, ainda nesta quarta-feira, ao Senado, onde o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), anunciou, em nota, o encaminhamento para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
O presidente do colegiado, senador Otto Alencar (PSD-BA), descartou, no entanto, a possibilidade de aprovação da PEC. "Não passa de jeito nenhum. Não tem 49 votos no Senado", sustentou, lembrando que uma proposta de emenda à Constituição exige o apoio de três quintos dos parlamentares. "É um desgaste desnecessário em um momento em que todos vão buscar reeleição", acrescentou, em referência ao fato de que, em 2026, dois terços do Senado passarão por renovação.
Outro senador, ouvido reservadamente, foi categórico: "Não tem a menor possibilidade de isso passar aqui. A lei é para todos. Como a população vê o Legislativo, ultimamente ninguém legisla para o povo. Não vamos aprovar isso nesta Casa".
O placar da aprovação na Câmara foi de 314 votos a favor e 168 contra. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), rejeitou diversos pedidos de revisão do procedimento e de votação nominal feitos por deputados de PT, PSol, Novo, PSB e União Brasil (embora a maioria dos deputados tenha sido a favor do texto). Ele anunciou o resultado sob protestos no plenário.
Os dois destaques (quando parlamentares apreciam trechos da proposta em separado) restantes da proposta de emenda à Constituição (PEC) foram incluídos em uma emenda aglutinativa pelo relator da proposta, Claudio Cajado (PP-BA), com a bênção de Motta. Ao ser questionado sobre o motivo da manobra, disse que a votação do segundo turno da PEC "não correspondeu à vontade do plenário". Cajado argumentou que, como a votação em segundo turno se deu depois da meia-noite, alguns deputados dormiram durante a votação.
"O que houve ontem (terça-feira) foi que votamos, por ampla maioria no primeiro turno, um texto com o voto secreto, com o foro para os presidentes de partidos e pela permanência do texto apresentado por mim como relator. Isso ficou claro. Não houve dúvida com relação à vontade do plenário. No segundo turno, após a meia-noite, muitos deputados deixaram de votar. Alguns, inclusive, procuraram-me, dizendo 'rapaz, eu acabei dormindo'", afirmou a jornalistas. A justificativa também tinha sido dada no plenário da Câmara, quando a manobra foi questionada por alguns parlamentares ao microfone.
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Ele negou, ainda, que tenha havido pressa para avaliar a proposta ou que o texto tenha como objetivo dar privilégios aos parlamentares. Argumentou que os deputados e senadores querem um "regramento claro" para proteger a função parlamentar contra abusos e "pressões externas". Também refutou que a apreciação da pauta tenha prejudicado a votação de matérias de interesse da população em geral, como têm dito parlamentares governistas. "Nós estamos tentando limpar a pauta, com essa questão, com a questão da anistia, para que possamos avançar, como temos avançado numa pauta econômica", frisou.
Ao longo da votação, parlamentares governistas repetiram o discurso do Planalto de que há pautas mais importantes a serem apreciadas pelo Congresso, em linha com o que disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Motta na conversa da última segunda-feira.
Nesta quarta-feira, a conta oficial do governo brasileiro nas redes sociais chegou a publicar uma arte imitando uma promoção de feira logo antes da votação da PEC da Blindagem. "Promoção só depende do Congresso. R$ 0,00 no Imposto de Renda para 86,2% dos trabalhadores formais. Ganhe um Brasil mais justo", afirmava o post.
Escândalo
Durante toda a votação, o PSol e o Novo, partidos de espectros políticos diferentes, tentaram evitar, como já ocorreu em outras situações, que os trechos sobre o voto secreto e o foro para presidentes de partidos fossem reincluídos no texto. A deputada Talíria Petrone (RJ), líder do PSol, destacou que o partido pretende acionar a Justiça contra a manobra capitaneada por Motta.
"Quando o plenário decide que não quer voto secreto nesta PEC e os senhores decidem, e o senhor com a responsabilidade de presidente sentado nesta cadeira, presidente Hugo Motta, decide votar de novo o que o plenário derrubou, estão ferindo de morte a democracia", protestou Talíria. "Isso é imoral, é inconstitucional, é um escândalo, que abre um precedente absurdo e desmoraliza este Parlamento. Isso desmoraliza Vossa Excelência (referindo-se a Motta). Nosso partido vai entrar na Justiça contra a ilegalidade que está sendo cometida aqui", continuou.
O deputado Alberto Fraga (PL-DF) rebateu. "Vergonha é o parlamentar não se valorizar. Vergonha é o parlamentar se envergonhar do seu bóton, quando desce no aeroporto e tira o bóton para não ser reconhecido. Vergonha é o parlamentar não ter como explicar na rua por que o Supremo Tribunal Federal está decidindo as coisas que votamos (...) É uma matéria que a gente já vem pleiteando há muito tempo, e a verdade é que a esquerda não precisa desse tipo de proteção, porque já é protegida pelos amigos no Supremo", disparou. E arrematou: "Nós vamos ganhar de lapada dessa vez". No caso do PL, partido do parlamentar, todos os deputados votaram a favor da emenda aglutinativa, embora alguns tenham se manifestado ao microfone, no dia anterior, contra o voto secreto.
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