
Após a convocação em massa pelas redes sociais de artistas, políticos e influenciadores, milhares de pessoas foram às ruas, ontem, para protestar contra o Projeto de Lei da Anistia e a Proposta de Emenda à Constituição da Blindagem, que estão em discussão no Congresso. Os protestos foram realizados nas 27 capitais e 30 cidades e foram organizados por partidos e movimentos de esquerda. A Câmara deve votar na quarta-feira uma proposta alternativa ao PL, que está sendo construída pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), rebatizado de "PL da Dosimetria" — os bolsonaristas, porém, o rejeitam. No caso da PEC, está na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e deve ser rejeitada integralmente pelo relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
No X (antigo Twitter), enquanto ocorriam os atos, estiveram entre os trend topings algumas expressões ligadas aos protestos — como "PEC da Bandidagem", "Anistia não", "Flopou" (pela qual os apoiadores dos protestos ironizavam as postagens da extrema-direita que diziam que as manifestações tinham fracassado), "Sem anistia" e "Bolsonaro na cadeia".
De todos, o maior dos atos foi em São Paulo, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP) e contou com a presença de mais de 42 mil pessoas, segundo a medição feita pelo Monitor do Debate Político do Cebrap, em parceria com a ONG More in Common. Os manifestantes estenderam um bandeirão do Brasil na Avenida Paulista, no mesmo local onde, duas semanas antes, grupos de extrema-direita que defendiam a anistia levaram uma bandeira dos Estados Unidos e pediram intervenção militar norte-americana no Brasil. O ato teve discursos dos deputados federais Guilherme Boulos (PSol-SP), Sâmia Bomfim (PSol-SP) e Tabata Amaral (PSB-SP), além do padre Júlio Lancellotti.
O ato reuniu partidos, movimentos sociais e centrais sindicais em defesa da punição aos golpistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). "Não tem meio termo, não tem 'anistia light'. Vamos trabalhar contra. Vamos sepultar a anistia. Ficou claro que tem de um lado quem quer defender bandido com a PEC da Blindagem e anistiar golpista. Do outro, quem é a favor da democracia e não quer esse absurdo", disse Boulos, no discurso que fez aos manifestantes.
Em vários momentos, houve vaias ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Os três foram os principais alvos dos políticos que se revezaram no carro de som.
Estrelas da música
No Rio de Janeiro, os atos concentraram-se no Posto 5 da Praia de Copacabana, na Zona Sul carioca. Nomes consagrados da música brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque e Djavan, participaram do movimento. Também participaram do ato os deputados federais Chico Alencar (PSol-RJ), Pastor Henrique Vieira (PSol-RJ), Glauber Braga (PSol-RJ) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). de acordo com a metodologia do Monitor do Debate Político da Universidade de São Paulo (USP), que utiliza inteligência artificial para analisar imagens aéreas da multidão capturadas por drones, reuniram-se no ápice da manifestação 41,8 mil pessoas.
Da mesma maneira que no Rio de Janeiro, o protesto em Salvador foi um desfile de artistas criticando a blindagem e a anistia aos golpistas. A concentração foi na orla, próximo da Farol da Barra, e teve a cantora Daniela Mercury como principal atração musical. "Estamos juntos lutando pela democracia brasileira, contra anistia, que já foi julgada pelo Supremo, de forma adequada, respeitando o Estado Democrático de Direito e todo o processo legal. A gente não aceita que ela seja ressuscitada a qualquer custo", afirmou.
Quem também compareceu foi o ator Wagner Moura, cujo filme O Agente Secreto é o representante brasileiro no Oscar de 2026. Ele foi enfático ao lembrar que a democracia brasileira vive um movimento extraordinário e que a Lei da Anistia, de 1979, teria sido responsável pela eleição de Bolsonaro, em 2018. "Isso não pode acontecer nunca mais", exortou.
Em Brasília, os manifestantes reuniram-se em frente ao Museu da República, na Esplanada dos Ministérios. A concentração começou por volta das 10h e um boneco inflável ironizando a imagem do ex-presidente foi erguido pelos manifestantes. A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) não confirmou quantas pessoas compareceram. Depois do ato no Museu da República, os manifestantes caminharam até o Congresso, onde os deputados e senadores debatem a partir de amanhã a blindagem e a anistia. No palanque, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o deputado federal Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e o deputado distrital Fábio Felix (PSol). A atração musical ficou a cargo do cantor e compositor Chico Cesar.
Dirceu enfatizou que a oposição tem atuado para barrar propostas voltadas para a população, como a isenção do IR e da conta de luz para os mais pobres, e rechaçou o que chamou de "PEC da Impunidade" (leia abaixo).
Rollemberg criticou os colegas de Congresso que votaram a favor da PEC e disse que os parlamentares deveriam ser "os primeiros a pedir transparência na execução das emendas". Para ele, a anistia serve apenas para livrar da prisão Bolsonaro e os integrantes do "núcleo duro" do golpe.
Ao longo da semana passada, pesquisas de opinião mostravam que o eleitorado é contrário à PEC da Blindagem e favoráveis a que Bolsonaro e os demais participantes da tentativa de golpe sejam punidos.
Quatro perguntas para o ex-ministro José Dirceu
Como o senhor avalia a possibilidade de dosimetria aos condenados por tentativa de golpe?
Não posso falar em nome do governo. O que eu pergunto para cada brasileiro é o seguinte: você destrói a Câmara, destrói o Senado e aí os senadores e deputados diminuem as penas? Eles destroem o Palácio Planalto, assaltam o Poder Judiciário e destroem a sede. Tem um plano “verde e amarelo” para assassinar o presidente, o vice e o ministro Alexandre Morais. Tentam envolver as Forças Armadas para dar um golpe. E vão ficar impunes? Vão ter penas diminuídas?
Então, o senhor é contra a chamada “PEC da Dosimetria”?
O que chama a atenção é o cinismo deles, a hipocrisia. Eles querem arrochar cada vez mais e, agora, querem diminuir as penas para eles? Quer dizer: o trabalhador ou trabalhadora que cometer um delito, eles pregam que dê penas de 20, 30 anos. E para eles, que tentaram destruir as sedes dos poderes Legislativo, Judiciário, Executivo e tentaram dar um golpe de Estado, vai diminuir a pena? Evidentemente que o Congresso Nacional é soberano para isso, mas lembra que o presidente pode vetar.
A prisão de Jair Bolsonaro ajuda o governo Lula em algo?
A força do governo vem das medidas que toma, da política dele. O país está crescendo, o emprego e a renda. O presidente tomou medidas para defender o país do tarifaço, defender a nossa democracia, a nossa soberania. É evidente que uma parcela maior dos brasileiros passou a apoiálo. Quando o presidente propõe o Vale-gás, propõe isenção da luz até 80 e 120 megawatts, isenção de Imposto de Renda até R$ 5 mil — e eles querem aprovar anistia e a PEC da Impunidade —, milhões de brasileiros falam: “Vou estar com Lula. Eu não posso estar com esse Congresso”.
E o que fazer diante dessa insatisfação?
Por isso é que falei aqui (na manifestação) que o fundamental é mudar o Congresso nas eleições de 2026. Evidentemente que defendo a reeleição do presidente Lula — mas é a minha opinião e cada brasileiro tomará sua decisão. Só que é preciso mudar o Parlamento. Não dá mais. E não é somente protestar, mas é protestar e votar coerentemente depois. E mudar. Se vai reeleger o Lula, que se coloque no Poder Legislativo senadores e deputados que o apoiam a fim de que ele possa poder fazer as reformas que todos nós pretendemos.
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