
A votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que susta os efeitos da Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), dividiu a Câmara dos Deputados com um dos debates mais sensíveis do país: o do aborto legal em casos de violência sexual. O texto que foi aprovado na quarta-feira (5/11), por 317 votos a favor e 111 contrários, ainda precisa ser avaliado pelo Senado Federal.
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A resolução do Conanda, publicada em maio, definia diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de estupro, incluindo a possibilidade de interrupção da gravidez sem exigência de boletim de ocorrência, decisão judicial ou autorização dos pais. Segundo o órgão, a medida buscava assegurar atendimento rápido e humanizado às vítimas de violência. Para os defensores do PDL, contudo, o texto “extrapolava” a competência do conselho e violava o Código Penal.
A aprovação do PDL foi comemorada por parlamentares da base conservadora. A deputada Bia Kicis (PL-DF) celebrou a decisão. “Vitória da vida! Aprovamos o PDL 3/25 que suspendeu resolução do Conanda que incentiva o aborto de menores vítimas de violência, dispensa boletim de ocorrência e protege o estuprador, além de excluir a participação dos pais, o que viola a lei e os princípios familiares”, disse ao Correio.
Na mesma linha, o líder do Novo na Câmara, Marcel Van Hattem (Novo-RS), comemorou a decisão e classificou a resolução como “um atentado contra a infância”.
“Ao permitir aborto em crianças e adolescentes, sem consentimento dos pais e sem boletim de ocorrência, ela acaba por proteger estupradores e deixar meninas vulneráveis. A Constituição exige a melhor proteção dos interesses de crianças e adolescentes. Tenho certeza de que o Senado também derrubará essa medida absurda do governo Lula, reafirmando a defesa da vida e da família”, declarou à reportagem.
O deputado Hélio Lopes (PL-RJ) também exaltou o resultado da votação: “O conselho que deveria proteger as crianças criou uma resolução abortista. Como cristão evangélico, tinha que lutar contra esse absurdo. Sou pró-vida e jamais vou compactuar com uma resolução que prevê assassinato de bebês no ventre materno. Estamos aqui para defender os valores cristãos e a família”, afirmou.
Críticas e contrapontos
Parlamentares da oposição e entidades de defesa dos direitos humanos, por outro lado, reagiram duramente à decisão. Para a deputada Maria do Rosário (PT-RS), a revogação representa um retrocesso na proteção de meninas vítimas de estupro.
“A extrema direita derrubou uma resolução que garantia atendimento humanizado e ágil a vítimas de violência sexual. Os estupradores dessas crianças em geral são pais, padrastos e familiares. Defender a vida é garantir dignidade e proteção às vítimas”, comentou ao Correio.
Nas redes sociais, a discussão se ampliou. A deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) criticou a narrativa usada por parte dos parlamentares para justificar o PDL.
“Criança não é mãe! Estuprador não é pai! É absurdo a Câmara derrubar, com mentiras, um ato do Conanda. Cuidar das crianças é garantir acesso à saúde e à interrupção de gestações resultantes de estupro. [...] Meninas têm cinco vezes mais chances de morrer na gravidez ou no parto”, escreveu, citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A deputada Sâmia Bomfim (PSol-SP) também se manifestou. “Com essa revogação, meninas estarão mais expostas à negligência, violência institucional e ao impedimento de acesso ao aborto legal, previsto na legislação desde a década de 1940. A cada dois dias, uma menina de até 14 anos morre em decorrência da gravidez. [...] As mais pobres enfrentam gestações arriscadas ou recorrem a métodos inseguros e fatais”, lamentou.
Realidade brasileira
A discussao entre os parlamentares revela um cenário preocupante. Um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 34,2 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos viviam em união conjugal em 2022. Dessas, 77% eram meninas. Os dados reforçam o alerta de especialistas sobre a vulnerabilidade de menores em relações precoces e as consequências físicas e psicológicas da gravidez infantil.
De acordo com a legislação brasileira, o aborto é permitido em três casos: gravidez resultante de estupro, risco à vida da gestante e anencefalia fetal. Mesmo assim, o acesso ao procedimento enfrenta resistência em parte das unidades de saúde, sobretudo quando envolve crianças e adolescentes.

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