
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou para esta terça-feira a votação em plenário do PL Antifacção, rebatizado de Marco Legal de Combate ao Crime Organizado. O texto, porém, ainda não tem consenso. Parlamentares governistas reclamam de trechos do parecer elaborado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), que, segundo afirmam, enfraquecem o combate ao crime organizado. Já oposicionistas insistem em incluir no projeto a equiparação de traficantes a terroristas.
"Segurança pública exige firmeza, mas também garantias e eficiência institucional. Por isso, inseri na pauta de amanhã (terça-feira), e a Câmara dos Deputados vai votar, o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado. É a reposta mais dura da história do Parlamento no enfrentamento do crime organizado", sustentou Motta nas redes sociais.
Ele enfatizou que "o projeto aumenta as penas para integrantes de facções e dificulta o retorno às ruas". Segundo ele, "também cria e integra os Bancos Nacional e Estaduais de Dados sobre as Organizações Criminosas".
Derrite foi escolhido por Motta para relatar o PL Antifacção, enviado pelo Executivo, mas governistas afirmam que o parlamentar tem distorcido o texto. Licenciado do cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo, o deputado já apresentou quatro versões de relatório, todas contestadas, seja por governistas, seja pela oposição. Existe a possibilidade de ele apresentar uma quinta versão do projeto nesta terça-feira.
A Correio, Derrite reforçou que o parecer representa um marco histórico na legislação penal brasileira: "A expectativa é de que todos analisem o relatório de forma técnica, pois, se assim o fizerem, vão constatar que temos uma oportunidade única de aprovar a lei mais severa dos últimos 40 anos do Congresso Nacional, que punirá adequadamente os criminosos no Brasil. O crime organizado vive de comunicação e dinheiro — e o Marco Legal fecha essas duas torneiras", sustentou Derrite.
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), defendeu, porém, a troca de relator. Ele afirmou que a condução do parecer elaborado por Derrite provocou retrocessos e suspeitas sobre eventuais interesses na desidratação dos mecanismos de investigação e asfixia financeira do crime organizado.
Segundo Lindbergh, Motta poderia ter evitado a crise ao nomear um relator "neutro" e disposto a trabalhar com a base do texto enviado pelo governo.
"Se o presidente Hugo Motta quisesse corrigir essa confusão toda, ele conversaria com o relator Derrite, explicaria as motivações e escolheria outro relator. Nem precisa ser nosso, há vários nomes do Centrão. Mas que partisse do texto do governo. Por que ele não coloca o PL Antifacção? Porque não quer reconhecer que foi enviado pelo Executivo", afirmou.
O líder ainda citou três pontos "inegociáveis" para a base de Lula: recompor o perdimento extraordinário de bens, restaurar os recursos da Polícia Federal e retomar, no texto, o tipo penal de facção criminosa. Ele frisou que o relatório atual desmonta instrumentos essenciais de combate ao crime organizado.
"O perdimento de bens foi desmontado. Parece uma tentativa de proteger alguém envolvido com organização criminosa", criticou. Ele reiterou que o corte de R$ 360 milhões da PF segue no relatório mais recente. "Recompor o orçamento da PF é central", enfatizou.
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Soberania
Sobre o destaque que tenta reinserir trechos relativos ao crime de terrorismo, Lindbergh ressaltou que o governo trabalhará para derrotá-lo, afirmando que bancos, fundos de investimento e instituições financeiras já alertaram sobre os riscos ao Brasil.
"Quando um país é classificado como terrorista, fundos internacionais não podem investir. Isso afeta a Bolsa e pode mexer até na classificação de risco. O ministro Haddad (da Fazenda) me falou isso. Não vamos aceitar aventuras", justificou.
Já o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que insistirá na apresentação do destaque que equipara traficantes e integrantes do crime organizado a terroristas. Ele refutou o risco de afastar investidores ou abrir brechas para interferência internacional. "O que afasta investimento é o crime organizado. Não existe esse risco de intervenção. O que há é insegurança provocada por criminosos", frisou.
Apesar de defender um debate mais prolongado, Sóstenes afirmou que a bancada do PL votará o texto. Segundo ele, o Executivo pressiona pela votação para evitar desgaste. "O governo está incomodado e sabemos o porquê. O governo é um fracasso na segurança pública. (...) Já que o governo tem medo do assunto e quer votar amanhã, não tem problema: votaremos a favor e apresentaremos o destaque."
Associações
O parecer foi criticado, também, pela Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj). A nota, enviada ao Correio e assinada pelo presidente da entidade, Rossino de Castro Diniz, reprovou trecho do texto que prevê o endurecimento de penas e a ampliação de instrumentos de vigilância. Afirmou, ainda, que políticas centradas exclusivamente na repressão "têm falhado reiteradamente" e, em alguns casos, resultado em operações policiais mais violentas.
"A criminalidade nas favelas e periferias está intrinsecamente ligada à ausência do Estado em áreas como educação, saúde, emprego, moradia e cultura. Sem investimentos sólidos nessas áreas, qualquer medida repressiva será insuficiente e poderá servir como justificativa para operações policiais ainda mais violentas, como as que recentemente resultaram no Massacre dos Complexos da Penha e do Alemão", disse a entidade.
A Faferj ainda citou os conceitos de "organização criminosa ultraviolenta" e "domínio social estruturante", incluídos no relatório do projeto. Para a entidade, falta clareza técnica nesses termos, e são preocupante pois, abrem "margem para interpretações amplas e arbitrárias, podendo criminalizar movimentos sociais, lideranças comunitárias e até mesmo a própria organização popular".
Como alternativa de combate ao crime organizado, a federação defende ações integradas, com investimentos massivos em educação em tempo integral, saúde pública de qualidade, geração de emprego e renda, urbanização das favelas e ampliação do acesso à cultura e ao lazer.
Para a entidade, fortalecer esses pilares é condição indispensável para reduzir vulnerabilidades e ampliar oportunidades, além da desmilitarização das polícias e o fim da chamada "guerra às drogas" como paradigma de segurança pública.
Por fim, a Faferj ressaltou que moradores das favelas devem ser incluídos na formulação das políticas de segurança, garantindo que as ações do poder público possam atender às necessidades reais das comunidades.
Essa questão de “ouvir a comunidade” também foi defendida por um morador do Morro do 48, localizado no bairro Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, que pediu anonimato. Para ele, antes de aprovar qualquer proposta para as comunidades, as pessoas que moram nelas precisam ser ouvidas.
“Deveria ser feita alguma espécie de enquete, porque nós, que moramos aqui, sabemos como funcionam as coisas”, disse.
Questionado sobre como está o clima nas comunidades dias após a operação, o morador disse que não existe medo porque as pessoas já estão acostumadas e que tudo segue “normalmente”.
Nas declarações por telefone, ele ainda disse que a proposta do Projeto de Lei Antifacção em si, não beneficia as comunidades, mas, sim, outras regiões não periféricas.
Problemas
Na visão de especialistas ouvidos pelo Correio, o PL Antifacção ainda precisaria ser aperfeiçoado em alguns pontos. Para o conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Alan Fernandes, por exemplo, apesar de a proposta apresentar avanços, também traz "problemas bastante graves”.
"Entre os problemas, está a proposta do relator de um novo dispositivo legal que recai apenas sobre algumas modalidades de crime organizado, as organizações criminosas ultraviolentas e paramilitares, deixando fora a criminalidade organizada de colarinho-branco ou parcelas sem violência”, disse o conselheiro.
Já para o criminalista e especialista em direito penal e processual penal Roberto Parentoni, o projeto amplia de forma significativa os conceitos ligados às organizações criminosas, criando tipos penais com termos abertos, como “vínculo associativo” e “domínio territorial”, que podem gerar interpretações extensivas e insegurança jurídica.
“A proposta reforça o enfrentamento às facções, mas reduz salvaguardas processuais e desloca limites tradicionais do poder punitivo. O ponto central é evitar que o Estado, sob o argumento da eficiência, ultrapasse balizas constitucionais e coloque em risco direitos fundamentais de pessoas sem vínculo real com criminalidade organizada”, pontuou o especialista.
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