A megaoperação da Polícia Civil do Rio de Janeiro que deixou 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, na última terça-feira (28/10), evidenciou as falhas na segurança pública no país e o papel do Estado no enfrentamento ao crime organizado. O episódio dividiu parlamentares e especialistas entre os que defendem repressão mais dura e imediata e os que pedem integração entre políticas sociais e de segurança.
Na última quinta-feira (30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que reforça o combate ao crime organizado, de autoria do senador Sergio Moro (União-PR). O texto cria dois novos tipos penais: obstrução de ações contra o crime organizado e conspiração para obstrução dessas ações, com penas que podem chegar a 12 anos de prisão. “O governo do Brasil não tolera as organizações criminosas e atua para combatê-las com cada vez mais vigor”, afirmou o petista em publicação nas redes sociais.
A ação, que teve como alvo o Comando Vermelho, resultou na morte de quatro policiais e de 117 suspeitos — e é considerada a mais letal da história fluminense. Segundo a polícia, 42 dos 99 mortos identificados tinham mandados de prisão em aberto.
População dividida
Apesar da violência do confronto, a maioria dos moradores do Rio e das comunidades apoiou a operação. Segundo pesquisa Atlas divulgada na sexta-feira (31), 87,6% dos moradores de favelas do Rio aprovaram a ação. No Brasil inteiro, o apoio chega a 80,9%. Entre aqueles que vivem fora das comunidades, a opinião é mais dividida: 55% dos cariocas são favoráveis e 40,5% contrários.
A pesquisa também mostra que 70% dos cariocas avaliam o nível de criminalidade como “muito alto”, e 83,8% acreditam que a situação está piorando. O medo foi generalizado: quase 80% afirmaram ter sentido insegurança no dia da operação.
No Congresso, visões opostas
O Correio ouviu diferentes parlamentares e as posições vão do endurecimento penal à defesa de políticas sociais integradas. O deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), relator da Comissão de Segurança Pública, defende atacar o coração financeiro das facções. “A melhor estratégia é impedir que o crime alcance lucro. O nosso projeto cria ferramentas penais e processuais para asfixia econômica do crime. [...] O objetivo é tornar a atividade criminosa inviável economicamente. Quando deixar de valer a pena, o criminoso migra para o mercado lícito”, explicou.
Na mesma linha, Efraim Filho (União Brasil-PB) vê falhas na legislação: “A melhor estratégia é aumentar o rigor contra os líderes de facções e sufocar o financiamento do crime organizado, unindo estratégia de repressão mais dura e inteligência policial. O maior problema está na legislação, muitas vezes demasiada branda e na aplicação desvirtuada do Judiciário, como no caso da legalização do porte de drogas por decisão judicial”.
Já a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) defende uma resposta “firme, mas com ações sociais”: “Temos um narcoestado que toca o terror nas comunidades. É preciso retomar os territórios, mas também levar educação, infraestrutura e presença do Estado. A repressão dura deve caminhar com políticas sociais eficientes”.
O relator da PEC da Segurança Pública, deputado Mendonça Filho (União-PE), defendeu que o grande desafio do país não é apenas enfrentar o crime organizado, mas reorganizar o próprio Estado. Segundo ele, “o crime organizado é organizado; o Estado é desorganizado e desarticulado”. O parlamentar afirmou que é preciso fortalecer e integrar as instituições de segurança, eliminando o retrabalho e a sobreposição de funções entre as forças policiais.
Para Mendonça, a falta de coordenação entre os entes federativos e os órgãos de segurança impede ações eficazes e prolonga o cenário de insegurança. “Precisamos coordenar melhor, para que as polícias atuem e tenham a condição efetiva de pôr em prática políticas públicas que levem os marginais à condenação e prisão, e que livrem a sociedade desse caos social que aterroriza a todos”, concluiu.
O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) culpou o governo federal: “O maior problema é a omissão dos governos de esquerda, que desmontaram as forças de segurança e relativizaram o crime. O PT criou uma cultura de impunidade. Precisamos fortalecer as polícias e dar respaldo jurídico aos agentes”.
O deputado Helio Lopes (PL-RJ) foi ainda mais incisivo: “Bandido é bandido. Eles não são vítimas da sociedade como o próprio Lula chegou a afirmar. A crise da segurança piorou depois que o STF restringiu a atuação da polícia nas favelas. Precisamos valorizar os policiais, que saem de casa sem saber se voltam. Estou recolhendo assinaturas para criar uma CPMI do Crime Organizado. Eu falo com propriedade. Nasci e cresci em Queimados, um dos municípios mais violentos do Rio de Janeiro. Perdi três sobrinhos para o tráfico. Eles fizeram escolhas erradas e pagaram um preço alto por isso. O crime não respeita fronteiras”.
No campo oposto, parlamentares da base governista apontam que a segurança pública deve ser política de Estado, com foco em inteligência e coordenação.
Pedro Uczai (PT-SC) criticou o que chamou de “politização da morte”: “É lamentável ver a oposição aplaudindo 100 mortos. Quem morre é o povo pobre da periferia, vítima da desigualdade e das milícias e do crime organizado. Não se pode usar caixões para fazer política. O governo federal respondeu com rapidez e altivez, mandando o ministro e o diretor da PF ao Rio”.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, destacou o papel da valorização policial e da articulação federativa. “A segurança pública precisa de ações articuladas entre as esferas de poder. É o que propõe o governo Lula com a PEC da Segurança Pública: unificar sistemas, preservando autonomia dos estados e usar inteligência.”
O deputado Zé Neto (PT-BA) reforçou a necessidade de integração. “A melhor estratégia é inteligência, conexão entre União, estados e municípios e envolvimento da sociedade. O crime organizado hoje se infiltra em atividades legais, como fintechs e apostas. É preciso enfrentar com leis rigorosas e planejamento. Mas a violência nasce da exclusão social. Então, oportunidade, acolhimento, mais educação, mais escolas públicas de tempo integral, mais cultura, mais ações sociais, nessas periferias é que pode resolver isso.”
Especialistas pedem fim da ideologização
Para Max Telesca, especialista em Direito Penal da Universidade Federal de Pelotas, o debate sobre segurança está contaminado por disputas ideológicas.
“A esquerda vê o crime como reflexo da desigualdade; a direita, como um problema de punição. Essa guerra de visões impede um plano comum. Precisamos desideologizar a segurança pública. Uma operação com 121 mortos jamais pode ser chamada de sucesso, mas também não se pode demonizar a polícia. Segurança deve ser política de Estado, não de governo.”
O advogado Berlinque Cantelmo, especialista em segurança pública da Universidade Federal da Bahia, aponta a burocracia e a fragmentação institucional como entraves:
“As forças de segurança no Brasil atuam sob comandos diferentes, com fluxos lentos e dependentes de autorizações formais. Em crises, isso impede respostas integradas imediatas. A proposta do escritório emergencial é enfrentar exatamente esse problema, centralizando a governança e permitindo que as decisões estratégicas sejam tomadas de forma rápida, integrada e legitimada por todas as esferas envolvidas.”
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