PL DA DOSIMETRIA

PL que reduz penas do 8/1 pode beneficiar condenados por outros crimes

Especialistas explicam o alcance da proposta aprovada na Câmara e apontam quais crimes podem e quais não podem ser beneficiados. Hediondos ficam fora da mudança

8 de janeiro de 2023 - Os ataques às sedes dos Três Poderes renderam vários plantões e cobertura extensa. Os invasores depredaram instalações do Executivo, Legislativo e Judiciário.  -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil )
8 de janeiro de 2023 - Os ataques às sedes dos Três Poderes renderam vários plantões e cobertura extensa. Os invasores depredaram instalações do Executivo, Legislativo e Judiciário. - (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil )

A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (10/12), o projeto que altera o cálculo das penas aplicadas aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro de 2023 e modifica regras gerais da Lei de Execução Penal (LEP). Embora o texto tenha sido desenhado para reduzir punições de réus enquadrados nos dois crimes centrais da tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado, a mudança levantou uma dúvida imediata no sistema de Justiça: as novas regras podem beneficiar outros presos?

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A resposta, segundo especialistas ouvidos pelo Correio, é sim, mas dentro de limites muito claros. Ao mexer na LEP, o Congresso altera parâmetros que passam a valer para todo o sistema prisional. Mas isso não abre brecha para flexibilização de penas de estupradores ou autores de crimes hediondos, que permanecem submetidos ao regime mais rígido previsto em lei.

O que muda para os condenados do 8 de janeiro

O ponto central do projeto é impedir a soma automática das penas aplicadas aos réus quando os crimes de “tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito” e “tentativa de golpe de Estado” forem praticados no mesmo contexto. Nesses casos, passa a valer apenas a punição mais grave. Na prática, a medida reduz o tempo de prisão de um grupo expressivo dos 30 condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por esses dois delitos simultâneos.

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Segundo dados públicos do STF, cerca de 1.200 pessoas já receberam condenações pelos atos golpistas, a maior parte por associação criminosa, dano qualificado e incitação. Desse total, dezenas tiveram penas superiores a 10 anos nos julgamentos do núcleo mais radical. A tendência, avaliam juristas, é que parte significativa desse grupo tenha redução de pena após a sanção da lei.

Quando a mudança alcança outros crimes

Além dos efeitos específicos sobre o caso do 8 de janeiro, o texto altera a fração mínima de progressão de regime para alguns crimes cometidos com violência ou grave ameaça, desde que não sejam hediondos.

A redução é de 25% para 16% da pena no caso de réus primários. Na prática, alguém condenado a 8 anos poderia pedir progressão após cumprir pouco mais de 1 ano e 3 meses, e não mais 2 anos.

Esse ponto levou operadores do Direito a questionarem se a mudança poderia atingir condenados por estupro ou estupro de vulnerável. A resposta é direta: não pode.

“Os crimes de estupro e estupro de vulnerável permanecem classificados como hediondos e seguem submetidos a um regime jurídico muito mais rígido, com frações elevadas para progressão que remontam a 2/5 ou 3/5 da pena, conforme o caso, regras que não foram alteradas pelo projeto”, explica Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais e sócio do RCA Advogados.

Além da proteção mantida pela própria Lei dos Crimes Hediondos, Cantelmo lembra que uma lei recém-sancionada endureceu ainda mais o tratamento dos crimes sexuais contra vulneráveis, aumentando penas, impondo requisitos mais rígidos para progressão e exigindo monitoramento eletrônico em algumas hipóteses.

“Nenhum crime sexual, nenhum crime hediondo e nenhum delito com violência extrema entra no rol de possíveis beneficiados”, reforça.

Além da discussão sobre alcance e constitucionalidade, especialistas afirmam que o texto aprovado pela Câmara produz efeitos penais imediatos caso venha a virar lei. O jurista Max Telesca, especialista em tribunais superiores, explica que duas mudanças se destacam: a redução das penas pela aplicação do concurso formal entre os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado e uma regra de progressão de regime mais branda.

“O ex-presidente continuaria condenado pelos dois crimes, mas receberia apenas a pena cheia do segundo (oito anos e dois meses) acrescida de uma fração do primeiro. No cálculo mais benéfico, isso resultaria em 9 anos e 3 meses”, afirma. Ele lembra que o projeto não mexe nos demais delitos pelos quais Bolsonaro foi condenado, somando mais 12 anos e 7 meses, e que “o cômputo final ainda dependeria do crivo judicial, porque a fração pode chegar até metade, nada é fixo”, aponta Telesca.

Telesca também chama atenção para o caráter casuístico do dispositivo que altera a progressão de regime. Hoje, condenados por crimes contra o Estado Democrático de Direito precisam cumprir ao menos um quarto da pena. Pelo relatório aprovado, bastaria um sexto, mesmo quando há violência ou grave ameaça. “É um contrassenso e fere o princípio da impessoalidade, porque a lei não pode ser feita sob encomenda para indivíduos específicos”, afirma.

O jurista destaca ainda a nova redução de um terço a dois terços para penas aplicadas a crimes cometidos em contexto de multidão, o que, segundo ele, favorece diretamente os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. “Enquanto isso, crimes como corrupção, que não envolvem violência, continuam com progressão em 1/6 para réus primários e 1/5 para reincidentes; e crimes hediondos, como estupro, permanecem exigindo 40% da pena para progressão”, compara.

Quem pode ser beneficiado

A mudança alcança crimes violentos não hediondos, praticados sem qualificadoras extremas, e envolvendo réus primários. Entre os delitos que podem, em tese, ter progressão de regime antecipada, estão:

  • lesão corporal grave ou gravíssima que não se enquadre como violência doméstica;

  • extorsão simples (a modalidade qualificada por sequestro é hedionda);

  • sequestro e cárcere privado em formas simples;

  • constrangimento ilegal praticado com violência;

  • alguns crimes patrimoniais com agressão, desde que não atinjam o patamar de latrocínio ou qualificadoras que os tornem hediondos.

“Embora o projeto possa irradiar efeitos sobre outros crimes violentos não hediondos, a redução é moderada e não altera o regime de crimes mais graves”, afirma Cantelmo.

O Ministério da Justiça não divulgou projeção oficial, mas entidades do sistema penitenciário estimam que alguns milhares de presos primários condenados por crimes violentos não hediondos podem, no médio prazo, se enquadrar na nova fração de progressão. O número exato, porém, depende da sanção presidencial e da regulamentação nas Varas de Execução Penal.

No caso dos réus do 8 de janeiro, dados da Procuradoria-Geral da República indicam que mais de 100 condenados podem ter impacto direto na duração da pena devido à unificação dos crimes contra o Estado Democrático de Direito.

O texto aprovado na Câmara segue agora para o Senado. Caso seja mantido sem alterações, vai à sanção presidencial. Partidos governistas e de oposição já indicaram que pretendem apresentar destaques, o que pode reabrir discussões sobre o alcance das mudanças na execução penal.

Enquanto isso, especialistas reforçam que a nova lei não representa anistia nem flexibilização ampla das penas, tampouco abre portas para beneficiar criminosos sexuais. “Trata-se de um ajuste técnico que retira excessos punitivos do caso do 8 de janeiro e reorganiza frações de progressão para crimes violentos de menor gravidade. O núcleo duro dos crimes hediondos permanece intacto”, resume Cantelmo.

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postado em 11/12/2025 14:25 / atualizado em 11/12/2025 14:37
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