Saúde

Muito além da estatura: conheça as características das displasias esqueléticas

Uma condição que impacta a formação óssea e a qualidade de vida de milhares de pessoas, a acondroplasia foi o tema central de diversas discussões no Congresso Euroamérica de Displasias Esqueléticas

Profissionais renomados na área, famílias e representantes marcaram os três dias de evento  -  (crédito: Reprodução/  Platypus - Bruno Pacheco)
Profissionais renomados na área, famílias e representantes marcaram os três dias de evento - (crédito: Reprodução/ Platypus - Bruno Pacheco)

As displasias esqueléticas, também chamadas de osteocondrodisplasias, são condições genéticas, crônicas, congênitas e permanentes, que se manifestam em razão de uma desorganização celular dos ossos. Com mais de 450 tipos de manifestações, a acondroplasia é o tipo mais comum de nanismo. Devido a uma mutação no receptor do gene FGFR3, o crescimento desproporcional dos ossos desencadeia a baixa estatura e, além disso, outras diversas complicações, mas nada que afete a capacidade intelectual.

Entre limitações físicas e desafios invisíveis, pessoas com nanismo travam uma luta diária. No Brasil, de acordo com o último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, 14,4 milhões de brasileiros com 2 anos ou mais vivem com algum tipo de deficiência, sem dados específicos sobre a acondroplasia.  

Pessoas com a condição podem enfrentar problemas bucais e de respiração, devido às alterações anatômicas da face e da caixa torácica com tamanho reduzido, além de problemas biomecânicos por conta das desproporções dos membros, como hiperlordose, cifose e pernas arqueadas. Dores crônicas e obesidade também são recorrentes.

Realizado pela Associação Nanismo Brasil (Annabra), com patrocínio da biofarmacêutica global BioMarin, o Congresso Euroamérica de Displasias Esqueléticas, que aconteceu na semana passada, no Rio de Janeiro, contou com autoridades e lideranças sociais, médicos e representantes de associações de países da América Latina e da Europa. O evento teve como objetivo principal apresentar projetos e atuações, discutir avanços científicos, condutas terapêuticas e direitos sociais das pessoas com nanismo. 

De acordo com Juan Llerena Jr., clínico geral e geneticista, o mais preocupante é o risco de morte súbita desse grupo que é cinco vezes maior do que na população geral pediátrica. "O pai ou mãe com acondroplasia tem 50% de chance de ter filhos de estatura mediana e os outros 50% de ter filhos com a mesma condição. Mesmo assim, em 80% dos casos, acontece por uma mutação genética na fase germinativa, em que ambos os pais têm estatura média, sobrando apenas 20% para casos com um dos pais acondroplásicos. O aconselhamento genético, nesses casos, é essencial no planejamento reprodutivo", explica.

Advogada e presidente da Annabra, Kenia Rio tem sido uma das principais vozes na articulação política e social em defesa da população com displasias esqueléticas a nível nacional. Sua família está na quarta geração de nanismo, desde seu pai. Segundo ela, a troca de informação, experiência e o intercâmbio entre pessoas de outros estados e países são os principais objetivos em eventos como o do congresso."Muitos nunca tiveram contato com outras pessoas com nanismo. Imagina essas crianças terem essa proximidade e ver que tem outra igual ali. 

Identificação

O diagnóstico precoce das displasias esqueléticas, ainda na infância, tem papel fundamental na qualidade de vida e na redução de complicações a longo prazo. Muitos casos são detectados logo no pré-natal, através de exames de ultrassonografia e testes genéticos, aumentando as chances de um melhor acompanhamento.

Segundo Denise Cavalcanti, médica geneticista, as displasias esqueléticas estão entre as condições mais diagnosticadas no consultório. De acordo com a especialista, poucas são desconfiadas ainda na gestação, com a maioria se manifestando tardiamente, ao final do primeiro e segundo ano de vida. 

"A partir de dados obtidos por cálculos e com base no último censo do IBGE de 2020, em todas as regiões do país, nascem por volta de 117 pessoas com acondroplasia anualmente. Geralmente, o geneticista acaba sendo o último especialista a analisar o quadro, sendo suspeitados a partir das desproporções corporais, são observados materiais radiológicos e dados clínicos para trabalhar com a hipótese diagnóstica", explica.

Representantes das Associações de Displasias Esqueléticas do Comitê Mundial marcaram presença no evento
Representantes das Associações de Displasias Esqueléticas do Comitê Mundial marcaram presença no evento (foto: Reprodução/ Instagram)

Uma das primeiras saídas para a melhora da desproporção corporal e no ganho de estatura foi a cirurgia de alongamento ósseo, em membros superiores e inferiores. As desvantagens desse procedimento são as possíveis complicações e infecções após a cirurgia e o desconforto por um longo tempo com o fixador externo. O uso do hormônio do crescimento (GH) é outra alternativa, mas, por conta do alto custo e de resultados pouco expressivos, não é o método mais indicado para a acondroplasia.

"Na endocrinologia, temos situações em que a criança não produz o hormônio de crescimento e precisamos fazer essa reposição para ela crescer. Em qualquer criança que use o GH, o primeiro ano de tratamento responde muito bem. Contudo, essa resposta não se sustenta ao longo dos outros anos. É uma medicação cara, de injeção diária utilizada até a estatura final", esclarece a endocrinologista Ana Paula Bordalo.

Em 2021, a Vosoritida (Voxzogo) foi aprovada pela Anvisa para o tratamento de acondroplasia, liberado a partir dos 6 meses de vida. Segundo a médica, a resposta e adesão desse tipo de tratamento foi o mais benéfico para os pacientes. Estudos apontam um resultado em torno de 5 a 7 centímetros a mais de estatura em três anos de acompanhamento.

"A nossa preocupação quando a Vosoritida entrou no mercado era que poderia acontecer o que aconteceu com o hormônio do crescimento: o primeiro ano de tratamento ia ter uma resposta muito boa e que essa resposta não iria se manter. Mas não é o que acontece. De três a seis anos de acompanhamento, conseguimos ver que a velocidade de crescimento dessas crianças continua maior do que o grupo que não usou a medicação, tanto nos meninos quanto nas meninas."

Relatos sobre melhoras nas dores, no padrão de sono, respiração, mobilidade, autonomia e autoestima são os mais recorrentes. O tratamento com a Vosoritida não é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), apenas de maneira particular, com via judicial. Cada caso precisa ser avaliado individualmente, respeitando as características clínicas e o potencial de benefício. Seja através da cirurgia, seja do tratamento medicamentoso, a condição exige um acompanhamento multidisciplinar.

Representatividade 

Mario Netto, embaixador do evento, é uma criança de 9 anos com acondroplasia que ganhou notoriedade nas redes sociais. Ao lado de sua mãe, Vanny Netto, acumulam milhares de seguidores nas redes sociais, onde compartilham a rotina da família, atividades e hobbies com leveza e informação. A presença de exemplos como Mario nas redes sociais é uma ferramenta de transformação social e representatividade.

Com apenas três meses de vida, após exames, Mario Netto teve o diagnóstico concreto de acondroplasia
Com apenas três meses de vida, após exames, Mario Netto teve o diagnóstico concreto de acondroplasia (foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal)

Segundo Vanny, o que a motivou a criar conteúdo para a internet foi o poder de informar e propagar sobre a condição do filho. "Eu usei as redes sociais para informar a respeito da acondroplasia. Quando Netto nasceu, não tinham tantas informações como têm hoje. O meu objetivo maior, quando fui para as redes sociais, era informar e conversar com outras mães para termos essa troca", completa. Conviver com uma condição rara como o nanismo exige adaptações constantes, especialmente durante a infância, mas, com o apoio da família, muitas dessas barreiras podem ser enfrentadas com leveza e confiança.

"O maior obstáculo, na verdade, é a dificuldade motora, porque o restante tiramos de letra. Ele tem dificuldade para brincar nos brinquedos na escola, de pegar coisas no mercado e na própria casa. O Netto é uma criança muito comunicativa. E, nas redes sociais, querendo ou não, tem hater, mas o Netinho super se aceita, se ama, sabe quem ele é. Então, como ele se ama do jeito que é, aceita tranquilo e não dá muita bola para as críticas", relata a mãe.

A repórter viajou a convite da BioMarin.

*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira

 

  • Representantes das Associações de Displasias Esqueléticas do Comitê Mundial marcaram presença no evento
    Representantes das Associações de Displasias Esqueléticas do Comitê Mundial marcaram presença no evento Foto: Reprodução/ Instagram
  • Com apenas três meses de vida, após exames, 
Mario Netto teve o diagnóstico concreto de acondroplasia
    Com apenas três meses de vida, após exames, Mario Netto teve o diagnóstico concreto de acondroplasia Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal
  • Google Discover Icon
postado em 27/07/2025 06:00 / atualizado em 27/07/2025 06:00
x