
Em um cenário em que a arte se entrelaça com a identidade, Thomás Aquino ergue a bandeira de suas raízes com orgulho e poesia. Sua fala, cheia de pausas reflexivas e entonações calorosas, revela mais do que uma trajetória profissional: é um compromisso com a transformação social através da representação. No ar como Mário Sérgio no remake de Vale tudo — a primeira novela entre inúmeros trabalhos no streaming, como as séries Os outros (Globoplay), DNA do crime (Netflix), Vidas bandidas (Disney+) e, mais recentemente, Guerreiros do Sol (Globoplay) —, o ator pernambucano conversou com o Correio sobre maturidade e representatividade artísticas.
Thomás fala de projetos que, embora filmados há anos, só agora ganham luz. Como o filme Paterno, com Marco Ricca e direção de Marcelo Lordello, gravado há sete anos, ou Guerreiros do Sol, gravada em 2023, em que protagoniza uma jornada que mergulha no universo dos cangaceiros — não como estereótipo, mas como capítulo essencial da história nordestina. "Isso é parte da nossa cultura", diz, com um sorriso que carrega o peso e a leveza de quem sabe que seu ofício é também missão.
Para ele, a arte é fomentadora de conhecimento — uma ferramenta política e social que provoca diálogos em mesas de bar, salas de cinema e ruas. "As pessoas saem chorando, felizes ou indignadas", observa. "Isso é ouro", defende o artista, que tem como motivação não o aplauso, mas a possibilidade de semear consciência.
O Nordeste, afirma, é muitas vezes reduzido a caricaturas. Mas ele enxerga além: vê uma região produtora de cultura, resistência e talentos escondidos pela falta de oportunidades. "Somos inteligentíssimos, capazes, dignos", declara Aquino.
Trabalhar com o cineasta Kleber Mendonça Filho — com quem tem parceria no premiado Bacurau (2019) e o recente O agende secreto, que já disputa vaga no Oscar — é um privilégio que ele enaltece pela "resistência e qualidade reconhecida internacionalmente". E por falar em internacional, Thomás coloca uma no currículo: a série Men of fire, da Netflix, em que troca com artistas de diversos países e atua em inglês, inclusive encarando improvisos em outra língua. "Quero deixar minha marca pelo mundo", ele sonha, sem esquecer de onde vem.
Aos quase 40 anos — que coincidirão com 20 anos de carreira —, Thomás se sente mais jovem que nunca. "A maturidade traz clareza", reflete. Sua vaidade é saudável: cuida do corpo, da mente, da alegria. E sua dica para os mais jovens é cheia de humanidade: "Sejam focados, mas não se esqueçam de sorrir, de abraçar, de ouvir. A arte é feita de gente para gente."
Aquino gosta de deixar claro que a sua história não é só sobre sucesso, mas sobre representatividade que ressignifica estereótipos, sobre cinema que amplifica vozes silenciadas, e sobre um homem que carrega o Nordeste não como peso, mas como asa. "A arte, quando feita com integridade, não entretém, ela transforma", conclui.
Entrevista/Thomás Aquino
Você está em diversas produções lançadas nos últimos 12 meses, como as segundas temporadas das séries DNA do crime e Os outros, a minissérie Vidas bandidas, as novelas Vale tudo e Guerreiros do Sol e o filme O agente secreto. Como você equilibra tantos lançamentos?
Eu me sinto muito feliz por estar fazendo parte desses projetos. Apesar de ter realizado trabalhos há dois, três ou até sete anos — como o filme Paterno, estrelado por Marco Ricca e dirigido por Marcelo Lordello —, a maioria deles foi lançada este ano. Por isso, sinto-me profundamente honrado em fazer parte dessa trajetória. Isso integra a cultura, a nossa cultura brasileira. A dedicação, o foco e a busca constante por trabalho refletem minha integridade e maturidade crescentes no ofício que abraço com tanto empenho.
Nota-se que sua trajetória é marcada por uma grande variedade de papéis e projetos. O que o motiva a escolher um projeto?
O que me motiva a escolher um projeto é a certeza de que toda arte fomenta conhecimento. Ela provoca diálogo e discussão. Toda construção artística carrega um potente cunho político-social. Representar personagens que nos permitem refletir sobre a realidade é transformador — para mim e, acredito, para o público. As pessoas saem das salas chorando, felizes ou indignadas. Isso, para mim, é o mais valioso que a cultura pode oferecer. Motiva-me saber que estou construindo e lançando no mundo algo com potência de transformação política e social. Sou muito feliz como artista pela variedade de papéis e projetos que recebo, todos cheios de desafios — o que adoro. Representar personagens fictícios ou reais, que geram conversas em mesas de bar ou em qualquer lugar, nos torna coletivamente mais conscientes. Essa é a verdadeira razão pela qual escolhi esta profissão.
Guerreiros do Sol é uma produção potente que retrata de forma muito visceral o Nordeste brasileiro. Qual a importância dessa obra para a cultura brasileira?
A importância de uma obra como esta está em mergulharmos ainda mais fundo no Nordeste. Uma obra como Guerreiros do Sol, que certamente marcará a história do Brasil, ao retratar o sertão e o Nordeste, é motivo de enorme orgulho. Socialmente, o Nordeste ainda é muito questionado,
mas é um pilar fundamental na construção desta nação — seu povo, seus artistas, seus trabalhadores. Ainda somos subestimados, e por isso acredito que obras como esta revelam a força real do Nordeste. Cada vez que represento algo ligado à minha origem, sinto orgulho de retratar uma história que vai além de estereótipos, mostrando que o Nordeste é cultural e humanamente igual a qualquer outro lugar do mundo. Temos força artística e social — e isso é poderoso.
O artista negro e nordestino está tendo maiores e melhores oportunidades no audiovisual. Como enxerga esse momento?
A estrada é longa, mas finalmente estamos conquistando representatividade. É essencial reconhecer que existiam padrões de preconceito enraizados, que não cabem mais no século 21. O racismo, por exemplo, foi estruturalmente construído para submeter a população negra — o que é completamente inaceitável. Todos somos igualmente capazes e importantes. Nós, nordestinos, ainda sofremos com a xenofobia e o preconceito de que seríamos menos instruídos. Mas somos inteligentíssimos, estudados, dignos e orgulhosos. Poder mostrar isso através da arte, com toda essa representatividade, é maravilhoso. Muitos talentos artísticos permanecem "escondidos" por falta de oportunidade. Que bom que essa bandeira começa a ser levantada, e que estamos caminhando para um cenário mais igualitário. Vejo este momento como um começo — cheio de luta, mas também de visibilidade. Que bom ver mais protagonistas negros e nordestinos em cena. Isso me deixa muito feliz.
Você ganhou destaque no cinema com Tatuagem (de Hilton Lacerda) e Bacurau e agora está em O agente secreto. Como é trabalhar com o diretor Kleber Mendonça Filho novamente e como se sente por estar em produções pernambucanas de destaque?
Tenho orgulho de integrar essa produção pernambucana, que é sinônimo de resistência e qualidade reconhecida internacionalmente.
Você está no elenco da série Man on fire, da Netflix. Como foi a experiência de atuar em uma produção internacional?
Fazer um papel em outro idioma foi desafiador e instigante. Exige atenção redobrada, estudo de vocabulário e até improviso em inglês. O mais rico, porém, foi trocar com artistas internacionais, observar como trabalham, como pensam o cinema e a construção de personagem. Essa experiência me abriu portas e me deixou ainda mais determinado a conquistar espaço no mundo — seja no Chile, Argentina, França, Itália ou Estados Unidos. Quero deixar minha marca.
Vale tudo é o seu primeiro trabalho originalmente feito para a tevê e uma produção muito visibilizada. Você sente que, agora, o público brasileiro passou a lhe reconhecer melhor? Como tem sido sua relação com o público?
Vale tudo tem sido muito especial. Meu personagem tornou-se mais complexo nesta versão. O público tem me reconhecido mais — já havia certo reconhecimento por trabalhos no cinema, como DNA do crime, Vidas bandidas e Bacurau, mas a televisão amplifica muito isso. Ouvir as pessoas comentando personagens que construí — como Ivaldo, de Manhã de setembro — me motiva ainda mais. Saber que meu trabalho é visto, valorizado e gera discussão é a cereja do bolo.
Você tem uma grande presença nas plataformas de streaming. Como vê o futuro da indústria do entretenimento em relação ao streaming?
Os streamings são muito importantes. Tornam visíveis produções locais de todo o mundo e geram oportunidades. No entanto, não substituem o cinema. A experiência cinematográfica é um ritual único, gera um tipo diferente de renda e valoriza o trabalho de uma enorme equipe que merece ser reconhecida. O streaming complementa, mas não substitui.
Ano que vem você completa 40 anos. Como está o Thomás em relação a essa virada? Você é um homem vaidoso?
Sinto-me cada vez mais maduro. Com o tempo, ganhamos clareza, e isso, paradoxalmente, nos rejuvenesce. Tenho vaidade, mas saudável: cuido da saúde, faço academia, medito, leio. Quero envelhecer com vitalidade. Completarei 40 anos em breve, e serão também 20 anos de carreira. É um marco simbólico e feliz.
Diversão e Arte
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