
O bruxismo, antes considerado apenas um hábito noturno, tornou-se um dos distúrbios mais frequentes nos consultórios odontológicos. O problema, caracterizado por apertar, ranger ou encostar os dentes de forma involuntária, tem afetado cada vez mais adultos, especialmente em um cenário de rotina acelerada e aumento significativo do estresse diário. Além de causar desconforto imediato, o distúrbio pode trazer consequências progressivas quando não diagnosticado precocemente.
Para a cirurgiã-dentista Winnie Alves, compreender o funcionamento do bruxismo é fundamental para reconhecer os sinais iniciais. “O bruxismo é um comportamento muscular involuntário que pode ocorrer tanto durante a vigília quanto no sono, e muitas vezes só é percebido quando a dor aparece”, explica. Segundo ela, tensão ao acordar, sensibilidade e desgaste nos dentes estão entre os indícios mais comuns relatados pelos pacientes.
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A cirurgiã-dentista Bruna Conde destaca que o aumento dos casos não ocorre por acaso. Com a sobrecarga emocional, o excesso de estímulos e as longas horas de concentração, especialmente diante das telas, os gatilhos se tornam mais frequentes. “O estresse contínuo favorece o bruxismo de vigília, enquanto no sono, observamos um distúrbio neurológico que acontece de forma totalmente involuntária”, afirma. Ela lembra que quem divide o quarto com o paciente costuma ser o primeiro a notar o ranger noturno.
As especialistas alertam que o corpo dá sinais antes que o desconforto se instale. Desgaste incomum, fraturas de restaurações, estalos na articulação, dor ao mastigar e sensação de mandíbula travada são pistas importantes observadas no exame clínico. Pequenas trincas no esmalte, aumento dos músculos da mandíbula e dor de cabeça matinal também reforçam a suspeita de bruxismo. Quanto mais cedo ocorre a identificação, menores são os danos acumulados ao longo do tempo.
Diagnóstico
O diagnóstico exige uma avaliação minuciosa e, em alguns casos, exames complementares. Quando há suspeita de bruxismo do sono associado a distúrbios respiratórios, a polissonografia é indicada para analisar os movimentos mandibulares durante a noite. Em quadros mais complexos, tomografia e ressonância da Articulação Temporomandibular (ATM) ajudam a identificar inflamações, travamentos, limitações funcionais e alterações estruturais que podem agravar o quadro.
Impacto
Sem acompanhamento adequado, o bruxismo pode trazer impactos significativos: desgaste severo dos dentes, retração gengival, fraturas, dor crônica na musculatura e comprometimento da articulação temporomandibular.
Tratamento
O tratamento é sempre personalizado e pode envolver placas oclusais, fisioterapia, ajustes comportamentais, manejo do estresse e, quando necessário, apoio psicológico. A evolução depende, principalmente, da adesão do paciente, como reforça a cirurgiã-dentista Bruna Conde: “Quando ele entende o que está acontecendo, torna-se um aliado do tratamento, e os resultados aparecem mais rápido”.
Dados gerais
Uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que cerca de 30% da população mundial é acometida por bruxismo. No Brasil esse número é ainda maior, pode chegar a 40%.
Sintomas Comuns
Dores na face e mandíbula ao acordar
Dores de cabeça frequentes
Desgaste, fraturas ou sensibilidade nos dentes
Estalos na articulação da mandíbula
Fatores de Risco
Estresse, ansiedade, tensão emocional
Problemas de oclusão ou dentição
Fatores hereditários (pais com bruxismo)
Outros distúrbios do sono, roer unhas (onicofagia)
Tratamento
Uso de placas de mordida (placas de bruxismo) para proteger os dentes
Redução do estresse por meio de atividades físicas, lazer e terapia
Acompanhamento odontológico e, se necessário, com outros profissionais (psicólogos, fisioterapeutas)
Consequências
Saúde Bucal
Desgaste excessivo: perda de esmalte, expondo a dentina, causando sensibilidade e fragilizando os dentes
Danos estruturais: dentes fracos, lascados, moles, ou perda de restaurações, implantes e coroas
Gengiva: Retração gengival, expondo a raiz do dente
Articulação Temporomandibular (ATM)
Dor crônica: dor na mandíbula, ouvidos e face
Disfunção: estalos, cliques, travamento e dificuldade para mastigar
Dor e Sono
Dores de cabeça: cefaleias tensionais, especialmente pela manhã, na testa e têmporas
Má qualidade do sono: interrupções e sono não reparador, resultando em fadiga diurna
Estética: comprometimento da aparência do sorriso devido ao desgaste dos dentes
Tratamento de longo prazo (essencial para a prevenção)
Placas oclusais (Miorrelaxantes): protegem os dentes, aliviam a tensão muscular e distribuem as forças
Fisioterapia: fortalece e relaxa os músculos da mandíbula, corrigindo a postura
Medicações: analgésicos, anti-inflamatórios ou relaxantes musculares, conforme indicação
Toxina Botulínica (botox): reduz a hiperatividade dos músculos em casos severos, mas necessita de mais estudos sobre os efeitos a longo prazo
Mudanças de hábito: gerenciamento do estresse e da ansiedade (causas comuns do bruxismo diurno)
Palavra do especialista
Quais são, hoje, as teorias mais aceitas sobre os mecanismos neurofisiológicos do bruxismo do sono? Como diferenciar de outros distúrbios motores noturnos?
Hoje entendemos que o bruxismo é um evento motor do sistema nervoso central, podendo ser apenas um hábito parafuncional ou um fenômeno patológico, com dor, desgaste e impacto articular. Ele pode estar associado a microdespertares, apneia e até a mecanismos de defesa do corpo durante o sono. O diagnóstico diferencial é essencial para definir se o tratamento exige placa, botox, terapias comportamentais ou até ajustes de higiene do sono.
Em que momento o bruxismo deixa de ser apenas um comportamento parafuncional e passa a ser um problema clínico? Como isso interfere no tratamento?
Independentemente do fator desencadeante, o bruxismo nunca deve ser observado isoladamente. Avaliamos apneia, ansiedade, uso de medicamentos e hábitos do paciente. Em muitos casos, um dispositivo de avanço mandibular é mais indicado do que uma placa convencional. Já sabemos, por exemplo, que o bruxismo pode funcionar como mecanismo de defesa em casos de apneia. Por isso, a avaliação interdisciplinar é indispensável.
Como conduzir casos associados a comorbidades como apneia, ansiedade ou consumo de certos medicamentos? Há protocolos específicos?
Hoje, o bruxismo é visto como multifatorial. É preciso analisar medicações, distúrbios de sono, saúde mental e fatores comportamentais — inclusive em crianças, muito afetadas por excesso de telas e estímulos. Nem todo paciente precisa de placa de bruxismo; alguns necessitam de uma placa do sono para melhorar a passagem de ar. Por isso investigamos tudo: do perfil emocional às condições neurológicas e respiratórias. Só assim conseguimos um plano terapêutico completo.
Heloísa Crisóstomo é dentista e especialista em bruxismo
*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

Revista do Correio
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