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Podcast do Correio: o drama das gestantes sob o olhar de uma médica

A médica obstetra Lucila Nagata, referência em atendimento de alta complexidade no HMIB, detalha desafios estruturais, sociais e humanos enfrentados pelas gestantes

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Roberto Fonseca
10/08/2025 08:06 - Atualizado em 12/08/2025 14:52
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O Brasil enfrenta um cenário alarmante na assistência obstétrica: mais da metade dos municípios do país não têm uma maternidade, contrariando as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, a OMS. Esse "apagão de maternidades" força milhares de gestantes a uma verdadeira peregrinação em busca de atendimento, com riscos e impactos sociais profundos.

Ao Podcast do Correio, a médica obstetra Lucila Nagata, referência em atendimento de alta complexidade no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), detalhou o problema aos jornalistas Roberto Fonseca e Aline Gouveia. O episódio mergulha nos desafios estruturais, sociais e humanos enfrentados pelas gestantes, especialmente diante do cenário que especialistas vêm chamando de "apagão das maternidades".

A situação no Distrito Federal, por exemplo, é delicada: um a cada quatro partos realizados na rede pública é de pacientes de outras unidades da Federação, como Goiás, Minas Gerais e Bahia. A percepção de que a rede do DF é tecnicamente melhor estruturada atrai gestantes de risco e mulheres que desejam ter filhos em regiões com melhores serviços de saúde.

Lucila Nagata, médica obstetra: "No Hmib (Hospital Materno-Infantil de Brasília), onde eu trabalhei mais de 20 anos, é muito comum chegarem várias vans em determinadas dias da semana, com várias pacientes para fazer atendimento pré-natal de alto risco. Faz parte da rotina do hospital"
Lucila Nagata, médica obstetra: "No Hmib (Hospital Materno-Infantil de Brasília), onde eu trabalhei mais de 20 anos, é muito comum chegarem várias vans em determinadas dias da semana, com várias pacientes para fazer atendimento pré-natal de alto risco. Faz parte da rotina do hospital" (foto: Benjamin Figueiredo/CB/D.A.Press)

No entanto, essa demanda não vem acompanhada de planejamento intermunicipal. Na prática, prefeituras de cidades menores preferem investir em transporte, como vans, ônibus ou UTIs móveis, a construir maternidades. Pior: em muitos casos, os hospitais de destino sequer são informados da chegada das pacientes, o que compromete a logística e coloca vidas em risco. "No Hmib (Hospital Materno-Infantil de Brasília), onde eu trabalhei mais de 20 anos, é muito comum chegarem várias vans em determinadas dias da semana, com várias pacientes para fazer atendimento pré-natal de alto risco. Faz parte da rotina do hospital", recorda Lucila, médica aposentada que hoje atua como voluntária.

Lucila Nagata, durante o Podcast do Correio, com os jornalistas Roberto Fonseca e Aline Gouveia
Lucila Nagata, durante o Podcast do Correio, com os jornalistas Roberto Fonseca e Aline Gouveia (foto: Benjamin Figueiredo/CB/D.A.Press)

O deslocamento, além de desgastante, no entanto, pode ser perigoso. Gestantes com hemorragias, contrações ou emergências obstétricas acabam em viagens de cinco a oito horas que, em vez de ajudar, colocam mãe e bebê em risco. Há registros de partos no meio da estrada, sem assistência adequada.

Mas os impactos vão além do físico: o distanciamento prolongado da família, os custos com estadia e alimentação em outra cidade e a possibilidade de o pai precisar largar o emprego para cuidar de outros filhos geram um abalo social profundo, como ressaltado pela obstetra Lucila Nagata.

Apesar de iniciativas federais como a Rede Cegonha e a recém-lançada Rede Alyne, que promete reduzir a mortalidade materna em 25% até 2027, a realidade ainda esbarra na falta de estrutura. Profissionais desmotivados por salários baixos e jornadas excessivas comprometem o atendimento humanizado, um dos pilares das políticas atuais.

Segundo Lucila Nagata, falta formação humanista e incentivo à dedicação exclusiva. Muitos profissionais da rede pública atuam em múltiplos empregos, o que limita a atualização, a empatia e o tempo para cuidar com qualidade.

O que pode ser feito

Lucila Nagata destaca uma série de soluções possíveis para enfrentar o "apagão das maternidades":

  • Pré-natal eficiente e diagnóstico precoce de riscos para planejar deslocamentos;
  • Casas de apoio para gestantes de alto risco ficarem próximas de centros especializados;
  • Treinamento de parteiras e agentes de saúde, especialmente em regiões remotas;
  • Educação das gestantes, com melhor comunicação médica e cursos preparatórios;
  • Integração entre municípios e estados, para evitar o envio desorganizado de pacientes.

Expediente

Diretora de Redação

Ana Dubeux

Editora do CB On-Line

Mariana Niederauer

Projeto e produção

Edição: Roberto Fonseca
Reportagem: Jaqueline Fonseca, Aline Gouveia, Raphaela Peixoto e Roberto Fonseca
Edição de vídeos: Benjamin Figueiredo e Pedro Mesquita
Tecnologia: Guilherme Dantas e Kelly Venâncio


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