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Caso Alyne: Brasil é o primeiro país condenado por morte materna evitável

História de jovem negra se tornou um símbolo e inspirou a criação, no ano passado, da Rede Alyne pelo Ministério da Saúde

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10/08/2025 08:09 - Atualizado em 12/08/2025 14:53
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O Brasil é o primeiro país condenado por morte materna evitável. O caso em questão remonta a 2002, quando Alyne da Silva Pimentel Teixeira, uma jovem negra de 28 anos, mãe de uma criança de 5 anos e grávida de seis meses, teve a vida interrompida por negligência médica.

Em 11 de novembro de 2002, Alyne buscou atendimento em uma unidade de saúde de Belford Roxo (RJ) após se sentir mal. Na época, ela recebeu apenas um remédio e foi mandada de volta para casa.  Entretanto, dias depois, Alyne retornou à unidade de saúde e descobriu que o bebê havia morrido. Após mais de sete horas de espera, o parto foi induzido para retirada do feto do útero. A jovem continuou a passar mal e ainda teve que esperar mais tempo por uma cirurgia de curetagem. 

Como se não bastasse o descaso, a família foi inicialmente impedida de visitá-la. Quando finalmente conseguiram vê-la, o estado de saúde da jovem já havia se agravado. Alyne foi submetida a uma espera de 8 horas até a transferência para o Hospital Geral de Nova Iguaçu, pois não havia ambulâncias disponíveis. Em 16 de novembro de 2022, cinco dias após procurar assistência médica, Alyne Pimentel morreu. A autópsia determinou hemorragia digestiva como causa da morte. 

Alyne da Silva Pimentel Teixeira, uma jovem negra de 28 anos, mãe de uma criança de 5 anos e grávida de seis meses, teve a vida interrompida por negligência médica
Alyne da Silva Pimentel Teixeira, uma jovem negra de 28 anos, mãe de uma criança de 5 anos e grávida de seis meses, teve a vida interrompida por negligência médica (foto: Reprodução/Centro Brasileiro de Estudos da Saúde)

Cinco anos depois, em novembro de 2007, a família de Alyne entrou com uma ação no Comitê pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres da Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2011, o comitê condenou o Brasil por não prestar atendimento adequado desde o surgimento das complicações e determinou indenização para a família. A mãe de Alyne foi indenizada em R$ 131 mil e a filha em R$ 150 mil, além de pensão mensal até a maioridade.

O caso da jovem se tornou um símbolo e inspirou a criação, no ano passado, da Rede Alyne pelo Ministério da Saúde, que é uma estratégia de reestruturação da antiga Rede Cegonha, e tem o objetivo de reduzir a mortalidade materna em 25%. Além da expansão das ações voltadas para saúde materno infantil, com investimento de R$ 400 milhões no ano passado e R$ 1 bilhão neste ano, o novo programa busca diminuir a mortalidade materna de mulheres negras em 50% até 2027.

“A estratégia prevê ampliação do acesso ao pré-natal, construção de maternidades, novos exames, incentivo ao aleitamento materno e humanização do parto, promovendo os direitos reprodutivos e o cuidado integral às gestantes”, informa o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.

Ao Correio, o Ministério da Saúde destaca que a saúde materna e infantil é prioridade do governo para reverter os indicadores de mortalidade materna que registraram aumento durante a pandemia. E a Rede Alyne tem um papel fundamental nesse objetivo, pois prevê ações que envolvem o combate ao racismo; a expansão do telemonitoramento do pré-natal de alto risco; o fortalecimento da Rede de Bancos de Leite Humano, as estratégias para o cuidado obstétrico e neonatal em casos de emergências, com cofinanciamento de serviços de transporte e regulação; os cursos para qualificação de profissionais e a expansão do Método Canguru,  abordagem essencial para atenção a bebês prematuros.

Outra iniciativa da Rede Alyne é a reestruturação dos serviços de urgência e emergência. O Ministério da Saúde implementa custeio mensal de R$ 50,5 mil para ambulâncias destinadas à transferência das grávidas e recém-nascidos em casos graves, com equipes especializadas em atendimento materno e infantil, contando com cobertura 24 horas, 7 dias da semana no Complexo Regulatório do Sistema Único de Saúde. O intuito é contribuir para a diminuição dos atrasos de deslocamento em momentos críticos.

Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), a Razão de Mortalidade Materna (RMM) em 2023 foi de 55,3 óbitos por 100 mil nascidos vivos, o menor patamar da série histórica. Em 2013, a RMM foi de 62,1. A Taxa de Mortalidade Neonatal (TMN), por sua vez, foi de 8,7 óbitos por mil nascidos vivos em 2022, contra 9,4 em 2015.

Esses avanços se alinham ao compromisso assumido pelo Brasil com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos até 2030. Os países têm o objetivo de reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos 12 por mil nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos 25 por mil nascidos vivos.

Camila Gasparro, coordenadora de Enfrentamento à Mortalidade Materna do Ministério da Saúde, disse que a pasta tem trabalhado não só para reduzir, mas, principalmente, para acelerar a redução da mortalidade materna por causas evitáveis no Brasil. "A Rede Alyne é a principal estratégia para reorganizar a rede de serviços materno-infantis do país, com o objetivo de acelerar essa redução. O grande diferencial é o investimento em ações que vão impactar populações em maior situação de vulnerabilidade, principalmente as mulheres pretas e as mulheres indígenas, que são as que mais morrem hoje no Brasil. Com maior apoio aos estados e municípios, será possível acelerarmos essa redução", destacou.

 

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Reportagem: Jaqueline Fonseca, Aline Gouveia, Raphaela Peixoto e Roberto Fonseca
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