CAMINHOS DO NASCIMENTO

Do Entorno a Brasília: o vaivém de mães em busca de partos seguros

No último ano, dos 31.553 partos realizados no Distrito Federal, 9.410 foram de mulheres de Goiás, o que representa 29,82%

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Aline Gouveia
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Jaqueline Fonseca
10/08/2025 08:01 - Atualizado em 12/08/2025 14:52
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A rede pública de saúde do Distrito Federal é referência além das fronteiras da capital. Milhares de pacientes vindos de outras cidades, principalmente dos municípios goianos do Entorno, chegam ao DF em busca de atendimento, especialmente para um dos momentos mais delicados da vida: o nascimento de um filho.

Em 2024, o DF registrou 238.733 internações hospitalares. Desse total, 46.628 (ou 19,53%) foram de moradores de Goiás. As cidades mais atendidas são Valparaíso, Águas Lindas e Luziânia — parte da Região Metropolitana do Entorno, que inclui 11 municípios.

Além disso, no último ano, dos 31.553 partos realizados no DF, 9.410 foram de mulheres de Goiás, o que representa 29,82%. A explicação para isso passa por muitos fatores. Não é uma mera questão de escolha, visto que muitas cidades do Entorno ainda enfrentam a falta ou a insuficiência de estruturas hospitalares para o parto.

Segundo a Secretaria de Saúde de Goiás, das 11 cidades do Entorno, apenas seis contam com maternidades públicas pelo SUS. Três delas são da rede estadual: os hospitais estaduais de Águas Lindas, Formosa e Luziânia. As outras três são municipais: Cocalzinho, Cristalina e Santo Antônio do Descoberto.

Esse cenário gera desafios para a capital do país. A região centro-sul do DF (que abrange Candangolândia, Cidade Estrutural, Guará, Park Way, Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo I, Riacho Fundo II, Setor de Indústria e Abastecimento e Setor Complementar de Indústria e Abastecimento) não conta com maternidade. Isso obriga as gestantes a buscar atendimento em hospitais de outras regiões, como o Materno Infantil (HMIB) ou o Regional da Asa Norte (HRAN).

No Distrito Federal, a rede de atenção à saúde está estruturada em 7 regiões de Saúde, que estão organizadas em 3 macrorregiões: Macrorregião 1 (Regiões Oeste e Sudoeste), Macrorregião 2 (Regiões Central, Centro-sul e Sul) e Macrorregião 3 (Regiões Norte e Leste)
No Distrito Federal, a rede de atenção à saúde está estruturada em 7 regiões de Saúde, que estão organizadas em 3 macrorregiões: Macrorregião 1 (Regiões Oeste e Sudoeste), Macrorregião 2 (Regiões Central, Centro-sul e Sul) e Macrorregião 3 (Regiões Norte e Leste) (foto: Divulgação/Secretaria de Saúde do DF)

A pressão é ainda maior nos hospitais do Gama e Santa Maria, que recebem grande parte da população da Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (RIDE), o que pode comprometer a qualidade do atendimento. Segundo o documento Planejamento Regional Integrado 2024-2027, elaborado pela Secretaria de Saúde do DF, o fluxo intenso dificulta a articulação entre os cuidados do pré-natal e a assistência hospitalar, considerada essencial para um parto seguro.

A história da vendedora Jovana Danielly, moradora de Águas Lindas de Goiás, ilustra esse cenário. Em 2021, ela realizou todo o pré-natal no município onde mora, localizado a cerca de 50km de Brasília. A orientação médica era que o parto fosse realizado no Hospital Universitário de Brasília (HUB). Em 7 de julho daquele ano, ao sentir desconfortos que acreditava ser indicativo de trabalho de parto, Danielly buscou ajuda na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade e foi orientada a voltar para casa.

Jovana Danielly com a filha, Isadora
Jovana Danielly com a filha, Isadora (foto: Arquivo pessoal)

As dores aumentaram ao longo do dia, e ela decidiu tentar chegar ao Hospital de Ceilândia, mais próximo do que o HUB. Mas a bolsa rompeu no meio do caminho, já no trecho da BR-070, próximo à barragem do Rio Descoberto. Já era fim de tarde, horário de trânsito intenso. Então, a família decidiu parar na unidade operacional da Polícia Rodoviária Federal a fim de pedir ajuda. Foi ali que a pequena Isadora nasceu, com o auxílio do policial Alessandro Castro. “Foi tudo muito rápido. Ele me acalmou, me passou muita segurança”, lembra Danielly. Hoje, Isadora, 4 anos, mantém um carinho especial por aquele que a ajudou a vir ao mundo.

Isadora nasceu com a ajuda do policial Alessandro Castro
Isadora nasceu com a ajuda do policial Alessandro Castro (foto: Arquivo pessoal)

Casos como o de Danielly não são exceção. Segundo a professora Carla Pintas Marques, do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB), está pactuado entre o Distrito Federal e os municípios do Entorno para que os partos, especialmente os de alto risco, sejam feitos em Brasília. “Essas gestantes precisam de cuidados especializados, e o transporte até o DF é responsabilidade do município de origem”, explica.

A especialista destaca que, embora o pré-natal seja feito nas unidades básicas de saúde locais, muitas cidades do Entorno não têm estrutura para manter maternidades adequadas. "Mas as unidades de parto de risco habitual — que é o novo nome do antigo ‘baixo risco’ —, essas, sim, poderiam funcionar nos próprios municípios”, cita. Se isso fosse colocado em prática, Brasília poderia atender especificamente os casos de alto risco, pois a capital têm melhores condições de dar esse suporte. “Muitas dessas consultas de alto risco são feitas aqui em Brasília, nos hospitais especializados", pontua.

Silvia Badim Marques, professora do Departamento de Saúde Coletiva da UnB, ressalta que as maternidades devem ser ampliadas. "Precisamos ter mais profissionais e mais leitos. O Hospital Regional de Ceilândia, por exemplo, atende uma população muito grande. Já tivemos iniciativas como a criação de uma casa de parto naquela região, que tem muita demanda inclusive do Entorno", cita.

"Acredito muito que a solução passa justamente pelo aprimoramento dos acordos entre Goiás o Distrito Federal, para que possamos melhorar as políticas públicas, inclusive no que diz respeito ao deslocamento e à oferta de transporte adequado. Também é fundamental estabelecer um sistema eficiente de referência e contrarreferência nessas regiões, para que as gestantes não sofram com os impactos desse deslocamento", acrescenta Silvia.

União de forças

A Secretaria de Saúde do DF afirma que reconhece a importância da pactuação entre o DF e os municípios da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (RIDE), especialmente na assistência obstétrica de alto risco. Para organizar o fluxo e reduzir a peregrinação das gestantes, foi publicada, em dezembro de 2018, a Portaria nº 1.321, que estabelece a vinculação das gestantes às maternidades de referência, tanto no DF quanto nos municípios da RIDE. A medida visa garantir o acesso, reduzir a sobrecarga em unidades específicas e, sobretudo, contribuir para a redução da mortalidade materna.

"Para unirmos força, é fundamental que tenhamos diálogo com os outros secretários e com o Ministério da Saúde. O caminho é o diálogo. A meta é definir responsabilidades entre as partes, encontrando assim soluções perenes para o atendimento da população do DF e dos municípios vizinhos", reforça o secretário de Saúde do DF, Juracy Lacerda.

Já o secretário de Saúde de Goiás, Rasivel Santos, frisou que a meta do governo é regionalizar e qualificar a assistência materno-infantil em todo o estado, incluindo, prioritariamente, regiões como o Entorno.  "Além dos três hospitais estaduais implantados no Entorno do DF, a partir de 2021, temos também a Policlínica de Formosa, com suporte ambulatorial à saúde da mulher. Todas as unidades são referências regionais na assistência", diz ao Correio.

Ainda segundo o secretário, Goiás está implementando a Rede Nascer, política de atenção integral à saúde materno-infantil a ser lançada em setembro, que prevê o reforço no pré-natal, com incremento na carteira de exames, contrapartida estadual para o custeio de serviços de assistência ao parto de risco habitual e alto risco, plataforma para o cadastro e acompanhamento das gestantes, call center de apoio e acompanhamento da gestante.

Rasivel frisou que a pasta atua com os municípios do Entorno, em parceria com o Conselho de Secretários Municipais de Saúde, na estruturação da Rede Nascer. "Muitos deles já têm investido na ampliação do serviço, como Novo Gama e Águas Lindas, com construção de um Centro de Parto e Maternidade, respectivamente. Dessa forma, estado e municípios têm trabalhado para uma melhor organização da atenção materno-infantil em Goiás", destaca.

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