O Brasil enfrenta um cenário alarmante na assistência obstétrica: mais da metade dos municípios do país não têm uma maternidade, contrariando as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, a OMS. Esse "apagão de maternidades" força milhares de gestantes a uma verdadeira peregrinação em busca de atendimento, com riscos e impactos sociais profundos.
Ao Podcast do Correio, a médica obstetra Lucila Nagata, referência em atendimento de alta complexidade no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), detalhou o problema aos jornalistas Roberto Fonseca e Aline Gouveia. O episódio mergulha nos desafios estruturais, sociais e humanos enfrentados pelas gestantes, especialmente diante do cenário que especialistas vêm chamando de "apagão das maternidades".
A situação no Distrito Federal, por exemplo, é delicada: um a cada quatro partos realizados na rede pública é de pacientes de outras unidades da Federação, como Goiás, Minas Gerais e Bahia. A percepção de que a rede do DF é tecnicamente melhor estruturada atrai gestantes de risco e mulheres que desejam ter filhos em regiões com melhores serviços de saúde.
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No entanto, essa demanda não vem acompanhada de planejamento intermunicipal. Na prática, prefeituras de cidades menores preferem investir em transporte, como vans, ônibus ou UTIs móveis, a construir maternidades. Pior: em muitos casos, os hospitais de destino sequer são informados da chegada das pacientes, o que compromete a logística e coloca vidas em risco. "No Hmib (Hospital Materno-Infantil de Brasília), onde eu trabalhei mais de 20 anos, é muito comum chegarem várias vans em determinadas dias da semana, com várias pacientes para fazer atendimento pré-natal de alto risco. Faz parte da rotina do hospital", recorda Lucila, médica aposentada que hoje atua como voluntária.
O deslocamento, além de desgastante, no entanto, pode ser perigoso. Gestantes com hemorragias, contrações ou emergências obstétricas acabam em viagens de cinco a oito horas que, em vez de ajudar, colocam mãe e bebê em risco. Há registros de partos no meio da estrada, sem assistência adequada.
Mas os impactos vão além do físico: o distanciamento prolongado da família, os custos com estadia e alimentação em outra cidade e a possibilidade de o pai precisar largar o emprego para cuidar de outros filhos geram um abalo social profundo, como ressaltado pela obstetra Lucila Nagata.
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Apesar de iniciativas federais como a Rede Cegonha e a recém-lançada Rede Alyne, que promete reduzir a mortalidade materna em 25% até 2027, a realidade ainda esbarra na falta de estrutura. Profissionais desmotivados por salários baixos e jornadas excessivas comprometem o atendimento humanizado, um dos pilares das políticas atuais.
Segundo Lucila Nagata, falta formação humanista e incentivo à dedicação exclusiva. Muitos profissionais da rede pública atuam em múltiplos empregos, o que limita a atualização, a empatia e o tempo para cuidar com qualidade.
https://www.correiobraziliense.com.br/webstories/2025/08/7219876-a-ilha-onde-e-proibido-nascer.html
O que pode ser feito
Lucila Nagata destaca uma série de soluções possíveis para enfrentar o "apagão das maternidades":
- Pré-natal eficiente e diagnóstico precoce de riscos para planejar deslocamentos;
- Casas de apoio para gestantes de alto risco ficarem próximas de centros especializados;
- Treinamento de parteiras e agentes de saúde, especialmente em regiões remotas;
- Educação das gestantes, com melhor comunicação médica e cursos preparatórios;
- Integração entre municípios e estados, para evitar o envio desorganizado de pacientes.
