Em 17 de novembro, a Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (VMADUFDF/TJDFT) emitiu sentença contra o Condomínio Rural Residencial RK, em Sobradinho. Além de multa de mais de R$ 22 milhões que foi prevista em 2005 e deverá ser paga com juros e correções, a decisão ordena a demolição de todas as construções no local.
A sentença diz respeito a uma ação civil pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) contra o condomínio, localizado no Núcleo Rural de Sobradinho, e contra o Distrito Federal. Na ACP, o Ministério Público questionou “o parcelamento ilegal do solo para fins de edificação urbana (...) dentro da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bartolomeu”.
De acordo com a ação, entre outros argumentos, a Lei nº 6.766/79 “estabelece uma série de requisitos urbanísticos e ambientais para a constituição de loteamento”, e “nenhuma dessas providências foram adotadas em relação ao Condomínio Residencial Rural RK, que foi implantado sem a observação de quaisquer normas”.
Além disso, segundo o MPDFT, o estabelecimento está “situado em terras públicas, pertencentes à Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap”, e, assim “não poderia jamais cumprir com uma das exigências fundamentais para o registro imobiliário: a apresentação do título de propriedade do imóvel”.
À época, como consta no documento, existiam cerca de 2.133 lotes de aproximadamente 500 metros quadrados. Atualmente, de acordo com o advogado Edmar de Sousa Nogueira Segundo, conselheiro eleito da OAB em Sobradinho, cerca de 10 mil pessoas vivem no local.
De acordo com o que ele disse ao Correio, “é muito difícil chegar a demolir”, pois o condomínio e outros interessados ainda podem entrar com recurso e trata-se, além de contexto ambiental, de contexto social. Segundo ele, muitos moradores, ao comprarem, sequer tinham conhecimento de que tratava-se de empreendimento irregular, uma vez que o imóvel conta com todos os tipos de infraestrutura, como água, luz e energia, como qualquer outro tipo de moradia.
Outros, embora tivessem conhecimento, baseavam-se na existência de outros condomínios irregulares no DF. “As famílias vão se instalando com expectativas de regulação”, diz. “Quem mais pode se prejudicar são os moradores, e eles não tiveram nem a oportunidade de apresentar uma defesa.”
Em contestação, o Distrito Federal informou que “empreendeu todos os esforços no combate à implementação do parcelamento clandestino, mas perdeu essa guerra” e que “concorda com a pretensão de responsabilização pelos implementadores do condomínio clandestino, mas não pode ser responsabilizado pelos fatos”.
O Condomínio RK, por sua vez, contestou informando que “há procedimento de regularização em curso”, que “o condomínio foi implementado em área particular” e que “é juridicamente possível regularizar aglomerado urbano em área de proteção ambiental”.
Segundo a defesa, “o condomínio não pode ser considerado clandestino, posto que é ostensivo”. De acordo com ela, “não houve degradação ambiental com a implementação do condomínio”, pois a área já sofria intensamente com a ação humana, e o MP “deveria ter incluído todos os moradores na relação processual”.
Os responsáveis pelo empreendimento também alegaram que “é estranho que, num universo de mais de 200 condomínio irregulares espalhados pelo DF, o MP tenha optado por demandar contra o Condomínio RK” e “que todos querem a regularização dos condomínios, onde residem magistrados, promotores e boa parte da classe média do DF”.
Na decisão, o juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF esclareceu, porém, que “o infrator da lei não tem qualquer direito a exigir a regularização forçada da ilegalidade que promoveu”, e que a regularização é “mera possibilidade abstrata” e não exclui a “pretensão de reparação de danos ambientais”.
Segundo ele, “a responsabilidade ambiental é ampla, e alcança não apenas quem praticou diretamente o ato”, mas também quem enriqueceu a partir dele de qualquer modo.
“É incontroverso que o parcelamento do solo que resultou no 'Condomínio RK' não foi precedido dos necessários estudo e relatório de impacto ambiental, nem tampouco de qualquer licença administrativa ou registro formal junto ao cartório de registros imobiliários”, diz a decisão. Portanto, “trata-se, inequivocamente, de parcelamento ilegal, empreendido criminosamente”.
“Ora, só se 'regulariza' o que é 'irregular', e tome-se a expressão 'irregular' aqui como mero eufemismo para 'ilegal'. Assim, ao afirmar que o parcelamento em questão é 'passível de regularização' e teve o pedido de regularização protocolado junto ao poder público, a única conclusão a que se chega é que há uma situação de irregularidade que obviamente não foi suprida pela mera apresentação do pedido de regularização, o qual não supre a regularização em si mesma.”
Para o juiz, portanto, são responsáveis, além do condomínio e do Distrito Federal, “não apenas os parceladores criminosos originários e aqueles que deram início às intervenções danosas sobre a área parcelada ilegalmente, mas também todos os que adquiriram lotes no local ou que tenham se locupletado (enriquecido) por qualquer modo do dano”.
Assim, estabelece “o dever de indenizar, não apenas na formação da obrigação de fazer (restauração do estado de fato primitivo do imóvel ocupado ilicitamente), como também na de pagar a indenização correspondente à valoração pecuniária dos mesmos danos”.
Todas as atividades de edificação ilícita, portanto, devem ser paralisadas imediatamente, sob pena de multa de R$ 1 milhão para cada descumprimento. O Distrito Federal fica responsável pela demolição de todas as edificações erguidas no prazo de 12 meses, sob pena de multa de R$ 10 mil por dia de atraso. Por fim, deve ser feito o pagamento de R$ 22.942.326,00, com correção monetária desde o mês de maio de 2005.
Em nota aos condôminos, o síndico do Condomínio RK, Francisco Avelino de Assis, informa que o empreendimento trabalha para “eliminar as barreiras” que impedem a regularização e procura “avançar nas questões ambientais”. Também, que considera decisões da sentença do juiz da VMADUFDF, de 17 de novembro, “desproporcionais, absurdas e inconsistentes com os fatos e as evidências apresentadas”.
“O Condomínio RK nasceu de uma Escritura Pública de Divisão Amigável e teve sua matrícula registrada no cartório de imóveis, passando a ter validade e eficácia”, diz a nota. “Apenas em 2001, uma ação do Ministério Público Federal conseguiu uma liminar para bloquear a matrícula até a discussão de mérito, ou seja, durante 6 anos os condôminos adquiriram seus imóveis de boa-fé em área indiscutivelmente particular à época e hoje são vítimas da insegurança do Poder Judiciário. O processo ainda está em andamento e até que se prove o contrário, as terras não são de propriedade da TERRACAP e também não devem ser confundidos com o processo ambiental.”
Ele também diz, em nome dos condôminos: “não realizamos o parcelamento e não somos responsáveis por eventuais danos provocados na sua criação”. Em vez disso, “somos vítimas de pessoas responsáveis pelo empreendimento, que não cumpriram suas obrigações legais”, afirma. “Somos então compradores de boa fé e temos feito tudo que podemos para corrigir os danos ambientais. O Condomínio RK foi formalmente constituído em 1994, enquanto a presente ação ambiental somente foi distribuída em 2000, quando todos os lotes do empreendimento já haviam sido adquiridos. Nesse contexto, era impossível aos adquirentes, enquanto particulares, identificarem qualquer irregularidade ambiental que, por sua natureza, caberia exclusivamente ao poder público fiscalizar e mitigar.”
“Essa sentença não respeita os 10 mil moradores do RK, não respeita o GDF e pior ainda, não respeita o meio ambiente, que é o principal objeto da ação, pois a demolição e desconstituição do Condomínio, geraria um dano ambiental muito mais gravoso que o suposto dano decorrente da instituição do Condomínio (...). Como medida imediata, a equipe jurídica do Condomínio está preparando os devidos recursos contra esta decisão absurda, com a expectativa de que o Tribunal de 2ª Instância revise a sentença e considere as provas e documentos atualizados que comprovam a possibilidade de regularização do Condomínio, as ações de preservação ambiental em andamento, que é impossível a desconstituição do Condomínio, que é abusiva e fora da realidade a multa imposta.”
Atualmente, moram no local 10 mil moradores, distribuídos em 2.040 unidades residenciais, 41 unidades comerciais e 140 apartamentos.
Em nota, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), informa que “o Distrito Federal vai recorrer de todos os termos da sentença”.
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