CRIMINALIDADE

Homem morre com tiro ao furtar restaurante na Asa Sul

Às 5h de ontem, assaltante forçou entrada no estabelecimento e foi baleado pelo proprietário, que mora no local. Polícia Civil entende que houve legítima defesa. Comerciante responderá por porte ilegal de arma

Porta de restaurante foi arrombada enquanto o estabelecimento estava fechado, na manhã de segunda-feira -  (crédito:  Bruna Gaston CB/DA Press)
Porta de restaurante foi arrombada enquanto o estabelecimento estava fechado, na manhã de segunda-feira - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

O arrombamento de um restaurante na 112 Sul, na manhã de ontem, resultou na morte de um homem. Trata-se de um assaltante que arrombou a porta do estabelecimento para roubar bebidas e acabou sendo baleado e morto pelo proprietário. Até o fechamento desta edição, a identidade do assaltante ainda não havia sido divulgada. O comerciante chegou a ser preso em flagrante, mas foi liberado após pagamento de fiança no valor de R$ 800. O crime ocorreu às 5h e a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foi acionada às 6h58.

O dono do restaurante reside com a mulher no subsolo do estabelecimento. Ao ouvir um barulho, a mulher acordou e foi verificar as câmeras de segurança, constatando a presença do invasor. Ao ser acordado, o proprietário pegou um revólver calibre .32 e foi até o assaltante, que estava retirando uma garrafa de bebidas de uma estante na hora em que foi surpreendido e alvejado. O tiro disparado pelo dono do estabelecimento atingiu a têmpora do criminoso, que morreu na hora. 

No boletim de ocorrência, consta que foram encontrados em poder do assaltante caixas de bombom importado da marca Lindt, dinheiro e um cartão com nome de terceiro. Após analisar os elementos de informação apresentados, o delegado da 1ª Delegacia de Polícia, Antônio Dimitrov, entendeu que o comerciante agiu acobertado pela excludente de ilicitude, quando um ato que é considerado crime é cometido, mas a ação é justificável, portanto, não punível. A exclusão de ilicitude é prevista no artigo 23, inciso do II do Código Penal. Segundo o delegado, o proprietário foi autuado apenas por posse de arma de fogo, pois o revólver era do pai dele e tinha o registro expirado. "O caso será encaminhado ao Judiciário e ao Ministério Público, conforme previsão legal", disse Dimitrov. 

De acordo com o advogado criminalista Rodrigo Carneiro Maia, uma excludente de ilicitude ou causa justificante é uma situação em que uma ação seria considerada crime, de acordo com a lei, mas não é punível devido a certas circunstâncias que tornam a ação lícita. "Em outras palavras, mesmo que a ação se encaixe na descrição de um tipo penal (ato típico), ela não é considerada ilícita (antijurídica) devido à presença de uma excludente de ilicitude", explicou.

Advogado criminalista e penal, Paulo Klein acrescentou que a legítima defesa pode ser pessoal ou de terceiros, ou ainda quando o alvo acredita que pode sofrer injusta agressão e resolve antecipar o movimento neutralizando o agressor. "No caso em que o agressor é neutralizado, chamamos de legítima defesa putativa ou imaginária. É importante, contudo, que a legítima defesa seja proporcional à agressão", destacou. "Sempre depende, mas se quem estava dormindo supor que vai ser morto, é configurada a legítima defesa. E é evidente que isso pode acontecer, porque quem está disposto a entrar em uma casa ou loja para roubar, presume-se estar armado, ainda mais hoje em dia. Portanto, me parece que seria legítima a ação da pessoa que foi surpreendia por um criminoso em sua residência ou local de trabalho", acrescentou.

Furtos

Proprietários de estabelecimentos localizados próximo ao restaurante disseram ao Correio que ocorrem furtos constantes na região, mas nunca com um desfecho como esse, em virtude de a maioria deles não residirem no local, como é o caso do dono do restaurante invadido. "Aqui tem muita pessoa em situação de rua circulando, o que reforça a sensação de insegurança. Eu acredito que falta um policiamento mais reforçado aqui na região. Vejo viaturas passando, mas não vejo policiais fazendo a ronda por aqui", disse um dono de estabelecimento na Asa Sul, que preferiu não se identificar.

O tenente Felipe Gutemberg, da PMDF, ressalta que é importante denunciar sempre que houver furtos e assaltos em estabelecimentos. "É imprescindível para que seja atualizada a mancha criminal e a polícia possa reforçar a segurança onde mais se faz necessário", afirmou o policial, que foi um dos primeiros a chegarem ao local do crime.

Segundo o tenente Gutemberg, quando a equipe policial chegou ao restaurante, o proprietário estava muito assustado com tudo que tinha acontecido. "Nós encontramos o assaltante morto em cima do balcão que ficava em frente à estante onde ele estava roubando as bebidas. Quando ele foi avistado pelo dono do restaurante, chegou a tentar pular o balcão para fugir, mas foi alvejado antes disso", relatou. "Conduzimos o proprietário e seu advogado à 1ª Delegacia de Polícia e acionamos a perícia", completou. 

O presidente do Sindhobar, Jael Silva, criticou a falta de ações efetivas do poder público diante do aumento da criminalidade que afeta bares e restaurantes no Distrito Federal. "Nós havíamos enviado um ofício à Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) pedindo reforço no policiamento, mas até agora não obtivemos resposta. Já se passaram 40 dias. Os empresários estão vivendo em total insegurança", afirmou. Para ele, a reação do dono do restaurante é reflexo desse panorama. "Chega uma hora em que o empresário, para se defender, acaba tomando medidas extremas. Nesse caso, o dono poderia ter sido a vítima. É um problema complexo, mas quem vai resolver? O empresário sozinho?", questionou.

Análise

Especialista em segurança pública, Leonardo Sant'Anna disse que, nos últimos dois anos, foi identificado um aumento de furtos e roubos em estabelecimentos comerciais na Asa Norte e Asa Sul. "Vemos um momento de muita ansiedade e apreensão por parte de proprietários de comércios no Plano Piloto. São casos recorrentes, com e sem violência. Há um volume significativo de pessoas que ingressam para roubar com facas, caco de vidro e outros tipos de arma branca", frisou.

Sant'Anna acredita que deve haver uma repressão mais forte por parte do Estado para coibir esse tipo de invasão. "Arcar com uma segurança privada é um caminho para evitar esse tipo de coisa, mas não é a solução mais justa, uma vez que os proprietários pagam impostos. Portanto, a responsabilidade é do Estado", opinou. 

Sobre o caso ocorrido ontem, o especialista pontuou que é deduzível por parte do dono do estabelecimento o fato de que haveria alguma forma de violência por parte do invasor. "O assaltante também se colocou em uma situação de risco. Apesar de acreditar que não tinha ninguém no local, ele validou o próprio risco em ser surpreendido", afirmou.

ARTIGO - A legítima defesa e seus limites legais

De acordo com o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), a posse de arma de fogo sem a devida autorização legal constitui crime, independentemente de sua utilização em circunstâncias justificáveis, como a legítima defesa. A lei exige registro e autorização da Polícia Federal, tanto para a posse quanto para o porte de arma, e estabelece sanções penais para quem descumprir essas exigências. 

Portanto, ainda que o comerciante tenha agido amparado pelo artigo 25 do Código Penal, repelindo uma agressão injusta com os meios necessários, isso não isenta a responsabilidade penal pela posse ilícita da arma, caso esta não esteja devidamente registrada e autorizada. São esferas jurídicas distintas: o reconhecimento da legítima defesa afasta a ilicitude do ato de repelir a agressão, mas não regulariza ou legaliza a condição da arma utilizada.

Esses dispositivos atuam como mecanismos de inibição de condutas criminosas, pois a possibilidade de identificação e registro dos fatos desestimula a ação de infratores. Além disso, têm um papel essencial como meios de prova em investigações criminais e ações judiciais, permitindo a reconstrução fidedigna dos acontecimentos, a identificação de suspeitos e a demonstração de condutas legítimas, como em casos de legítima defesa ou tentativa de preservação do patrimônio.

No entanto, somente os dispositivos legais não são suficientes. Participar de grupos comunitários e manter contato com órgãos de segurança pública pode aumentar a vigilância mútua e a resposta rápida a incidentes. Se o comerciante desejar possuir arma de fogo, é obrigatório obter registro e autorização legal junto à Polícia Federal, conforme o Estatuto do Desarmamento.

Kelly Moreira, advogada criminalista

 

 

  • storyboard
    storyboard Foto: pacifico
  • morte homem restaurante 112 sul
    morte homem restaurante 112 sul Foto: reprodução
  • Google Discover Icon
postado em 08/07/2025 04:00
x