Agronegócio

Protagonismo jovem ganha força no agro e transforma o campo

Agricultura de precisão, drones, sensores de solo, monitoramento via satélite, softwares de gestão e inteligência artificial são atrativos para as novas gerações. Especialistas ressaltam importância da capacitação técnica e administrativa para sucesso na área

 21/08/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Geração Z do agronegócio. Agroindústria Machadinho. Marcela Gontijo, Leandro Gontijo e a criança Maria Cecília. -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
21/08/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Geração Z do agronegócio. Agroindústria Machadinho. Marcela Gontijo, Leandro Gontijo e a criança Maria Cecília. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Filha de um engenheiro agrônomo, a produtora rural Ana Carolina Zimmermann, 30 anos, cresceu no campo e, desde cedo, percebeu o potencial do agro. "O Brasil tem grande vocação em termos de eficiência e produtividade. Resolvi aproveitar a oportunidade de colocar em prática minhas competências com gestão, desenvolvimento humano e visão sistêmica desse universo", conta.

As credenciais conquistadas por Ana Carolina com cursos, especializações e prêmios têm se refletido no sucesso da sua produção agrícola. "Meu propósito sempre foi usar melhor as competências que tenho em um setor pelo qual tenho paixão", compartilha ela, que é engenheira de produção, possui MBA em Agronegócio e Projetos, é bolsista do programa internacional Nuffield, que capacita jovens líderes e profissionais agrícolas, entre outros programas dos quais faz parte. 

Ana Carolina é um exemplo de como o protagonismo dos jovens no campo tem crescido, à medida que aumenta a participação do agronegócio na economia do Distrito Federal. Em 2024, a produção agrícola movimentou mais de R$ 5,8 bilhões no DF e, no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a primeira legislação do Brasil voltada especificamente para a juventude do meio rural, o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural (PNJSR).

O programa tem como perspectiva alcançar cerca de 500 mil jovens que vivem no campo, nas águas e nas florestas. A ideia é promover inclusão produtiva, acesso à terra, educação, participação política e proteção aos territórios rurais. Especialistas ressaltam a importância da capacitação, gestão e domínio das novas tecnologias para o bom desenvolvimento das atividades no campo. 

Diretora de Educação Profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem (Senar), Fabíola Bomtempo cita as novas tecnologias utilizadas no campo como um atrativo aos jovens. "O agro, hoje, envolve drones, máquinas de última geração, alguns aplicativos de gestão, o que desperta o interesse desses jovens mais conectados e curiosos por novidades", elenca.

Outro fator mencionado pela especialista é o interesse crescente dos jovens pelo empreendedorismo. "Muitos enxergam a propriedade rural como um negócio, como uma oportunidade de expansão, de agregação de valor e acesso a novos mercados", pontua. "Existe um reconhecimento maior do setor, que tem grande peso na economia brasileira. Os jovens percebem que podem fazer parte de algo mais estratégico para o país", acrescenta Fabíola.

De acordo com ela, a oferta de curso de formação profissional rural, programas de capacitação e alguns intercâmbios voltados para o setor dão mais segurança ao jovem para assumir a responsabilidade da sucessão rural, como no caso da engenheira de produção Ana Carolina.

Capacitação

O casal Marcela Gontijo, 28, e Leandro Gontijo, 31, administra a agroindústria Machadinho, de propriedade da família, que produz vegetais e legumes higienizados e minimamente processados. Desde que tinha apenas 18 anos, Marcela começou a atuar nas atividades rurais e diz que adquirir conhecimento foi imprescindível para o sucesso do negócio que ajuda a administrar. "O agro também tem a parte burocrática, de auditoria, de qualidade, de fiscalização. Com a experiência, hoje, eu consigo ter uma visão ampla de todo o processo. É muito gratificante poder entender desde a sementinha até o produto final", descreve.

Como conselho aos jovens que desejam empreender no agro, Marcela diz que o caminho é o empreendedorismo e a capacitação. "Tem uma gama de produtos muito grande que dá para plantar em Brasília. Além disso, essa área conta com bastante incentivo por parte do governo e do sistema S, que tem consultorias e cursos para dar um norte a esses jovens interessados em empreender na agricultura. É muito gratificante saber que podemos ajudar a proporcionar saúde para as pessoas por meio de alimentos saudáveis", ressalta Marcela.

Modernização

Advogado especialista em direito agrário, Adriano Bedran reforça que o sucesso no compo exige preparo, disciplina e visão estratégica. "O setor oferece oportunidades de inovação, sustentabilidade e tecnologia, mas o conhecimento em gestão e administração é indispensável", destaca. "O agronegócio moderno vai muito além da técnica de produção, demanda governança, planejamento financeiro, compliance, visão de mercado e segurança jurídica. Sem essa base sólida, há risco de transformar um grande potencial em frustração", adverte.

Para o advogado Lando Bottosso, especialista em direito do agro do escritório Domingos Advocacia, a percepção do agronegócio se transformou ao longo do tempo, especialmente com o advento da agricultura 4.0, que envolve aplicação de tecnologias digitais avançadas, como inteligência artificial, internet das coisas, big data, robótica, automação, entre outras. "O atual dinamismo e evolução do setor proporcionam novas tecnologias, as quais os jovens, por terem mais expertise, conseguem dominar com facilidade. Isso gera excelentes rendimentos, atraindo prestadores de serviços e fazendo com que esses jovens sejam cada vez mais assediados no mercado do agronegócio", frisa. 

Administrador de empresas e gestor da própria fazenda, Leonardo Cenci Malinski, 40, ressalta a importância da profissionalização da gestão. "O agronegócio cresceu, em média, 3% ao ano em produtividade nas últimas décadas. As tecnologias de produção, principalmente o plantio direto e a viabilização da agricultura no Cerrado, transformaram o Brasil de importador de alimentos, na década de 1970, em um dos maiores exportadores do mundo. Isso, sim, é o maior motivo do sucesso do agronegócio", explica.

Transformação

Especialista em agronegócio e CEO da empresa Broto — que oferece soluções ao agro — José Evaldo Gonçalo afirma que muitos jovens, mesmo sem origem rural, encontram no campo um espaço fértil para empreender, trabalhar em startups, atuar em empresas de tecnologia ou em projetos ligados à sustentabilidade e à bioeconomia. "Para aqueles que vêm da sucessão familiar, o atrativo está em modernizar as propriedades e torná-las mais competitivas. Em ambos os casos, há um fator comum: a percepção de que o agronegócio é, hoje, um dos motores mais dinâmicos da economia brasileira e oferece carreiras sólidas, diversificadas e alinhadas aos valores dessa nova geração", analisa.

Máquinas com tecnologia embarcada, agricultura de precisão, uso de drones para mapeamento de lavouras, sensores de solo, monitoramento via satélite, softwares de gestão integrada e inteligência artificial aplicada ao clima e à sanidade animal já fazem parte do cotidiano de quem produz. "Essas ferramentas não só aumentam produtividade, como também reduzem custos, permitem rastreabilidade e conectam o campo diretamente às exigências dos mercados internacionais. É justamente essa transformação tecnológica que tem atraído jovens profissionais ao agro, porque oferece espaço para aplicar ciência e dados em escala real", avalia a especialista em agronegócio e fundadora da Governança Agro, Amanda Salis Guazzelli. 

Desafios

Presidente da Associação dos Engenheiros Agrônomos do DF e vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-DF), Antônio Queiroz Barreto destaca que uma das maiores crises do setor é a falta de mão de obra qualificada no campo. "Estamos sempre buscando diálogo com o governo e com o setor privado para atrair a atenção para as oportunidades no agro", comenta. "Temos agenda marcada com a Secretaria de Educação, para levar informações sobre agronomia aos alunos do ensino médio da rede pública do DF. A ideia é levar o agro como opção de futuro para eles", completa. "Há muita oportunidade no campo, basta o jovem estar capacitado a trabalhar com ferramentas que produzam soluções", afirma. 

A produtora Ana Carolina Zimmermann reforça que a falta de mão de obra ainda é um desafio a ser superado. "Há desafios também relacionados à distância entre os campos e os centros urbanos, que se refletem em estradas, acesso a água, internet, etc. Há também os riscos climáticos. Por isso, a importância do manejo e das boas práticas sustentáveis", frisa.

Oportunidades

Um dos programas disponíveis para a capacitação dos jovens do campo é o CNA Jovem, que vai para a sexta edição neste ano. A iniciativa do sistema CNA Senar tem como objetivo identificar e desenvolver jovens líderes para que eles possam atuar no setor, a partir do desenvolvimento de competências de liderança com foco em inovação. O programa é voltado para jovens de 22 a 30 anos, e uma das estratégias é desenvolver líderes preparados e capacitados para a resolução de desafios.

Ana Carolina Zimmermann foi vencedora de uma edição do programa e orgulha-se do conhecimento adquirido com o CNA Jovem. "Me abriu as portas para o universo do agro. Aconselho a participarem de projetos do tipo para estarem conectados e aprenderem a se posicionar no mercado", sugere. 

Outra oportunidade de estímulo aos jovens do DF é o Hackathon AgroHack Ideias, que acontece durante a Agro Brasília e os incentiva a apresentar ideias voltadas ao armazenamento de produtos, transporte de cargas, segurança e vigilância rural, além de propostas para economia do uso de água, entre outras soluções úteis no campo. Em 2024, foram 11 equipes; em 2025, o número subiu para 25.

Lançado em 12 de agosto, o programa Filhos deste Solo, da Emater-DF, vai capacitar jovens entre 16 e 29 anos em empreendedorismo e gestão. Para participar, é preciso estar ligado de alguma forma a uma propriedade rural. Pode ser proprietário, agricultor, filho de agricultor ou funcionário de empresa ou propriedade rural. "Trabalharemos com eles competências e habilidades para que consigam desenvolver os seus negócios. Os encontros vão acontecer em escolas do campo ou em outras instituições rurais que atendem a jovens nessa faixa etária", explica a coordenadora do programa, Adriana Dutra

O Filhos deste Solo é gratuito e tem 200 vagas, divididas em 10 turmas de 20 alunos cada. As aulas vão acontecer nos núcleos rurais Tabatinga, Taquara, PAD/DF, Jardim II, Pipiripau, Rio Preto, Brazlândia e no Instituto Federal de Brasília (câmpus de Planaltina).

  •  Leandro e Marcela Gontijo, com Maria Cecília: negócio familiar
    Leandro e Marcela Gontijo, com Maria Cecília: negócio familiar Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • Ana Carolina Zimmermann, 30, herdou do pai o amor pelo agro
    Ana Carolina Zimmermann, 30, herdou do pai o amor pelo agro Arquivo pessoal

Artigo

Capacitação e novas tecnologias

Por Ronald Caselli, administrador e CEO da Exponencial Administração e Tecnologia

A junção entre o conhecimento técnico e o conhecimento administrativo é o que garante, hoje, a competitividade no agronegócio. O produtor que domina apenas a parte técnica, como manejo, cultivo ou a tecnologia de maquinário, pode até ter bons resultados no curto prazo, mas corre o risco de perder eficiência e as oportunidades no médio e no longo prazo. Quando ele alia esse conhecimento ao domínio de gestão, passa a enxergar o negócio como uma empresa. Então, ele vai aprender a calcular os custos com precisão, planejar investimentos, gerenciar riscos, negociar melhor e até identificar oportunidades de expansão. O agronegócio deixou de ser apenas produção. Ele é logística, mercado financeiro, exportação, tecnologia e governança. Quem une essa vivência do campo? Administração e a gestão estratégica transformam a propriedade rural em um empreendimento realmente sustentável, lucrativo e inovador. Essa visão integrada que permite atravessar a crise, aproveitar ciclos de mercado e se posicionar de forma mais sólida, tanto no Brasil quanto no exterior.

O protagonismo do agronegócio brasileiro é resultado direto da combinação entre tecnologia e gestão. De um lado, a tecnologia trouxe mecanização e a tecnologia software de gestão e inteligência de dados, que aumentaram a produtividade do campo. Do outro, a administração estratégica permitiu transformar a produção em negócios sustentáveis, organizados, competitivos em escala até global.

Hoje, o agronegócio não é apenas plantar e colher. É administrar estoques, exportar, lidar com situações cambiais, adotar práticas de sustentabilidade e se preparar para as normas internacionais, ou seja, o setor se profissionalizou. O Brasil passou a ser referência mundial porque o produtor rural deixou de ser apenas técnico e se transformou também em gestor, utilizando a tecnologia como aliada para inovar, reduzir custos e abrir novos mercados. Esse casamento entre o campo, a administração e a tecnologia é o que explica o papel de destaque do agronegócio na economia nacional.

 

 

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postado em 25/08/2025 05:00 / atualizado em 25/08/2025 15:08
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