
O crescimento do índice de suicídio entre jovens e crianças e as formas de prevenção foram temas do CB.Saúde — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília — de ontem. André Botelho, coordenador de psiquiatria do Hospital Sírio-Libanês, destacou que o Distrito Federal ocupava a terceira posição entre as unidades da federação com maior número de casos, em 2023. Às jornalistas Carmen Souza (D) e Sibele Negromonte, ele afirmou que é possível prevenir o suicídio. O psiquiatra comentou ainda sobre a automutilação e avaliou que nem sempre ela está relacionada ao ato de tirar a própria vida. Confira a seguir os principais pontos debatidos na conversa:
Qual é o cenário no DF em relação aos índices de suicídio?
Desde 2023, alguns dados que foram coletados em relação ao suicídio mostraram o Distrito Federal na terceira posição entre os estados com o autoextermínio como uma das vertentes mais presentes. E, provavelmente, ainda houve novos aumentos durante esse período em decorrência das várias facetas que a questão apresenta.
Por que precisamos falar sobre suicídio? Há formas de se prevenir e não chegar a esse extremo?
O suicídio é uma questão que vem de uma crise psicológica insustentável, que tem seus pilares dentro de um desamparo extremo associado ao desespero, à depressão e à desesperança. É um fenômeno que ocorre quando as possibilidades que aquela pessoa vive em cima dessa crise psicológica se tornam findáveis. Ela não vê outra saída senão aquela atitude de pôr fim à própria vida. Mas, de fato, como também devido à alta prevalência, tem-se cada vez mais estudado e pensado formas de prevenir. Conseguimos, a partir de algumas estratégias, gerar prevenção, cuidado, estabelecer algumas fontes de resgate para que esse comportamento não seja essa saída.
O suicídio pode ser atribuído à uma única causa ou deve ser compreendido como um processo de diversos fatores que levam ao ato?
O sofrimento psíquico é multifacetado, vem de várias ordens — questões climáticas, políticas, sociais, culturais — que vão construindo a rede de uma estrutura que gera, a partir do momento em que a pessoa está inserida nesses contextos, uma dor interna. É claro que, a partir disso, como essas outras questões estão atreladas a vetores de pressão que vêm de várias partes, também temos uma resultante de transtornos mentais e psiquiátricos que podem contribuir com a questão. Mas acho importante destacar que o suicídio é um indício de um sofrimento individual, mas inserido em um contexto que também é gerador de sofrimento.
Temos visto um aumento de casos em jovens e crianças. O que explica esse fenômeno?
É um fenômeno de várias origens. De fato temos um aumento significativo do suicídio na infância. Não podemos deixar de pensar no que as nossas crianças estão consumindo. Quando elas estão na rede social, estão embebidas em uma cultura de produtividade, de cobrança, de crianças que são adultizadas. Crianças adultas que precisam estar se ocupando de questões para muito além da infância.
Em que medida a automutilação e o suicídio dialogam entre os jovens?
A automutilação entra como uma estratégia adotada por alguns jovens de tentarem, sozinhos — o que já traz o reflexo de algum desamparo —, regular um sofrimento muito profundo e intenso. Mas precisamos diferenciar, porque nem sempre a automutilação está ligada ao suicídio. Nem toda automutilação está atrelada ao desejo de não estar vivo, de morrer. Às vezes, são atos, de fato, cometidos em vigência de um sofrimento expressivo. Então, é um quadro que precisa de um olhar profundo e especializado de ajuda. Mas, embora não tenha uma ligação direta com o suicídio, traz um risco importante também.
O que fazer ao perceber que uma pessoa próxima se encontra em estado de sofrimento?
O principal é identificar os agentes de sofrimento, que fazem parte daqueles que estão à volta. Mas é importante ressaltar o tamanho da repercussão de um suicídio. O suicídio também deixa marcas expressivas, e os enlutados de uma situação de suicídio são populações que também têm seu risco aumentado para cometer o mesmo ato e que precisam de uma atenção. Mas a maior forma de prevenção é que possamos, dentro de um ciclo de cuidado, identificar que o outro está em sofrimento e, assim, procurar os espaços e as ajudas especializadas.
No DF, tivemos um caso recente de clínicas terapêuticas que atendiam pacientes de forma irregular. Para casos mais graves, que necessitam de internação, que cuidados a família do paciente deve tomar?
A internação psiquiátrica tem um lugar dentro de uma proposta de tratamento voltada para a questão dos transtornos mentais. O suicídio entraria como uma consequência fatal, mas tentamos estabelecer um cuidado que proteja. Vemos muito isso na prática: pacientes em sofrimento que têm uma rede de suporte terapêutico bem estabelecida, do ponto de vista ambulatorial, dificilmente chegam à necessidade de internação psiquiátrica. Então, é um recurso que está disponível, mas é um recurso que deveria entrar num contexto de refratariedade — quando todas as tentativas foram esgotadas e aquela pessoa ainda está se colocando em risco. E aí, sim, efetuamos a internação. Mas é importante lembrar que, nas tentativas de suicídio, precisa-se investigar e descartar outras causas, porque, muitas vezes, estão atreladas ao uso de substâncias, entre outros fatores. Precisamos garantir, antes que a pessoa vá para um contexto como esse, que não haja nenhuma outra condição clínica trazendo risco à vida dela, uma vez que a função da internação é justamente eliminar esses riscos.
Assista à entrevista
*Estagiária sob supervisão de Malcia Afonso
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A maior forma de prevenção é que possamos, dentro de um ciclo de cuidado, identificar que o outro está em sofrimento e, assim, procurar os espaços e as ajudas especializadas"
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