O reajuste das passagens do Entorno foi motivo de insatisfação entre usuários do transporte público. Apesar dos pedidos de adiamento dos governos do Distrito Federal e de Goiás, o aumento de 2,9% entrou em vigor na manhã de terça-feira (23/9), após decisão da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
A cuidadora de idosos Joannete Cardoso da Silva, 44, disse que sobrevive apenas com um salário mínimo e que o aumento das passagens vai apertar ainda mais o orçamento mensal. "Já tiro quase R$ 400 por mês, somente para trabalhar, e ainda tem os descontos. No fim, o salário não dá pra nada", reclamou.
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Moradora de Formosa, ela relatou que, muitas vezes, precisa pedir dinheiro emprestado a amigos e a vizinhos para custear o transporte. "A situação vira uma bola de neve muito difícil de resolver. O preço não é justo, pois o salário não aumenta como a passagem", ressaltou.
O segurança Hernandes Sousa Santos, 34, morador da Cidade Ocidental, gasta R$ 500 por mês para se deslocar até o trabalho. Pai de família, ele vê o aumento como um verdadeiro absurdo, principalmente pela qualidade precária do serviço oferecido. "Ano após ano a passagem aumenta, mas os ônibus continuam ruins. A gente vem em pé, em cadeiras quebradas, as janelas não abrem. O ar-condicionado só funciona nos ônibus de R$ 15 e esse preço é impossível de pagar", comentou.
O trabalhador acredita que o dinheiro destinado ao transporte poderia ser usado em casa, com a família, e se lembrou de quando a passagem custava R$ 7, valor considerado mais justo e compatível com a realidade dos moradores do Entorno. Para ele, é urgente que o governo ofereça apoio aos usuários e reveja o reajuste. "Precisamos de suporte. Não dá para continuar assim, sem retorno nenhum", cobrou.
Impasse
A expectativa agora é de agilizar a consolidação do Consórcio Interfederativo de Mobilidade (CIRME), que será firmado entre as duas unidades federativas, com participação da ANTT. De acordo com a proposta, o consórcio permitirá uma gestão compartilhada dos contratos com empresas de transporte entre DF e Entorno, garantindo mais autonomia sobre os valores das passagens.
Na quarta-feira passada, uma minuta do protocolo de intenções do consórcio foi enviada à agência, que questionou se os governos do DF e de Goiás conseguiriam reenviar o documento, já assinado, até a última segunda-feira, quando terminou o prazo dado pela ANTT para a suspensão do reajuste. Porém, não teria sido possível conciliar as agendas dos governadores Ibaneis Rocha (DF) e Ronaldo Caiado (GO).
"Os termos do acordo estão definidos e as casas civis dos dois governos vão articular a data da assinatura, mesmo se a ANTT não se manifestar, considerando que a agência já afirmou que não assinará o protocolo", disse o secretário de Mobilidade do DF, Zeno Gonçalves.
Na segunda-feira, a agência alegou que, "apesar de todos os esforços empreendidos ao longo de sete meses, não foi entregue a versão final e assinada do protocolo de intenções para a criação do consórcio interfederativo entre os governos de Goiás e do Distrito Federal".
Segundo o governo goiano, a proposta de criação do consórcio foi apresentada em fevereiro, mas recebeu resposta formal do governo federal somente em agosto. Depois disso, os governos do DF e de Goiás solicitaram prorrogação de 90 dias para aplicação do reajuste. No entanto, foram dados apenas 30 dias.
"Esse prazo (de 90 dias) era considerado essencial para finalizar as complexas etapas institucionais da criação do consórcio, inclusive, a transição técnica, a definição da operacionalização e a avaliação do aporte orçamentário necessário. A solicitação também tinha um claro viés social: evitar onerar milhares de trabalhadores e estudantes que dependem vitalmente do serviço", afirmou o Governo de Goiás, em nota.
"Mesmo sem manifestação da ANTT, vamos seguir uma agenda para agilizar o protocolo de intenções", disse Zeno Gonçalves. A agência declarou, entretanto, "que permanece engajada, por meio de seu corpo técnico e de sua diretoria colegiada, na continuidade das tratativas para a criação do consórcio interfederativo e para a futura delegação do sistema".
Reações
Em agenda pública, ontem, o governador do Distrito Federal se manifestou sobre o reajuste. "Temos condições de encaminhar os projetos de lei para a Câmara Legislativa e para a Assembleia de Goiás autorizando esse consórcio. Mas a gente precisa do aval da União, da ANTT, porque é ela quem gere todo esse transporte. Aguardamos que, o mais breve possível, haja uma solução definitiva para essa questão do transporte do Entorno, inclusive, com redução dos preços das passagens", disse.
Ibaneis afirmou que há expectativa de que a decisão saia em breve. "O secretário Zeno, juntamente com o secretário de Transportes de Goiás e o nosso secretário do Entorno, estão acompanhando isso junto à ANTT", completou.
O governador Ronaldo Caiado também reafirmou a oposição ao reajuste. "Somos contra mais esse aumento na tarifa. O governo federal segue ignorando as soluções viáveis já apresentadas para conter a alta das passagens e penaliza os trabalhadores da região", ressaltou.
Caiado criticou a decisão da ANTT, alegando que os esforços de Goiás e do Distrito Federal para encontrar uma solução permanente e mais justa para os usuários foram ignorados. Segundo ele, a agência se mostrou irredutível ao priorizar o equilíbrio financeiro dos contratos das empresas de transporte, em detrimento do interesse dos usuários que dependem do serviço. Ao mesmo tempo, o governador ressaltou que Goiás e Distrito Federal já assinaram um protocolo de intenções para viabilizar a gestão compartilhada do consórcio de transporte, com investimentos compartilhados para reduzir o valor da passagem.
Preocupação
Presidente do Sistema Fecomércio-DF, José Aparecido Freire, manifestou preocupação com o reajuste das passagens no Entorno. "O aumento afeta milhares de trabalhadores que se deslocam diariamente para o Distrito Federal. O aumento compromete o orçamento das famílias, eleva custos para empresas que arcam com o transporte e traz reflexos para a economia", afirmou.
"Esse cenário reforça a necessidade de união entre as autoridades interestaduais e a criação de um consórcio interfederativo entre DF e Goiás, medida capaz de estruturar um sistema de transporte mais justo, acessível e sustentável, beneficiando toda a região e garantindo melhores condições de vida e trabalho para a população", reforçou Freire.
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