
A cada seca, as chamas voltam a ameaçar a Serrinha do Paranoá, no Lago Norte. A região, uma das mais importantes áreas de cerrado nativo do Distrito Federal, enfrenta o ciclo anual dos incêndios criminosos, que colocam em risco o meio ambiente e a vida de quem mora por lá. Em entrevista ao Podcast do Correio, conduzida pelas jornalistas Mariana Niederauer e Adriana Bernardes, produtora rural orgânica Lúcia Mendes, integrante do comitê de bacias do Paranaíba-DF, presidente da Associação Preserva Serrinha e integrante da coordenação do Fórum de Defesa das Águas, do Clima e do Meio Ambiente do DF, denunciou a ação deliberada de invasores que colocam fogo para ocupar o território.
"Todo ano a gente tem incêndios na Serrinha, porque ela ainda tem muito cerrado nativo. E, nessa época de estiagem, fica tudo realmente muito seco. Então, pessoas mal-intencionadas, que estão tentando ocupar aquela região de forma irregular e ilegal, colocam fogo para tentar limpar o terreno. E o nosso cerrado é tão resiliente que ele volta, ele renasce todo ano", afirmou.
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Lúcia enfatiza que o fogo não é um simples instrumento de limpeza, mas um ato criminoso. "É uma destruição deliberada para tentar invadir aquele território. Temos feito muitas denúncias dessas invasões porque nós entendemos que aquela é uma região estratégica para a cidade. Não se trata só de defender as nossas casas e chácaras. No incêndio, nós somos os primeiros a serem queimados", contou.
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A pesquisadora lembrou que moradores locais, por medo de perderem tudo, acabam atuando no combate inicial ao fogo, muitas vezes com riscos à própria vida. "Não é tão raro a gente se machucar tentando fazer esse combate. Inclusive, aconteceu comigo. Eu fui pega por uma onda de calor quando tentava tirar o carro do local. Eu sei como o fogo pode ser traiçoeiro", relatou.
Segundo ela, o trabalho das brigadas voluntárias é essencial. "Nós temos uma brigada voluntária na Serrinha, que são verdadeiros parceiros e heróis na defesa, principalmente nesse primeiro combate. As brigadas voluntárias não entram no incêndio gigante, isso é função do Corpo de Bombeiros, mas a gente está sempre estimulando oficinas de treinamento para que as pessoas aprendam a usar abafador".
Os incêndios, afirma Lúcia, são, na maioria, feitos por criminosos. "Inclusive, têm pessoas que foram filmadas colocando fogo e saindo correndo. Mas é muito difícil identificar quem é a pessoa ou a placa do carro", lamentou.
Para ela, parte da solução passa pela educação ambiental. "Se a gente conseguisse ter um programa de educação nas escolas seria ótimo. Eu fico imaginando as crianças ensinando aos pais não queimar lixo, não pôr fogo em poda. Acho que isso teria um efeito muito maior. Nós estamos no berço das águas. A caixa d'água do Brasil é o Cerrado", destacou, lembrando que oito das 10 bacias hidrográficas do país nascem no DF.
A Serrinha abriga cerca de 20 mil pessoas, distribuídas em 13 córregos. Muitas dessas famílias vivem na região há décadas e aguardam a regularização das terras. Para Lúcia, o reconhecimento fundiário é também uma estratégia de preservação ambiental. "A regularização, no nosso entendimento, é uma estratégia de preservação. Ela tem que consolidar as pessoas que estão ali há 30, 40, 50 anos, produzindo e preservando. Não pode ser tratada na mesma lógica da especulação imobiliária", defendeu.
A pesquisadora criticou propostas recentes que, segundo ela, desconsideram o caráter rural da área. "Hoje nós temos um debate. Do jeito que a proposta de lei está, ela transforma toda a área rural e urbana com características rurais em estoque de terra da Terracap. Tirou de todo mundo a opção de compra, de forma que a Terracap pode manusear aquelas terras do jeito que quiser. Isso não está nem no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) atual nem na lei vigente", alertou.
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