MEIO AMBIENTE

Mudanças climáticas impactam rotina dos moradores do Distrito Federal

Ondas de calor, tempestades e estiagens mudam, cada vez mais, a rotina do brasiliense. Moradores e produtores sentem na prática os efeitos do clima extremo. Especialistas alertam para medidas de mitigação desse problema ambiental

Márcia diz que a redução de áreas arborizadas também impactou sua saúde -  (crédito:  Ed Alves/CB)
Márcia diz que a redução de áreas arborizadas também impactou sua saúde - (crédito: Ed Alves/CB)

Imaginou Brasília até 8°C mais quente? Esse é um dos cenários projetados até o fim do século, com o avanço das mudanças climáticas. A previsão faz parte de um estudo da Secretaria de Meio Ambiente do DF (Sema), em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), que alerta para o aumento de ondas de calor, tempestades mais intensas, períodos de estiagem prolongados e impactos diretos na rotina dos brasilienses.

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As crises de asma de Márcia Amorim, bacharel em direito, se agravam todos os anos durante o período de seca no Distrito Federal. Diagnosticada com asma desde a infância, ela conta que nunca havia passado por episódios tão severos até se mudar do Rio de Janeiro para Brasília. "A umidade vai ficando muito baixa, e eu começo a sentir. Fico cansada, com falta de ar", relata. Desde uma forte crise em 2015, Márcia mantém um protocolo próprio para se preparar para o período crítico: usa medicação contínua e espalha umidificadores pela casa, no trabalho e até no carro. "Quando começa a época de seca, eu deixo um umidificador em todos os cantos. Para mim, é essencial", relata.

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Além da baixa umidade, Márcia afirma que a redução de áreas arborizadas da cidade também tem impactado sua saúde e o microclima do bairro. Moradora do Sudoeste há 12 anos, ela acompanhou a remoção de mais de mil árvores durante uma obra para construir um viaduto na região. "Depois que arrancaram as árvores, o bairro ficou muito mais quente e seco. Antes era fresco, eu via o vento balançando as copas", diz. Para ela, menos arborização significa mais crises respiratórias e desconforto térmico. "Eu percebi a diferença na respiração", destaca. Márcia carrega bombinha na bolsa, tem identificação médica na carteira e segue orientação profissional para vacinas e tratamento preventivo. "Eu uso o remédio antes de piorar. Aqui, se não se cuidar na seca, o corpo cobra", conta.

A médica Milena Ricardo Alves Moreira explica que a baixa arborização agrava problemas respiratórios como o de Márcia, enquanto áreas verdes ajudam a estabilizar a temperatura e manter a umidade do ar. "Quanto mais arborizada uma cidade, mais estável é o clima — e menor o impacto na saúde", reforça. Ela ainda destaca que as mudanças climáticas e a seca intensificada no DF têm impactado diretamente a saúde respiratória da população. "O calor excessivo, o tempo muito seco e as variações bruscas de temperatura afetam, principalmente, crianças, idosos e pessoas com asma, bronquite ou DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica)", afirma. 

As mudanças climáticas também têm impactado eventos na capital do país. No Riacho Fundo II, o Circuito T&T de Rodeio foi interrompido em 2 de novembro depois que um vendaval atingiu a estrutura do evento, arrancando lonas, derrubando banheiros químicos e placas de fechamento. O organizador, Orleans Araújo, conta que não havia previsão de risco. "Quando esse vento vem, que está cada vez mais alarmante, as tendas são as primeiras a ir embora", diz. Além dos danos, o cancelamento trouxe prejuízo financeiro. "Foram R$ 120 mil, e teve vendedor que perdeu mesas, cadeiras e voltou para casa no vermelho", relata.

Temporal do Riacho Fundo II derrubou placas de fechamento e banheiros químicos de rodeio
Temporal do Riacho Fundo II derrubou placas e banheiros químicos de um evento (foto: Arquivo pessoal)

 

Agricultura

No Núcleo Rural Tabatinga, no Paranoá, o clima deixou de ser apenas um fator de atenção e passou a ser um risco real para quem vive da terra. Produtor há três décadas, Tiago Falqueto viu a previsibilidade desaparecer. "Antigamente a gente tinha mais assertividade em relação às chuvas, até previsão popular funcionava. Hoje, nem a científica acerta", relata. As mudanças no regime de chuva e as variações de temperatura se converteram em prejuízo. "Todo ano tenho uma perda considerável de abacates que queimam por conta do sol quente. E a soja, quando dá um veranico, dependendo da fase que pega a soja, chegamos a perder até 20% do nosso potencial produtivo", lamenta.

Para continuar as plantações, Tiago adaptou as técnicas na tentativa de proteger o solo e reduzir os impactos das temperaturas extremas. A aposta é no plantio direto, prática que mantém a palhada sobre o solo para evitar a evaporação rápida de água e preservar a umidade. "É uma técnica que protege o meio ambiente e reduz emissão de poluentes, porque diminui o uso de máquinas", explica.

 11/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. O clima e os malefícios para plantações. Thiago Falqueto
Tiago adaptou as técnicas na tentativa de proteger o solo e reduzir os impactos das temperaturas extremas (foto: Bruna Gaston CB/DA Press)

A percepção de Tiago no campo é confirmada pela ciência: a redução das chuvas no DF é contínua. "Na década de 1970, tínhamos 1.574mm de chuva por ano. Nos últimos 10 anos, esse número caiu para 1.172mm", afirma o pesquisador da Embrapa Cerrados Fernando Macena. A mudança altera o calendário agrícola e obriga produtores a adiar o plantio, que antes começava no fim de outubro e hoje, muitas vezes, só é possível em novembro ou dezembro. Para reduzir os prejuízos, a Embrapa orienta o uso do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), ferramenta que indica o melhor período e local para plantio. "Seguir o Zarc aumenta a chance de sucesso da lavoura e permite acesso a seguro rural", explica. Segundo ele, a ferramenta passou a classificar áreas de produção considerando o manejo e a qualidade do solo, apontando janelas com menor risco de perda por seca.

 

Planejamento

Especialistas alertam que os efeitos das mudanças climáticas são realidade no Distrito Federal e exigem planejamento. Renata Andrade, da Rede de Governança Climática de Sustentabilidade (RGCS), reforça que o problema não é futuro. "O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) mostra que o planeta já aqueceu mais de 1°C, o que aumenta a frequência de secas e eventos extremos", afirma. No caso do DF, ela destaca que 2024 registrou a maior estiagem desde 1963 — foram 167 dias sem chuva. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o ano mais quente no DF foi o de 2016, com temperatura média de 22,4 °C, seguido por 2024 e 2019, ambos com 22,1 °C. "Isso afeta a saúde da população, pressiona o consumo de energia e reduz a disponibilidade de água", diz.

A RGCS avalia que enfrentar os impactos climáticos passa por governança e transparência. "Estamos lançando na COP30 uma plataforma de avaliação com selos de governança climática para evitar greenwashing (técnica de propaganda enganosa usada por empresas para simular uma imagem de sustentabilidade e responsabilidade ambiental em produtos ou atividades que não possuem) e orientar gestores e empresas na tomada de decisão", explica Renata. Segundo ela, o DF tem potencial para se tornar referência ao transformar a agenda climática em desenvolvimento. "Clima também é oportunidade: pode gerar emprego, atrair investimentos e melhorar a qualidade de vida", conclui.

Assim como iniciativas que chegam à COP30 buscam orientar governos e empresas na adaptação ao novo cenário climático, o DF também possui um planejamento próprio. Publicado em 2021, o Plano de Mitigação das emissões de gases de efeito estufa, alinhado ao Acordo de Paris, define metas até 2030 e prioriza setores que mais poluem — energia, transporte, resíduos, agropecuária e uso da terra. Entre as ações, estão incentivo ao uso de biocombustíveis na frota pública, expansão do transporte de baixo impacto (como metrô, VLT e BRT), estímulo ao teletrabalho, sistemas de tráfego inteligente e geração de energia solar. O plano também prevê recuperação de áreas degradadas, ampliação das áreas verdes urbanas e redução de queimadas, enfatizando que a transição para uma economia de baixo carbono depende da integração entre governo, empresas e sociedade.[

 

Quatro peguntas para

Professor Saulo Rodrigues Pereira Filho do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB)

1. O que o aumento na média de temperatura do DF significa na prática para os brasilienses?

Como consequência temos primeiro o aumento das ondas de calor que trazem graves prejuízos para a saúde humana, principalmente, em crianças e idosos. Isso pode aumentar a mortalidade da população, o aumento de doenças cardiovasculares e respiratórias.

O segundo é o aumento da evaporação da água. Evapora mais água e com isso uma redução da disponibilidade de água nos reservatórios. Isso aponta um risco elevado do DF voltar a enfrentar uma crise hídrica, como aconteceu em 2017 para 2018. Aquilo foi uma consequência já desse aquecimento.

A intensificação também de chuvas torrenciais, de ventos muito fortes traz prejuízos como enxurradas, inundações, como a gente vê acontecendo em várias regiões do DF, como Ceilândia e Sol Nascente.

 

2. Como a degradação do Cerrado contribuiu e agrava os eventos climáticos extremos?

O Cerrado é importantíssimo para a recarga dos aquíferos e das bacias de captação de água no Distrito Federal. E o Cerrado faz com que haja uma maior infiltração de água para abastecer essas bacias hidrográficas. A vegetação tem esse papel de melhorar a infiltração da água, não deixar que ela escoe superficialmente.

Além disso, a preservação da biodiversidade é essencial para manter o equilíbrio do bioma e garantir o regime de chuvas do qual dependem as populações que vivem nesse território.

O risco de incêndios florestais também é agravado pelo aquecimento global e pelo desmatamento do Cerrado. O Distrito Federal está exposto a um aumento de incêndios florestais devido ao aumento das temperaturas, à redução do regime de chuvas e à ocorrência de eventos climáticos extremos.

 

3. Muitos ainda veem a questão da mudança climática como algo distante. Quais são os sinais de que essas mudanças já são perceptíveis na rotina da população?

É perceptível que a população brasileira está plenamente convencida de que a mudança climática é um fenômeno que deve ser levado muito a sério e se preocupa com isso, principalmente com o aumento da frequência de eventos extremos.

Vimos essa semana um tornado devastador no interior do Paraná. Em 2024, uma inundação sem precedentes no Rio Grande do Sul, que já tinha ocorrido um fenômeno semelhante em 2023. A crise hídrica de abastecimento de água em São Paulo em 2014 e no Distrito Federal em 2017.

Não é apenas a ciência que está nos alertando para a gravidade desse problema, o nosso dia a dia tem confirmado isso. Não se trata mais de definir ações para evitar cenários catastróficos no final deste século. Trata-se de um problema que chegou e que diz respeito ao presente, ao momento que estamos vivendo, necessitando com urgência das ações de enfrentamento da crise climática.

 

4. O que pode, e precisa, ser feito pela população e pelo poder público para reduzir ou evitar essas consequências das mudanças climáticas?

Nas ações locais, em cada comunidade, é sempre importante que haja uma mobilização local para melhorar o sistema de gestão de resíduos sólidos, como a coleta de lixo, para evitar que esses resíduos sejam dispensados no ambiente de forma irregular, porque isso vai causar um entupimento das drenagens e vai levar a inundações cada vez mais severas. Os governos locais terem um sistema de gestão de resíduos sólidos, justamente para retirar os resíduos sólidos do meio ambiente é muito importante.

Uma iniciativa importante que temos que reconhecer foi o programa de Drenar DF, implantado pelo pelo GDF, feito para aumentar a capacidade de escoamento da água da chuva, chamada de infraestrutura cinza, que redimensiona as drenagens pluviais.

No caso das ondas de calor, é muito importante a melhora do sombreamento. Temos, por exemplo, o Plano Piloto com uma cobertura de árvores importante e extensa que reduz a vulnerabilidade da população que vive lá em relação às ondas de calor.

Por outro lado, temos uma desigualdade ambiental no DF muito grande, pois nas regiões administrativas ao redor do Plano Piloto vemos uma cobertura de árvores muito baixa. A cobertura de árvores nessas regiões, que chamamos de periferias urbanas, são muito precárias e isso aumenta o risco de ondas de calor mais intensas nessas áreas desprovidas de arborização.

Já sabemos o caminho a seguir, mas está faltando implementar isso na prática e transformar isso em ações efetivas.

QUATRO PERGUNTAS PARA:

Professor Saulo Rodrigues Pereira Filho do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB)

1. O que o aumento na média de temperatura do DF significa na prática para os brasilienses?

Como consequência temos primeiro o aumento das ondas de calor que trazem graves prejuízos para a saúde humana, principalmente, em crianças e idosos. Isso pode aumentar a mortalidade da população, o aumento de doenças cardiovasculares e respiratórias.

O segundo é o aumento da evaporação da água. Evapora mais água e com isso uma redução da disponibilidade de água nos reservatórios. Isso aponta um risco elevado do DF voltar a enfrentar uma crise hídrica, como aconteceu em 2017 para 2018. Aquilo foi uma consequência já desse aquecimento. 

A intensificação também de chuvas torrenciais, de ventos muito fortes traz prejuízos como  enxurradas, inundações, como a gente vê acontecendo em várias regiões do DF, como Ceilândia e Sol Nascente. 

2. Como a degradação do Cerrado contribuiu e agrava os eventos climáticos extremos?

O Cerrado é importantíssimo para a recarga dos aquíferos e das bacias de captação de água no Distrito Federal. E o Cerrado faz com que haja uma maior infiltração de água para abastecer essas bacias hidrográficas. A vegetação tem esse papel de melhorar a infiltração da água, não deixar que ela escoe superficialmente. 

Além disso, a preservação da biodiversidade é essencial para manter o equilíbrio do bioma e garantir o regime de chuvas do qual dependem as populações que vivem nesse território. 

O risco de incêndios florestais também é agravado pelo aquecimento global e pelo desmatamento do Cerrado. O Distrito Federal está exposto a um aumento de incêndios florestais devido ao aumento das temperaturas, à redução do regime de chuvas e à ocorrência de eventos climáticos extremos.

3. Muitos ainda veem a questão da mudança climática como algo distante. Quais são os sinais de que essas mudanças já são perceptíveis na rotina da população? 

É perceptível que a população brasileira está plenamente convencida de que a mudança climática é um fenômeno que deve ser levado muito a sério e se preocupa com isso, principalmente com o aumento da frequência de eventos extremos. 

Vimos essa semana um tornado devastador no interior do Paraná. Em 2024, uma inundação sem precedentes no Rio Grande do Sul, que já tinha ocorrido um fenômeno semelhante em 2023. A crise hídrica de abastecimento de água em São Paulo em 2014 e no Distrito Federal em 2017.

Não é apenas a ciência que está nos alertando para a gravidade desse problema, o nosso dia a dia tem confirmado isso. Não se trata mais de definir ações para evitar cenários catastróficos no final deste século. Trata-se de um problema que chegou e que diz respeito ao presente, ao momento que estamos vivendo, necessitando com urgência das ações de enfrentamento da crise climática. 

4. O que pode, e precisa, ser feito pela população e pelo poder público para reduzir ou evitar essas consequências das mudanças climáticas?

Nas ações locais, em cada comunidade, é sempre importante que haja uma mobilização local para melhorar o sistema de gestão de resíduos sólidos, como a coleta de lixo, para evitar que esses resíduos sejam dispensados no ambiente de forma irregular, porque isso vai causar um entupimento das drenagens e vai levar a inundações cada vez mais severas. Os governos locais terem um sistema de gestão de resíduos sólidos, justamente para retirar os resíduos sólidos do meio ambiente é muito importante. 

Uma iniciativa importante que temos que reconhecer foi o programa de Drenar DF, implantado pelo pelo GDF, feito para aumentar a capacidade de escoamento da água da chuva, chamada de infraestrutura cinza, que redimensiona as drenagens pluviais.

No caso das ondas de calor, é muito importante a melhora do sombreamento. Temos, por exemplo, o Plano Piloto com uma cobertura de árvores importante e extensa que reduz a vulnerabilidade da população que vive lá em relação às ondas de calor. 

Por outro lado, temos uma desigualdade ambiental no DF muito grande, pois nas regiões administrativas ao redor do Plano Piloto vemos uma cobertura de árvores muito baixa. A cobertura de árvores nessas regiões, que chamamos de periferias urbanas, são muito precárias e isso aumenta o risco de ondas de calor mais intensas nessas áreas desprovidas de arborização.

Já sabemos o caminho a seguir, mas está faltando implementar isso na prática e transformar isso em ações efetivas.

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postado em 14/11/2025 03:00
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