
Em uma economia marcada pela forte presença do setor público, a indústria começa a dar sinais de avanço no Distrito Federal. Embora ainda represente 4,1% do PIB local, o setor emprega mais de 120 mil pessoas e busca espaço ao apostar em inovação, tecnologia e serviços especializados.
Agora, o DF tenta alinhar esse movimento ao processo de neoindustrialização proposto pelo governo federal — uma agenda que prioriza a modernização industrial focada em tecnologia, sustentabilidade e competitividade global. Longe do modelo tradicional de grandes fábricas, a estratégia brasiliense mira a oferta de serviços sofisticados, tecnologia de ponta e soluções inteligentes como caminhos para reduzir a dependência histórica da administração pública.
Recentemente, a Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra) lançou o documento Neoindustrialização — Oportunidades para a Implementação da Pauta da Indústria do DF, que selecionou 14 ações da política federal e do Plano Plurianual (PPA-DF) — que define as diretrizes, objetivos e metas para um período de quatro anos — consideradas mais viáveis para impulsionar a atividade industrial na capital. A proposta funciona como um mapa de oportunidades para acelerar o crescimento da indústria local.
"Estudamos as ações que o governo federal propôs e transportamos para a realidade do DF, de acordo com suas peculiaridades", explicou o 1º vice-presidente da Fibra, Pedro Henrique Verano. Segundo ele, o DF tem uma base industrial sólida, mas ainda distante do potencial necessário. "Cada R$ 1 investido na indústria gera um retorno de R$ 2,44 para a economia. Todos os setores são impulsionados, amplifica toda a cadeia de consumo", disse ele, reforçando que os postos de trabalho industriais, em geral, são mais qualificados e com remuneração superior à média.
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Com a indústria de transformação instalada no território, o foco agora é avançar para manufaturas de maior complexidade tecnológica. "Isso vai demandar que os mestres e doutores trabalhem aliados à indústria, com a inovação e a tecnologia envolvidas nesse tipo de indústria", avaliou.
A Fibra, que tem como uma das suas ferramentas de apoio o programa Hub da Indústria, cujo objetivo é promover a tecnologia na cadeia produtiva e elevar a maturidade digital do setor industrial brasiliense, especialmente dos pequenos negócios. O resultado final esperado é o aumento da renda, da produtividade e da capacidade de reinvestimento do próprio governo. "Com a alta nas indústrias de ponta, teremos empregos de qualidade, renda para a população e receita para o governo reinvestir nas ações para a população", concluiu Verano.
Para o secretário de Desenvolvimento Econômico Trabalho e Renda, Thales Mendes Ferreira, consolidar a indústria como eixo estratégico é fundamental para impulsionar o crescimento do DF. "Quando estimulamos inovação e produção local, ampliamos oportunidades, fortalecemos a renda e criamos bases sólidas para um desenvolvimento econômico sustentável", ressaltou ao Correio.
Tecnologia
O professor José Luis da Costa Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), explica que a neoindustrialização representa uma retomada da indústria de transformação em bases tecnológicas e sustentáveis. Segundo ele, a proposta do governo federal enfrenta entraves estruturais que se acumulam há décadas. "Em uma série histórica de quase 30 anos do IBRE (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a produtividade da indústria de transformação caiu 0,9% ao ano. Nossa indústria não é competitiva", assinalou. "Além disso, a produção industrial de setembro de 2025 está 16,4% abaixo do valor de março de 2009. Ou seja, a indústria não só encolheu em termos relativos, mas também em termos absolutos", completou.
Para o especialista, a queda da produtividade é consequência direta da perda de escala. "A indústria de transformação tem economias de escala. A produtividade aumenta conforme aumenta a produção. Como a escala diminuiu nos últimos 15 anos, a produtividade caiu. O maior obstáculo é recuperar o nível de produção", explicou.
Soluções, para ele, passam por macroeconomia — e aí está o gargalo da política federal. "Taxas de juros mais baixas e câmbio mais competitivo são fundamentais. Quando as condições macroeconômicas são adversas, qualquer política industrial perde eficácia", argumentou.
Ainda assim, no caso do DF, Oreiro concorda com a análise da Fibra: o caminho local não é competir com polos fabris, mas assumir um papel estratégico apoiado em tecnologia. "A vocação do DF é ser uma cidade de serviços sofisticados. As políticas devem atrair empresas de tecnologia e serviços de informação. Aqui não se sustenta um polo industrial em larga escala, mas, sim, um papel de articular pesquisa, capacitação e prestação de serviços tecnológicos", concluiu.
Incentivos
Na prática, empresas como as Indústrias Rossi exemplificam esse movimento. Mesmo em um território que não nasceu como polo industrial, a companhia cresceu ao apostar em automação, inovação e desenvolvimento tecnológico. "Brasília tem potencial de crescimento na área, uma vez que tudo gira em torno da inovação e tecnologia atualmente", destacou o CEO Sérgio Foresta.
Fundada inicialmente para produzir portões, a empresa se especializou em sistemas automatizados e soluções tecnológicas. Mas o executivo ressalta que o DF ainda enfrenta entraves estruturais. "A principal coisa para atrair empresas são os incentivos. E nós, de Brasília, estamos em desvantagem contra nossos concorrentes. Aqui ao lado, em Goiás, a energia custa 30% menos para as indústrias. No DF, não temos nada parecido", disse.
Mesmo assim, Foresta vê avanços possíveis a partir das propostas alinhadas à neoindustrialização, especialmente em qualificação profissional e crédito para pequenas indústrias. "Ainda temos poucos profissionais focados na indústria. E para as pequenas indústrias, ter um financiamento, um crédito, é fundamental. Ajuda tanto no começo, quando você tem uma ideia, mas não tem capital, quanto no processo de crescimento. Não existe crescimento sem investimento", ressaltou.
Inovação
A inovação tem se consolidado como um dos pilares para que o Distrito Federal avance na agenda de neoindustrialização — e, nesse movimento, a economia criativa ganha protagonismo. Para o Sebrae, Brasília reúne condições estratégicas para que micro e pequenos negócios criativos ocupem um papel central nesse processo, impulsionados pela qualificação da mão de obra local e pelo amadurecimento do ecossistema de inovação, hoje integrado a instituições como a Fibra. "Programas como o ALI — Agentes Locais de Inovação — levam modernização para micro e pequenas empresas, reduzindo custos e ampliando produtividade", explica Carlos Cardoso, gerente de negócios em rede do Sebrae no DF.
Cardoso lembra que áreas como tecnologia, saúde, energia solar, economia circular e eficiência energética também mostram grande potencial, mas reforça que o sucesso da neoindustrialização passa pela capacidade de incluir os pequenos nesse movimento. "O fundamental é integrar tecnologia, apoio para desenvolvimento de soluções e acesso ao mercado. Essa combinação permite que o pequeno negócio criativo participe de forma competitiva da estratégia de neoindustrialização", afirma.
A indústria de vestuário Verdurão, criada há 25 anos, nasceu do desejo de jovens brasilienses de transformar em produto a identidade da capital. Wesley Santos, diretor da marca, lembra que a empresa foi pioneira em valorizar elementos locais — do "véi" ao Eixão, da Rodoviária ao Cerrado.
Mesmo sem uma base industrial robusta, Santos vê o DF como terreno fértil para inovação, criação e novas economias. "Brasília continua sendo a terra das oportunidades. Quando alguém diz que aqui não tem algo, eu acho ótimo — é sinal de que existe uma lacuna para preencher", comenta. Ele defende que o crescimento recente de produtos feitos no DF — de moda a vinhos, cafés e chocolates — mostra que a cidade tem capacidade produtiva e mercado consumidor suficiente para sustentar uma indústria criativa forte. "Brasília vai ditar não só política, mas cultura. A cidade tem talento, inteligência e poder aquisitivo para isso", avalia.
A Verdurão tem apostado em inovação como diferencial competitivo, tanto no processo fabril quanto em tecnologia e sustentabilidade. A marca produz com tecidos certificados, fibras alternativas e ecobotões, além de desenvolver uma inteligência artificial própria para aprimorar gestão e produção. "É vital para o DF entender a importância da tecnologia e da economia criativa. Não existe futuro mantendo a economia dependente só do funcionalismo público", diz. Ele defende políticas industriais sólidas para preparar Brasília para um mercado cada vez mais automatizado. "As pequenas empresas são onde surgem as grandes inovações. O DF precisa apostar nisso com seriedade", conclui.
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Saiba Mais
Ações locais propostas
Pelo GDF
- Promoção de Brasília como destino de investimentos: divulgação e ações para atrair empresas e melhorar o ambiente de negócios, por meio de programas como o PDAI e o Procidades II;
- Financiamento a pequenos empreendedores: concessão de empréstimos e financiamentos para pequenos negócios produtivos no DF e no Entorno, visando gerar emprego e renda;
- Fomento ao mercado fornecedor local: criação de um programa que prioriza micro e pequenas empresas nas licitações públicas, fortalecendo fornecedores locais. Inclui iniciativas, como o Prospera-DF, para financiar pequenos empreendimentos;
- Programa de qualificação tecnológica: cursos e capacitações focados em tecnologia, inovação e demandas do mercado, preparando trabalhadores para a transformação digital;
- Revisão do Plano Distrital de Resíduos (PDGIRS): atualização da política de resíduos sólidos, incluindo logística reversa e fortalecimento da cadeia de reciclagem;
- Projetos de inovação e empreendedorismo: apoio à criação de tecnologias, ao desenvolvimento de pesquisa e à infraestrutura científica e de inovação;
- Bolsas universitárias para pesquisa (PDGI): incentivo à formação e ao desenvolvimento de projetos inovadores em universidades;
- Regulamentação do Marco Legal de Inovação: atualização da legislação para facilitar parcerias, pesquisa tecnológica e o uso seguro de dados em iniciativas públicas;
- Implantação do Parque Tecnológico Biotic: consolidação do Biotic como polo de inovação, atraindo startups, instituições científicas e empresas de base tecnológica;
- Ações para redução de resíduos: medidas para minimizar a geração de resíduos e melhorar a gestão sustentável no DF.
Pelo governo federal
- Plano local da PNCE: desenvolvimento de um plano regional para ampliar a cultura exportadora, oferecendo capacitação, apoio técnico, conexão com eventos e articulação entre órgãos públicos e privados;
- Selo Verde Brasil: criação de uma certificação nacional para produtos e serviços com sustentabilidade comprovada, facilitando acesso ao mercado internacional;
- Ampliação de vagas na educação técnica: expansão da oferta de ensino profissional e tecnológico, alinhada às necessidades das empresas e com fortalecimento da Rede Federal de Educação Profissional;
- Programa Potencializee: iniciativa de eficiência energética em pequenas e médias indústrias, com parceiros como Senai, EPE, Abesco e BNDES.

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