Entrevista

"Artistas devem ter engajamento político", diz António Zambujo

O cantor e compositor português (que se apresentará em Brasília em 7 de agosto), defende que todos têm opinião, mas vê com cautela o que ocorre no Brasil, em que, com a polarização, as pessoas não respeitam o pensamento alheio

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 20/07/2022 15:24 / atualizado em 20/07/2022 18:09
Aos 46 anos — completará 47 em setembro —, Zambujo conta que a sua formação musical se deu por camadas -  (crédito: Reprodução/Instagram/@antonio.zambujo/(25/07))
Aos 46 anos — completará 47 em setembro —, Zambujo conta que a sua formação musical se deu por camadas - (crédito: Reprodução/Instagram/@antonio.zambujo/(25/07))

Lisboa, Portugal — António Zambujo, uma das vozes mais expressivas de Portugal na atualidade, desembarca no Brasil para uma nova turnê. O cantor e compositor começa os shows pelo Rio de Janeiro, em 28 de julho, e encerra a maratona em Brasília, em 7 de agosto. O repertório, que passa pelo fado e pelas canções tradicionais de sua terra, o Alentejo, está permeado pela influência da música brasileira, mais precisamente do que ele classifica como a Santíssima Trindade: João Gilberto, Vinícius de Moraes e Tom Jobim.

Aos 46 anos — completará 47 em setembro —, Zambujo conta que a sua formação musical se deu por camadas. “As minhas influências apareceram aos poucos. Nasci numa região do Sul de Portugal (Beja), que é muito musical. Desde criança, temos contato com a música tradicional. Foi uma base muito importante”, diz. Mais tarde, uma irmã do pai dele lhe mostrou outros caminhos. “Ela era a única pessoa da família que gostava de cantar, era fadista, tinha uma voz muito bonita, e me apresentou uma coleção de discos e de livros de poesia”, acrescenta.

Ainda muito jovem, nos anos de 1980, deparou-se com um preconceito disseminado contra o fado, ritmo que, na visão de muitos portugueses, tinha forte ligação com a ditadura militar que comandou o país por décadas, sendo limada em 1974, na chamada Revolução dos Cravos. “Mas não deixei de ouvir, de aprender as letras e de cantar”, ressalta. Foi, no entanto, quando ouviu um disco de João Gilberto que a vida dele mudou completamente.

“A música brasileira entrou na minha vida por causa do João Gilberto, que acabou por ser tudo na música brasileira. Enquanto intérprete, cantava todos os poetas, compositores. A partir daí, conheci a Santíssima Trindade, João, Vinícius e Tom. Depois, me apaixonei muito por uma compositora, Dolores Duran. Mais tarde, Chico Buarque, Caetano Velloso”, diz. “Quando temos uma paixão, ficamos obcecado. Então, não cansava de ouvir, e continuo sem descansar, pois sempre que aparece alguma coisa nova e tenho acesso, continuo acompanhando.”

Zambujo garante que a música brasileira, que ganhou o planeta sobretudo por meio da Bossa Nova, da qual ele é um fervoroso apaixonado, continua influenciando mundo afora. “Não conheço tudo que se produz no Brasil, mas o país continua relevante musicalmente”, assinala. Das safras mais recentes, ele diz que gosta muito de Rodrigo Amarante e Marcelo Camelo, do Los Hermanos, Tim Bernardes, Cícero e Clarice Falcão.

No entender dele, muito da aceitação de sua obra no país tem a ver com o que absorveu de música brasileira. Ele lembra que, no primeiro show que fez no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, estavam na plateia Chico, Ney Matogrosso, Caetano, Milton Nascimento. “Foi muito louco”, frisa, emendando: “A aceitação do meu trabalho no Brasil, penso, é porque tenho muito da música brasileira no meu sangue”.

Tímido e um pouco supersticioso — afirma ter receio de dizer que tem muita sorte porque pode deixar de ter —, Zambujo não vem de uma família envolvida com artes. Assegura que foi sua teimosia que o levou aos palcos (aos 8 anos começou a estudar clarinete). “Eu nunca quis fazer outra coisa que não fosse música”, afirma. E brinca: “Fiz questão de ser mau aluno na escola para me dedicar à música”.
Reconhece que tem talento para o que faz, mas enfatiza que é importante construir uma carreira em função do gosto que se tem, em função da própria arte, do que se escuta. “A música que ouvimos é determinante até na forma como nos vestimos e falamos, como encaramos a própria vida. Vai se construindo uma identidade”, acredita Zambujo.

Para o cantor, é importante que os artistas tenham engajamento político, sobretudo neste mundo tão polarizado. Porém, vê com cautela a acirrada polarização política que domina o Brasil. “Eu sou a favor do engajamento político, porque não somos um pedaço de madeira, uma pedra. Cada um tem a sua opinião, e cada um tem que respeitar. O que eu noto no Brasil é que isso não tem havido. As pessoas têm a sua opinião, e acho bom, mas não aceitam a opinião dos outros. É importante haver discussão, mas com respeito”, assinala.

Neste momento, Zambujo trabalha em três projetos. Um, no qual fará uma releitura de três discos marcantes na história da música portuguesa e que estão intimamente ligados ao 25 de abril (Revolução dos cravos), que fará 50 anos em 2024. São obras de José Mário Branco, Zeca Afonso e Sérgio Godinho. Outro tratará do universo feminino, e chamará Antónia. Falará do envelhecer, dos cabelos brancos, dos problemas com isso, de mães solteiras, de casos fortes. O terceiro disco deverá sair ainda neste ano. Sobre redes sociais, prefere citar a frase de um ator amigo: “Prefiro um raminho de alecrim que 4 mil quilos de merda”. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Correio.

Como o senhor vê hoje o papel do artista neste mundo tão confuso e tão polarizado?

Criar mais confusão (risos).

A arte é a salvação, muda esse contexto tão difícil pelo qual passamos?

Nós não temos o dom de encontrar solução para tudo. Creio que cada um tem que encontrar a sua própria salvação. No meu caso, a arte tem um papel muito importante na minha vida, para manter um pouco a sanidade, para continuar me apaixonando pelas coisas bonitas.

A percepção atual no Brasil é de que a cultura deixou de ser prioridade. Como está isso em Portugal?

Em Portugal, a cultura é sempre prioridade para quem a escuta, para quem a ouve. Não estamos falando do papel de entidades, nem nada dessas coisas. Nós fazemos música para quem nos escuta, não é para outras coisas.

O senhor é a favor do engajamento político, como estamos vendo no Brasil às vésperas das eleições presidenciais?

Eu sou a favor do engajamento político, porque não somos um pedaço de madeira, uma pedra. Cada um tem a sua opinião, e cada um tem que respeitar. O que eu noto no Brasil é que isso não tem havido. As pessoas têm a sua opinião, e acho bom, mas não aceitam a opinião dos outros. É importante haver discussão, mas com respeito.

Durante um bom tempo, a música brasileira foi referência no mundo. O que se produz hoje no Brasil continua chamando a atenção?

Algumas coisas, sim. Não conheço tudo que se produz no Brasil. Conheço muito, por exemplo, Rodrigo Amarante (Los Hemanos), Marcelo Camelo (Los Hermanos), Tim Bernardes, Cícero, Clarice Falcão e uma série de artistas que gosto muito.

Como artistas brasileiros e portugueses podem difundir a nossa língua mundo afora?

Minha pátria é a língua portuguesa. Para difundir essa língua é preciso conhecê-la e tocar. E a música é um dos caminhos.

De que forma o senhor vê o papel das redes sociais na difusão de sua música?

Eu uso as redes sociais exclusivamente para a divulgação dos meus concertos. As redes são geridas pela minha equipe.

Quando o senhor fala em redes sociais, sempre usa o exemplo de um ator que disse preferir um “raminho de alecrim que 4 mil quilos de merda”. É isso mesmo?

Exatamente. Hoje, as pessoas vivem obcecadas, fazem tudo por um like. Não gosto de viver assim, mas aceito e respeito quem é assim.

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