Cinema

Mostra no CCBB celebra o gênio Charles Chaplin

Charlie Chaplin, um dos maiores artistas do cinema, é homenageado com uma mostra de quase 80 filmes no CCBB

 2025. Divirta se Mais. Charles Chaplin, -  (crédito:  Divulgacao/CCBB)
2025. Divirta se Mais. Charles Chaplin, - (crédito: Divulgacao/CCBB)

Foi o crítico de cinema escocês Gilbert Adair quem decifrou o alvo perfeito para os filmes do gênio cômico Charlie Chaplin: "O seu público era o mundo". Com a segurança de trazer preciosidades para os cinéfilos da capital (incluído neste mar de público), o CCBB apresenta a mostra Chaplin, a partir de hoje, integrada por lote de quase 80 filmes do inglês perpetuado como sinônimo de cinema. A programação se estende até 3 de agosto (a R$ 5, a meia). Hoje e amanhã, entretanto, com exibições, respectivamente, de Tempos modernos e Luzes da cidade, em sessões especiais gratuitas, a atmosfera é de resgate do cinema a céu aberto (às 18h30, com direito à mostra de curtas, a partir das 17h10). 

"Chaplin subordinou totalmente o cinema ao que tinha a dizer sem se preocupar em se conformar com qualquer especificidade da técnica", afirmou o ensaísta francês André Bazin, ao se referir ao criador do clássico Em busca do ouro (1925), que, em 1975 se viu Cavaleiro da Coroa Britânica. Afirmado nas telas entre os anos de 1910 e 1920, Carlitos (o icônico personagem) emulava traumas do filho de artistas, de infância pobre e de sofrimento contínuo com o pai (Sir. Charlie Chaplin) entregue ao alcoolismo e da mãe Hannah, consumada por crescente perturbação mental, quando o criador não chegava nem aos 15 anos. Aos sete anos, vale a lembrança, ele esteve, à sorte, no Orfanato Hanwell. 

Chegado a Los Angeles em meados dos anos de 1910, Chaplin galgou uma carreira sem precedentes, resultante em 81 filmes feitos em 54 anos: estabeleceu (como cofundador) a United Artists, trabalhou com equidade ao lado da diretora Mabel Normand e projetou a primeira personalidade infantil da história do cinema, o menino Jackie Coogan (visto em O garoto, de 1921). Formado em Harvard, foi o crítico James Angee quem cravou estar em Luzes da cidade (o filme com a florista cega, de 1931) como "o momento mais grandioso do cinema".

Modelado à época do Keystone Film Studio, quando Chaplin migrou dos palcos do vaudeville para o cinema, o Adorável Vagabundo, como registrou livro de Stephen Wissman, partiu da aristocrática postura do ator, "na contradição (do visual) esfarrapado, mas, ao mesmo tempo, (projetado) um cavalheiro", demarca o texto, citando diretamente a fonte de Chaplin para a centelha inicial de Carlitos. De certo ângulo fica patente a eterna atualidade do mestre que, com O imigrante (1917) parodiou o sonho americano; arriscou dar vida ao viúvo associado a múltiplos feminicídios (em Monsieur Verdoux, de 1947, baseado no Barba Azul); apostou no salvo conduto associado à religião (Pastor de almas, de 1923) e que, em discurso célebre de O grande ditador (1940), profetizou: "Nossa inteligência nos tornou duros e brutais".

Tida como "socialista" na Itália e Alemanha, a obra-prima Tempos modernos (1936) foi proibida em ambos países. Depois do pódio com o Oscar, por O circo (1928), o profícuo artista, que chegava a ser até mesmo compositor, encontrou o reverso da moeda, com a chamada caça às bruxas (mais um dado megacontemporâneo), quando foi acusado pela frente macarthista, e se recolheu em exílio, em 1952. Distante dos esquetes adocicados e serenos, ele revidou, via cinema, com o corrosivo Um rei em Nova York (1956), e só viria a se reconciliar com Hollywood, em 1973, com outro reconhecimento por cerimônia do Oscar. Aos 88 anos, na Suíça,  o rei das gags perenes morreria no natalino 25 de dezembro de 1977. Legou, numa das ácidas falas, um presente absolutamente atual para a intelligentsia, ao confirmar a calculada distância dos EUA, até mesmo "se o presidente fosse Jesus Cristo". Que diria hoje, com os tais tempos modernos em curso?

Entrevista // José de Aguiar, curador da mostra

Dentro de alguma perspectiva contemporânea, o discurso de quais filmes são válidos?

Vários aspectos da obra de Chaplin ainda permanecem válidos. O primeiro deles e mais óbvio é o caráter universal da sua comédia. Continua atual a maneira como ele constrói o seu humor a partir de situações inusitadas do cotidiano, subvertendo uma realidade comum, e usando como matéria-prima principal o seu próprio corpo. A forma como ele extrai as risadas do público permanece valida e podemos ver o reflexo do seu estilo em obras mais recentes. Além disso, de um ponto de vista temático, é inegável que a maneira como ele trata a figura dos mais desfavorecidos, dentro de uma visão humanista, algo bastante atual. A inspiração que os problemas e dificuldades do início do século 20 pareciam gerar em Chaplin seguem os mesmos até hoje. Essa é uma das razões pelas quais seu personagem Carlitos, com seu espírito zombeteiro, ainda seja capaz de gerar identificação com um público contemporâneo.

A comédia de Chaplin traz que ingredientes centrais?

A comédia de Chaplin tem três estilos de eixo. O primeiro, que está mais na superfície, e atinge o público de forma mais universal, seria aquele que ficou conhecida no Brasil como comédia "pastelão" e que nos Estados Unidos é chamada de "slapstick" , um estilo de humor físico em que a piada está na interação exagerada entre comediantes e o ambiente em volta deles. Nela, abundam ações atrapalhadas como pancadarias, tropeços e ações tresloucadas.

Um clássico de Chaplin que usa esse estilos de comédia é o curta-metragem A casa de penhores (1916), onde um cliente atrapalhado e intrometido, se mete em diversas confusões ao tentar mexer em objetos de uma casa de penhores, para o desespero de um assistente que trabalha ali. Uma segunda camada é o da comédia de costumes, um humor mais sutil onde a piada é construída a partir de códigos sociais que são subvertidos ou que têm seus limites testados, como um homem que paquera uma mulher casada sem saber, uma pessoa que entra num recinto inadvertidamente sem autorização, ou na simples dificuldade de interação entre pessoas em um teatro, como no caso de Carlitos no teatro (1916), onde um homem da alta classe tenta assistir a um concerto de música clássica em paz mas tudo e todos em volta dele não permite que ele aprecie o espetáculo.

A terceira camada da comédia chapliana é a da sátira ou crítica social, que perpassa praticamente toda sua obra inicial e também vários dos seus longas consagrados. O humor nesse caso se dá através principalmente a partir das construção do seu personagem mais recorrente, Carlitos, cuja própria essência errante, condição maltrapilha e desacordo com o mundo ao seu redor denota uma forte crítica à miséria em meio à riqueza do mundo moderno e o contraste entre ricos e pobres no interior do capitalismo. Algo especialmente salientado em Vida de cachorro.

A vida pessoal de Chaplin deu sinalizações de estar refletida na obra?

Sim. Sua origem humilde e toda sorte de dificuldades pelas quais passou ao longo de sua infância e juventude se refletem bastante na maneira como ele aborda questões como a pobreza, os percalços da vida cotidiana de pessoas humildes, o sentimento de superação, a busca da alegria em coisas simples, conseguindo encontrar humor mesmo em situações de extrema dificuldade e sofrimento. A própria figura de Carlitos, o seu personagem mais conhecido, resume as dificuldades que enfrentou quando ainda era um jovem garoto humilde em Londres e de como isso se refletiu em suas criações artísticas.

Chaplin se ressentiu do tratamento americano dado à época do macarthismo?

Sim. Chaplin se sentiu muito incomodado com o tratamento que recebeu a partir da ascensão do macartismo nos Estados Unidos em meados dos anos 40. Por ser uma figura pública muito conhecida foi bastante perseguido por autoridades do governo e sofreu uma campanha de difamação por parte da imprensa, o que o deixou bastante amargurado. Apesar de sua origem inglesa, Chaplin sempre se sentiu bastante à vontade nos Estados Unidos e possuía um imenso sentimento de gratidão em relação à América e tudo que ela deu a ele, tanto em termos de fama e fortuna, quanto de realização artística. Por conta disso, nunca quis abandonar o país e seu exílio foi forçado por autoridades americana que revogaram seu passaporte enquanto fazia uma viagem à Inglaterra em 1952.

Quais os desafios de mexer com uma obra monumental de um ícone altamente reconhecido?

O primeiro grande desafio diz respeito ao próprio tamanho da obra. Com mais de 83 títulos realizados ao longo de quase 60 anos, tivemos uma grande dificuldade de reunir todos esses filmes e negociar os direitos e buscar cópias restauradas digitais em alta qualidade, além dos acervos que nos cederam cópias de preservação em 16mm que também serão exibidas na mostra. Além disso, um outro grande desafio foi em produzindo um catálogo com muito textos inéditos, nunca publicados no Brasil, que tentam de alguma forma explicar a grande importância desse artista para a história do cinema mundial e ajudar a entender sua influência.

Quando despontou a genialidade do artista, e ele efetivamente assumiu posto autônomo, entre tantas frentes de criação?

Chaplin inicia sua carreira no cinema em 1914 nos estúdios Keystone, do famoso produtor de comédias Mack Sennett. No segundo filme em que trabalha, cria o seu icônico personagem Carlitos, o vagabundo, tornando-o famoso praticamente do dia para noite. Durante os primeiros filmes trabalha apenas como ator desenvolvendo seu famoso personagem e a partir de um certo momento começa também a dirigir os seus filmes e depois escreve seus primeiros roteiros com autonomia ainda bastante limitada. Depois de participar de 36 produções na Keystone ao longe de 1914, Chaplin, em busca de uma autonomia maior, assina um contrato com o estudio Essanay em 1915, onde começa a desenvolver projetos artisticamente independentes. No ano seguinte, assina um novo contrato com a Mutual, onde também passa a produzir seus filmes juntamente com seu irmão. A partir daí, ganha controle absoluto sobre suas obras, controle esse que jamais abriria mão depois.

Como se deu o enfrentamento com Hitler, em O grande ditador?

Não houve um enfrentamento direto entre ambos. Apesar disso, o filme foi proibido durante o regime nazista tanto na Alemanha quanto nos países ocupados pelo eixo ao longo da Segunda Guerra Mundial. Na Alemanha, mesmo depois do fim da guerra, o filme permaneceu censurado até 1958, por seu conteúdo "sensível". Existem relatos à época que afirmam que Hitler teria obtido uma cópia do filme vinda de Portugal e projetado ele pelo menos duas vezes, apesar de nunca ter feito nenhum comentário público a respeito. Ao contrário do que normalmente se imagina, apesar de o filme ter sido concebido por Chaplin como uma resposta à ascensão do nazismo, o filme na verdade causou muitos problemas para Chaplin dentro dos Estados Unidos, por conta do discurso final do filme, que tem uma mensagem humanista e pacifista que foi interpretada por muitos como um discurso antiamericano e pró-comunista, incluindo o chefe do FBI à época, J. Edgard Hoover. Com a onda macarthista, que surgiu com o início da Guerra Fria, a situação de Chaplin na América foi se deteriorando.

Ele respondeu por fiascos? E há razões?

Desde 1914, quando Chaplin inicia a sua carreira no cinema, o sucesso de público e de crítica foi praticamente ininterrupto por quase 30 anos. Porém, depois de O grande ditador, seu último grande sucesso, Chaplin começa a sentir o peso da idade e se vê alvo da perseguição política do macarthismo e seus filmes ganham um tom amargo e uma dimensão de crítica ao clima sombrio da época, o que afasta o público de filmes como Monsieur Verdoux (1947) e Luzes da ribalta (1952). A partir daí, Chaplin nunca mais conseguiria se relacionar da mesma forma com seu público.

 

  • Divirta se Mais. Charles Chaplin. (Carlitos)
    Divirta se Mais. Charles Chaplin. (Carlitos) Foto: Getty Images
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    Archive-PAm1379 Foto: Divulgacao/CCBB
  •  2025. Divirta se Mais. Charles Chaplin,
    2025. Divirta se Mais. Charles Chaplin, Foto: Divulgacao/CCBB
postado em 12/07/2025 06:00 / atualizado em 17/07/2025 14:47
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