
Neste domingo, o pianista e compositor pernambucano Amaro Freitas apresenta o último trabalho Y'Y no Cena Contemporânea, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional. Brindado como Melhor instrumentista do ano pelo Prêmio Multishow, Amaro se inspirou no período em que morou com a comunidade amazônica Sateré Mawé e utilizou madeira amazônica e sementes para alterar a sonoridade do piano no novo projeto.
Para a apresentação, Amaro Freitas estará acompanhado de Sidiel Vieira, no contrabaixo acústico, e Rodrigo Braz, na bateria. Ele selecionou uma setlist com composições que marcam sua trajetória. Ao Correio, Amaro fala sobre a influência da Amazônia no trabalho como pianista, o que o público pode esperar da apresentação no Teatro Nacional e a importância de trazer mensagens de preservação da natureza.
Cinco perguntas para Amaro Freitas
Como a Amazônia surgiu no seu trabalho como pianista?
O disco de Naná Vasconcelos que fez um tributo à Amazônia criou o imaginário desse território por meio dos sonhos e isso já despertava uma curiosidade. Esse disco foi, inclusive, um TCC para a criação desse álbum, que é um tributo também. Quando tive a oportunidade de fazer o primeiro show do Teatro Amazonas, eu pude conhecer o estado a partir de uma outra perspectiva, que não era a da TV ou de uma revista, mas sim, de experienciar mesmo, de vivenciar, de ver aquele povo, aquela metrópole, aquele porto, como as coisas funcionam, os rostos diferentes. Era um outro Brasil que se apresentava para mim. Tudo isso influenciou nesse processo do meu disco. Eu acho que aquela agonia do Porto da Amazônia, a temperatura, a floresta, o rio, as árvores milenares, a vivência com a comunidade indígena Tukano, com os Sateré Mawé, perceber os vários tipos de discussões que estão rolando lá, e também a fantasia das lendas da água e da floresta, tudo isso foi extremamente importante para influenciar e criar o roteiro desse álbum.
De que maneira o período morando com a comunidade amazônica Sateré Mawé te inspirou?
Eu fiquei, na primeira vez, 15 dias, e, na segunda, 10 dias. Foi com os Sateré Mawé que eu apresentei o trabalho de piano preparado que eu vinha construindo e, de alguma forma, estava descobrindo que esse meu piano preparado tinha uma identidade muito brasileira, diferente do piano preparado do John Cage, grande referência para esse tipo de técnica. Era mais tropical e eu já tinha comprado sementes amazônicas da primeira vez que fui lá e usava dentro do piano, tocando as cordas. E tinha muito esse som tropical mesmo, sentia esse som do piano quente, úmido também. Eu sentia que caminhava uma das coisas mais incríveis da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica, que é a diversidade de árvores que a gente tem. Em qualquer outro lugar do mundo, você teria que andar muitos quilômetros para encontrar uma paisagem tão diferente. E, aqui, a nossa própria floresta já é diversa. Então, essa troca dos saberes com os indígenas, perceber esse território que dialoga tanto na floresta e com o povo brasileiro, essa coisa de a gente também ter a diversidade culinária. Eu acho que tudo isso fez parte de como compor essas músicas e atravessar várias camadas diferentes em uma só música.
E, para mim, ter essa troca com a comunidade Sateré Mawé foi o último sinal que eu precisava para entender a dimensão desse disco que já vinha sendo construído há cinco anos e de uma nova forma de tocar o piano que eu já tinha iniciado há 10 anos. Então, estar na Amazônia foi como conhecer um Brasil mais profundo, foi como conhecer a mim mesmo, conhecer esse território como nunca foi me apresentado na época que eu estava na escola. Eu não estudei dessa forma sobre os indígenas. Então, essas outras perspectivas indígenas foram realmente enriquecedoras para a construção desse álbum.
Em Y'Y, você utiliza madeira amazônica e sementes para criar novos sons no piano. O que esses elementos agregaram à sua música?
Eu acho que esses elementos trazem exatamente aquilo que eu falo de identidade brasileira no piano preparado. Eu consegui criar um piano preparado que tem a identidade brasileira usando sementes amazônicas, prendedor de roupa, apitos amazônicos, jogo de dominó, fita. É uma atmosfera que flerta entre algo parecido com música eletrônica e, ao mesmo tempo, a sensação de estar dentro do rio ou dentro de uma floresta. Eu acho que esse é um grande diferencial, a criatividade está relacionada a quando a gente consegue transformar algo e criar algo que não era existente. Acho que existe referência, existe um caminho, mas eu consegui chegar em um outro lugar com esse piano preparado e com certeza ter essas sementes junto com as cordas do piano, tem hora que você escuta o som, parece que está rolando um trovão, tem hora que está parecendo uma chuva, tem hora que parece o mistério da floresta à noite. Eu acho que o som da Mbira também ajudou bastante. A Mbira, que nem é um instrumento brasileiro, é um instrumento africano, que também deu um tom muito especial.
Qual é a importância de trazer mensagens de não desmatamento de preservação da natureza por meio das suas músicas? Como isso se traduz no seu trabalho?
Esse trabalho é um tributo e fala da beleza desse território, mas também é um chamado. A importância é entender que a arte que eu faço, ela não está alheia à vida de qualquer ser humano neste planeta. É um chamado para gente entender que a vida acontecer neste planeta foi algo muito raro e muito improvável e entender que existe uma responsabilidade. A preservação das florestas, a não poluição dos rios, projetos sustentáveis são extremamente importantes nesses tempos agora. Eu acredito que já passou do tempo que o planeta disse assim: "Olha, vai até aqui". Eu acredito que a gente já ultrapassou essa barreira. Eu acredito que a gente já mexeu muito no que se diz respeito a altas temperaturas, aos climas desbalanceados. Não entendem que o que você está fazendo para gerar capital está prejudicando o próprio território onde você vive. O capital se tornou a grande importância desse planeta e isso me faz refletir. A gente precisa ter políticos, pessoas envolvidas com essas causas e eu acredito, que por meio da arte, eu também tenho um papel social e político. Queria trazer com a minha música a beleza desse território, mas também um chamado ao narcotráfico, ao desflorestamento, a essa briga entre donos de fazendas e indígenas, ao reconhecimento desse território e desse povo que já morava aqui antes da gente chegar. Eu tenho muito orgulho de ter conseguido circular com esse trabalho no Japão, na Europa, nos Estados Unidos e falado sobre essa questão que é mundial. Para mim, é impossível não atrelar o tempo que a gente vive com a arte que eu faço.
Você costuma dizer que as pessoas que vão ao seu show esperam viver uma experiência. Como você define suas apresentações? O que o público pode esperar?
As minhas apresentações são a parte mais bonita sobre mim, sobre a minha dedicação a esse instrumento e o compartilhamento da música no palco. O público sente isso e a energia que emana da plateia é fundamental para a nossa manutenção. No momento que eu estou no palco uma chave vira, é o meu ritual, a celebração da nossa existência. É a música como um ponto de cura, de conexão, como um ponto de melhora dessa vida, uma dinâmica de vida muito frenética. Isso é uma coisa que eu percebi também indo na comunidade indígena. O nosso tempo é muito rápido, então naquele curto espaço de tempo que estamos no teatro, estamos fugindo um pouco, acessando a nossa espiritualidade através da música. Eu quero estar completo para dar o meu melhor, porque eu sei que muitas pessoas vêm ao meu show esperando viver uma experiência incrível. E isso é a coisa mais bonita que eu poderia esperar de alguém. Eu fico muito emocionado e grato por isso. Eu espero que seja realmente um concerto incrível.
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Diversão e Arte
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