CINEMA

Grandes histórias em poucos minutos: Festival de Brasília exibe 11 curtas

Trazendo narrativas potentes e diversas, a Mostra Competitiva Nacional se inicia no festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Dança dos Vagalumes, de Maikon Nery (PR) -  (crédito: Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro )
Dança dos Vagalumes, de Maikon Nery (PR) - (crédito: Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro )

Com início neste sábado (13/9), a Mostra Competitiva Nacional de Curtas traz para o Cine Brasília 11 curtas com narrativas e formatos cinematográficos muito diferentes. Histórias LGBTQIAPN , documentários sobre experiências pessoais dos diretores e projetos com abordagens políticas compõem o festival com realizadores de norte a sul do país.

Único curta do DF, Fogo Abismo tem direção de Roni Sousa em sua estreia no festival. O documentário aborda lembranças de infância na Vila Rabelo, uma das maiores ocupações de Brasília. "O filme coloca em contraste a cidade planejada e as ocupações, trazendo à tona as tensões que atravessam quem vive nesses lugares. É uma obra construída de dentro da comunidade onde cresci. Meus pais e familiares foram alguns dos primeiros moradores, e essa vivência está em vários detalhes do filme. O diferencial é mostrar que a periferia pode produzir suas próprias imagens e narrativas, sem necessariamente precisar do olhar de fora", reforça Roni.

Misturando documentário e ficção, Logos chega com direção de Britney, do Rio Grande do Sul. "Logos nasceu da experiência de perder a consciência — em 2020, fiquei intubada durante 14 dias com covid. O filme parte dessa vivência para refletir sobre memória, afeto e a corporalidade trans em um espaço hospitalar", conta a diretora. O curta pega um momento tão delicado e pessoal e transforma em arte, compartilhando a vivência ao público.

  • Fogo Abismo, de Roni Sousa (DF)
    Fogo Abismo, de Roni Sousa (DF) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Replika, de Piratá Waurá e Heloisa Passos (MT)
    Replika, de Piratá Waurá e Heloisa Passos (MT) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Fogo Abismo, de Roni Sousa (DF)
    Fogo Abismo, de Roni Sousa (DF) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • A Pele do Ouro, de Marcela Ulhoa e Yare Perdomo (RR)
    A Pele do Ouro, de Marcela Ulhoa e Yare Perdomo (RR) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Cantô Meu Alvará, de Marcelo Lin (MG)
    Cantô Meu Alvará, de Marcelo Lin (MG) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Couraça, de Susan Kalik e Daniel Arcades (BA)
    Couraça, de Susan Kalik e Daniel Arcades (BA) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Boi de Salto, de Tássia Araújo (PI)
    Boi de Salto, de Tássia Araújo (PI) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini (RJ)
    Laudelina e a Felicidade Guerreira, de Milena Manfredini (RJ) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Faísca, de Bárbara Matias Kariri (AC)
    Faísca, de Bárbara Matias Kariri (AC) Fotos: Festival de Brasília do Cinema Brasileiro/Divulgação
  • Dança dos Vagalumes, de Maikon Nery (PR)
    Dança dos Vagalumes, de Maikon Nery (PR) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Safo, de Rosana Urbes (SP)
    Safo, de Rosana Urbes (SP) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro
  • Faísca, de Bárbara Matias Kariri (AC)
    Faísca, de Bárbara Matias Kariri (AC) Divulgação/ Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Diretamente de São Paulo, Rosana Urbes chega ao festival com a animação Safo, curta inspirado na vida e obra de Safo de Lesbos, poetisa do século VI a.C., considerada uma das primeiras mulheres autoras da humanidade. O curta é a única animação selecionada na Mostra Competitiva Nacional. "Isso já diz muito: revela a riqueza e a diversidade da seleção, que reúne realizadores de diferentes regiões do Brasil, com filmes de ficção, híbridos e documentários. Ter a animação incluída neste conjunto é fundamental, porque ela também compõe esse espectro de talentos, de autoria e de diversidade que formam o cinema brasileiro", comenta Rosane.

Maykon Nery, diretor paranaense, apresenta Dança dos vagalumes que narra a história de Joana, menina que retorna ao assentamento do MST onde viveu a infância para trabalhar como professora. "É um drama íntimo e, ao mesmo tempo, coletivo, ambientado em um território atravessado por luta e memória. Acredito na força da poesia para tratar de temas materiais. O filme se constrói nesse lugar híbrido, entre invenção e realismo, ficção e documentário", conta Nery.

O curta Faísca, com direção de Bárbara Matias Kariri, traz a história do desaparecimento de onças em uma comunidade indígena na Caatinga, onde Bárbara nasceu. A diretora de fotografia, Silvia Kariri, destaca que o bioma é uma das regiões mais suscetíveis a alterações climáticas projetadas para o futuro. "Dessa forma, o filme trata de um pedido de socorro, não somente das onças, mas das espécies da flora e da fauna da caatinga", reforça.

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Dirigido pela carioca Milena Manfredini, Laudelina e a felicidade guerreira homenageia Laudelina de Campos Mello, pioneira na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil. A militante fundou o primeiro sindicato da categoria e lutou para melhorar as condições de trabalho e reconhecimento de mulheres. "O diferencial do filme está em iluminar a história de uma mulher negra fundamental para o país, mas ainda invisibilizada no imaginário coletivo. Na mostra, ele reafirma a urgência de reconhecermos essas vozes que transformaram nosso presente", avalia a diretora.

O curta piauiense Boi de salto, da diretora Tássia Araújo conta a história de Abdias, jovem gay que sonha em dançar de salto no grupo de bumba-meu-boi mais antigo da sua cidade. "Mais conhecido patrimônio cultural do Maranhão, a ideia do filme é registrar que essa lenda faz parte da cultura popular do Piauí também. A obra usa o salto alto como símbolo de uma transgressão para o rompimento de uma tradição, para a abertura de possibilidade de novos movimentos culturais, destaca a diretora. Tássia já esteve presente como público em três edições do festival e estar com o filme é uma realização para ela.

Susan Kalik e Daniel Arcades dividem a direção no filme Couraça, que traz a estética e o universo do cangaço atravessados por narrativas LGBTQIAPN . No curta baiano, dois cangaceiros amantes cruzam o sertão após o massacre do bando de Lampião. "Couraça é um filme sobre caminhos. Sobre para onde a gente vai quando as coisas mudam repentinamente. Há quem siga em uma nova direção, há quem volta para trás, e aqueles que desejam continuar para onde estavam indo, mesmo que já não haja mais nada lá. É nessa encruzilhada que estão nossos personagens", relatam os diretores.

Filme de Roraima, o documentário A pele do ouro, dirigido por Marcela Ulhoa e Yare Perdomo, cria um retrato da jovem migrante Patri que se arriscou no garimpo da Amazônia em busca de sobrevivência. "O filme é totalmente construído a partir de seu texto e de suas experiências, revelando o Norte do país, uma região marcada pelo garimpo, mas onde raramente se escuta a perspectiva das mulheres que atuam na cozinha ou no trabalho sexual, muitas vezes exploradas. O diferencial está justamente em colocar em primeiro plano a voz de Patri", ressalta Yare Perdomo.

Com direção de Marcelo Lin e estreando no festival, Cantô meu alvará foi filmado no Aglomerado da Serra, uma das maiores favelas de Belo Horizonte, da qual o diretor possui uma forte relação. A trama segue Lara, Nayara e Fernanda e acompanha o cotidiano periférico marcado por sonhos, afeto e criatividade. "O que me emociona é poder levar para esse espaço uma história que nasce no Aglomerado da Serra. O cinema que nunca foi pensado para periferia hoje é feito a partir dela — de forma profissional, competitiva e sem perder as marcas da coletividade e da comunidade, que são pilares da vida periférica", conta Marcelo.

Diretamente de Alagoas, Janderson Felipe e Lucas Litrento trazem o curta Ajude os menor, ambientado em um prédio em construção, um entregador almoça com amigos pedreiros e observa o conflito do engenheiro com o mestre de obras. "O filme tem uma relação muito forte com o cinema de gênero, nesse caso com o western, mesmo sendo uma história que se passa aqui em Maceió, nos dias de hoje. Acredito que esse diálogo com um cinema um pouco mais afastado da realidade que retratamos, mas muito próximo dos filmes que gostamos e estudamos, cria um atrito interessante, um efeito de dissonância", comenta Lucas.

O documentário do Mato Grosso com direção de Piratá Waurá e Heloisa Passos, Replika, une Tecnologia e sabedoria indígena para mostrar uma jornada espiritual e meditativa sobre memória, identidade, perda e renascimento do povo wauja do Xingu, diante da destruição de sua história. "Acredito que a imagem pode fazer com que nós, povos indígenas, mostremos nossa história, veio para fortalecer a nossa cultura através da tecnologia", comenta Piratá.

 


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postado em 13/09/2025 04:00
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