
Depois de toda a repercussão com filmes estrelados por artistas como Bárbara Colen, Sônia Braga e Maeve Jinkings, o cineasta Kleber Mendonça Filho, com carreira internacional que aglutina sucessos como Aquarius, O som ao redor e Bacurau, desemboca em Brasília trazendo a luz do ouro do Festival de Cannes. Na tela do Cine Brasília (EQS 106/107), o longa O agente secreto — vencedor dos prêmios de melhor diretor e de melhor ator (no caso, Wagner Moura), numa disputada lista de 22 filmes daquele evento — dá início, fora de competição, a movimentados e intensos nove dias de cinema na capital. É com este brilho que a 58ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro será aberta, na noite de hoje, às 21h. Os ingressos estão esgotados.
"Escrevi o roteiro de O agente secreto pensando em Wagner e eu acho que houve uma sintonia muito grande entre as ideias do filme, o personagem (Marcelo), e o Wagner Moura como artista e como pessoa", conta Kleber Mendonça em entrevista ao Correio. À época da consagração na "catedral do cinema" (como o diretor se referiu a Cannes), em maio passado, o astro de Tropa de elite exaltou o filme brasileiro "que significa muito para a cultura". Na trama, o personagem central busca refúgio no Recife, ao pretender deixar o país em momento crucial da política brasileira. O filho dele, Fernando, acirra o lado sentimental, em corrente de ações que trazem intriga, comicidade, drama e melancolia.
Ambientado em 1977, o enredo de O agente secreto — que examina as nebulosas conexões do protagonista com figuras da ditadura — trouxe Wagner para as filmagens, por dois meses e meio, no Recife, em maio de 2024. "Passamos um mês inteiro trabalhando, pensando o filme, discutindo e ensaiando. Acho que a minha intuição estava correta em querer trabalhar com ele. O filme foi escrito durante quase três anos. Não mostrei o roteiro durante o processo de escrita. Finalizado, mandei para o Wagner, e ele teve uma reação muito forte. Tudo se encaixou para a realização, e hoje o Wagner é um grande amigo. A gente está viajando bastante com o filme. O filme foi recém-exibido em Toronto (Canadá), e foi muito bom", contou, às vésperas da exibição em Brasília.
Algumas das pistas para o filme estão na perseguição a Fátima (Alice Carvalho), esposa de Marcelo, e em policiais de ocasião que, aparentemente, limitam empreitadas acolhedoras de Dona Sebastiana (Tânia Maria) e Elza (Maria Fernanda Cândido), num jogo em que Augusto (Roney Villela) e Bobby (Gabriel Leone) tumultuam o destino de Marcelo, depois que ele desmonta um esquema que reúne paulistanos, numa rede em que passa a sofrer represálias. Tido como um thriller nada convencional, O agente secreto posicionou, pelo termômetro de publicações de cinema internacionais, Kleber Mendonça como "um dos melhores cineastas contemporâneos do mundo".
A exaltação é moderada pela percepção de Kleber, que estende os louros para Wagner Moura e para o magnetismo da acolhida pernambucana. "No período em que Wagner passou no Recife, ele se reconectou com a cidade. Há pouco mais de 20 anos, ele teve um momento muito feliz com A máquina (peça do João Falcão) que lançou Wagner, Lázaro Ramos, Vladimir Brichta e Gustavo Falcão. Foi um momento muito bom para Wagner na reconexão, e nós tivemos uma relação fantástica de trabalho", pontua o diretor. Ainda neste mês, em Zurique (Suíça), Wagner será o primeiro astro latino-americano a receber o prêmio Golden Eye, pela trajetória de ator, diretor (de filmes como Marighella) e ainda produtor.
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Três perguntas // Kleber Mendonça Filho, cineasta
Há carga de excelente aceitação de O agente secreto, mundo afora.
Como se comunicou tão bem?
Eu faço filmes que são brasileiros. Tenho tido a sorte de vê-los sendo apresentados no mundo inteiro, seja em festivais de cinema, seja em mostras especiais ou com distribuição comercial. Isso vem acontecendo desde os curtas-metragens. Eles são filmes, efetivamente, brasileiros mas que têm encontrado diálogos muito fortes fora do Brasil. Como cinéfilo, cresci vendo o cinema de fora do Brasil — o cinema francês americano, alemão, australiano, indiano, canadense, mexicano e argentino.
Isso reflete na sua produção?
Acho que há uma compreensão, natural, que todo mundo tem. Quando você se expõe um a um ponto de vista que vem de fora, estrangeiro, ainda assim, há uma carga suficiente para você se apegue àquilo, para você entender, reagir. Mas é claro que, quando se vê um filme alemão, alguma coisa talvez se perca na tradução. Tenho tido muita sorte, né? Inclusive com a repercussão dos meus filmes e de O agente secreto não é diferente. Foi muito bem recebido fora do Brasil. Só agora ele será visto no Brasil. Mas é um filme já muito discutido, há muito já escrito sobre o filme. A reação foi muito forte ao filme na França, nos Estados Unidos, no Canadá, na Polônia e em Portugal. Acho que o filme que eu faço é um filme brasileiro. Sou brasileiro, e com obras faladas em português. Fico, na verdade, muito feliz e fascinado com a forma como os filmes, os livros, fazem parte da vida da gente, mesmo que nós não sejamos parte da cultura em que foram produzidos.
Com o filme, vai inflamar o Festival de Brasília?
Tenho lembranças muito fortes do Festival de Brasília. Eu fui na capital, muitos anos, como crítico. Depois, comecei como cineasta. Exibi Vinil verde na competição de curta-metragem; Noite de sexta, manhã de sábado e ainda Recife frio, em 2009, — que foi uma grande noite para mim, para Emilie Lesclaux (esposa e produtora de cinema) e para Juliano Dornelles (parceiro ainda em Bacurau). A gente fez aquele filme durante quase três anos. Lembro muito da exibição em Brasília de O som ao redor, em 2012. Para mim, é uma honra apresentar O agente secreto como filme de abertura do festival. E sim, espero que ele seja uma faísca para um grande festival.
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