
Com direção da carioca Karen Suzane, Quatro Meninas é o filme do terceiro dia da Mostra Competitiva Nacional do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Na trama, quatro jovens negras Tita (Ágatha Marinho), Lena (Dhara Lopes) ,Francisca (Maria Ibraim) e Muanda (Alana Cabral) decidem fugir do internato onde vivem para tentar encontrar a liberdade, em um período no qual a escravidão ainda não havia sido abolida. Quando quatro meninas brancas descobrem o plano, o futuro das jovens se torna incerto.
Ao Correio, a diretora apresenta o longa, que estreia no festival, contando detalhes da idealização do projeto, seleção das atrizes e o processo de gravação de Quatro Meninas.
Como começou a produção de Quatro Meninas? De onde a ideia surgiu?
A produção do Quatro Meninas começa quando a Clara (roteirista) me manda um documento com uma ideia de filme e fala que gostaria muito que eu lesse e dirigisse. Falei com ela que, obviamente, eu iria ler, que estava muito feliz com esse convite dela. Depois que eu li, já começamos a trabalhar em cima do que ela estava construindo de narrativa. A ideia ainda estava muito embrionária, mas foi muito bacana porque foi um processo de muita escuta. Ela conseguiu absorver todas as minhas considerações a medida que a gente foi desenvolvendo a história, e eu acho que isso ajudou muito. Ela tirou essa história a partir da escuta da avó dela, é sobre um momento da vida da avó, que passou por um internato e ela tinha uma dama de companhia. A Clara ficou meio impressionada com isso e decidiu fazer um filme sobre.
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Como foi o processo de gravação do longa?
O processo de gravação do filme foi uma das coisas mais emocionantes que eu já experimentei enquanto diretora de cinema. Até então, eu tinha dirigido cinco curtas-metragens e esse foi meu primeiro longa. Então, o processo foi um presente. Foi superdesafiador, mas, ao mesmo tempo, era uma realização de um sonho e eu contava com uma equipe muito competente, perspicaz, com muitas capacidades e habilidades que estavam do meu lado e me auxiliaram a todo momento para que a gente conseguisse filmar todas as cenas que a gente precisava no tempo que tinha. Eu senti que o roteiro ganhou vida, a partir do momento que a gente começa a gravar, que a gente começa a entender a cena como ela é. É muito instigante e, ao mesmo, tempo rico. Quando a gente pensa em cinema, estamos criando uma história, é uma grande fonte de alegria mesmo. A cada dia que passava, sentia que estava dando um passo a mais para o meu sonho, que era de fato conseguir dirigir um longa metragem.
O que era importante para você no momento de selecionar as atrizes?
A seleção das atrizes partiu muito de um lugar da gente entender que o Brasil é um país que tem uma certa diversidade de cores. A gente parte de um princípio de tentar achar quatro meninas que fossem de alguma forma diversas e que representassem um pouco do nosso Brasil. A gente tem oito meninas nesse filme e é muito interessante porque, na escolha desse elenco, a gente conseguiu uma de Minas Gerais, uma de São Paulo, uma do Rio de Janeiro, uma do Rio Grande do Sul. Eu estava com uma gama de profissionais que também entendiam de atuação, entendiam de questões que o filme permeava no sentido mais amplo da coisa, do desafio de filmar em 20 diárias, um longa de ficção que tem um contexto histórico.
A gente sabia que não seria um filme tão simples do ponto de vista da atuação, que exigiria muito das atrizes, principalmente essa habilidade de conseguir resolver uma cena em pouquíssimo tempo e eu acho que o ponto de partida foi a versatilidade. Ou seja, o ponto no qual um ator ou uma atriz conseguem se distanciar deles mesmos. O elenco tem uma capacidade muito grande de se distanciar do que se é. Esse era um ponto muito importante para mim, saber quais dessas garotas poderiam ser versões completamente diferentes do que elas são.
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A trama aborda a liberdade e escolhas de quatro mulheres. Como foi trabalhar com esse cenário?
A trama aborda essa liberdade, essas escolhas dessas meninas, a gente pensa nas quatro, mas a gente sabe que são oito. Todas as oito meninas entram em contato com uma realidade que é muito nova para elas. Por exemplo, poder sentar e conversar numa mesa tomando café é algo que a gente faz hoje com muita tranquilidade, a gente nem pensa o quanto que isso foi doloroso para as mulheres dos nossos antepassados. De como que elas não tinham essa liberdade de poder, de alguma forma, trocar sentimentos. Isso está no filme. Coisas que para nós mulheres são o cotidiano, para essas meninas lá atrás era uma descoberta. Responder a essas perguntas me trouxe uma certa emoção até porque eu estou refletindo sobre o quanto que abordar a liberdade e a escolha das mulheres é forte, é muito forte. Sabendo que hoje no mundo, a gente ainda tem mulheres que não acessam a educação, porque elas são proibidas de acessar, que a educação ainda não é compulsória para todas as mulheres. E isso me entristece ainda por uma questão política, a gente tem direito à liberdade e à escolha. E trabalhar com esse cenário foi uma uma reverberação de todas nós que estávamos na produção do filme. Eu dirigindo, as minhas assistentes de direção, a nossa equipe de produção que também majoritariamente eram mulheres. A gente teve,uma equipe de muitas mulheres, isso reverberou muito no filme e as atrizes também reverberaram isso, dava para ver no brilho do olhar delas o quanto aquilo estava sendo simbólico, no sentido amplo da coisa, de olhar uma equipe de produção e ver que tinha duas mulheres negras e duas mulheres brancas e as quatro estavam ali trabalhando para o filme. Foi confirmação divina mesmo.
Qual a importância de participar do Festival de Brasília?
Nossa, foi de arrepiar, é algo que me trouxe muito sentido e muita coerência. Primeiro, porque eu sou uma diretora, uma mulher negra, fazendo cinema e audiovisual no Brasil em 2025, sabendo que anteriormente a mim, existiram outras mulheres que fizeram filmes, mas que, de alguma forma, enfrentaram dificuldades para chegar no seu ofício para estrear um filme e para conseguir, de fato, entrar no circuito comercial. A gente pode contar nos dedos e somente nos cinco dedos quantas mulheres negras já estrearam filmes em cinema no Brasil hoje. Então, estatisticamente, eu estou entrando para esse ranking de mulheres que conseguiram alcançar alguma forma de lançar os seus filmes. Ainda não lancei, comercialmente, a gente está entrando no circuito de festivais agora, mas para mim, já é um símbolo. Quantas mulheres negras no Brasil conseguiram entrar no Festival de Brasília com um filme na Mostra Competitiva.
É a primeira vez que eu estou indo para esse festival e eu estou muito feliz , só tenho a agradecer mesmo aos curadores por terem selecionado o meu filme, porque eu sei que a realidade também de distribuição de filmes independentes no Brasil é algo muito duro.
Com que olhos você gostaria que o filme fosse visto?
A maior mensagem deste longa-metragem é de fato a gente pensar nos direitos das mulheres, mulheres negras e o quanto que é importante nós termos a nossa liberdade, nossas escolhas e que, de alguma forma, isso seja realidade no mundo inteiro. Independentemente da cultura, do país, da religião, que a gente tenha essa harmonia de poder estar com pessoas diferentes e unidos. Que a gente consiga alcançar a unidade, na diversidade e que a gente consiga também alcançar essa igualdade entre homens e mulheres.
Diversão e Arte
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