Malandragem, elegância e glória: a receita do sucesso do ator Ricardo Teodoro
Após 17 anos de batalha, o mineiro Ricardo Teodoro encontra consagração internacional no cinema com o longa "Baby", pelo qual foi premiado seis vezes, e se firma como um dos rostos mais queridos da novela das 21h, "Vale tudo"
Ricardo Teodoro, ator - (crédito: Phillip Lavra)
No início, havia apenas a poeira vermelha do garimpo, os jogos de bola na rua estreita de uma cidade mineira com pouco mais de quatro mil habitantes e uma curiosidade que não cabia no lugar. Intérprete do malandro Olavo em Vale tudo, Ricardo Teodoro cresceu em São José da Safira como tantos meninos: correndo solto, ouvindo histórias de família e sonhando com horizontes que ainda não sabia nomear. Foi preciso atravessar estradas, mudar de cidade, depender da coragem da irmã que o levou a Curitiba, para que o caminho começasse a se desenhar. Mais tarde, já no Rio, a Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) lhe deu método e disciplina, e uma aula de história da televisão acendeu a faísca que hoje se espalha em tapetes tão vermelhos quanto a poeira.
O menino do interior tornou-se ator, e o ator insistiu por 17 anos até que a consagração chegasse. Em 2024, Cannes lhe entregou o prêmio de Ator Revelação por Baby, longa de Marcelo Caetano em que viveu Ronaldo, um garoto de programa quarentão, personagem denso e contraditório, que lhe abriu outras portas de festivais internacionais e mais cinco glórias, como o título de Melhor Ator Coadjuvante no Prêmio Grande Otelo deste ano. "Demorou para eu começar a ter oportunidades no audiovisual, e agora quero realizar muito mais", diz, sem esconder o entusiasmo.
Foi essa entrega que o levou à novela das 21h da TV Globo. O que na versão original era uma participação importante, porém curta, iniciada a partir do capítulo 60, transformou-se em uma presença que entrou em cena na primeira semana e cresceu capítulo a capítulo até se tornar peça-chave da trama. O fotógrafo — e, como ele mesmo se define, "produtor de filmes de afeto corporal" — Olavo, que poderia passar despercebido, tornou-se o malandro carismático que equilibra humor, charme e contradições. "A gente, como ator, sempre tem a expectativa de que o personagem possa crescer e se alinhar à trama. Mas não imaginava que o Olavo fosse ganhar essa dimensão", confessa Ricardo.
O romance inesperado entre Olavo e a "tia" Celina, vivida por Malu Galli, virou conversa de botequim e trending topic em redes sociais. Haveria sinceridade no envolvimento desse malandro que vive de trambiques? Ricardo aposta que sim. "A beleza do personagem está justamente nas surpresas que ele pode trazer. O Olavo é contraditório: tem seu lado malandro, envolve-se em coisas erradas, mas também é humano, vulnerável e capaz de sentimentos reais. Não sei se ele acredita no amor, mas pelo que percebo na relação com a Celina, ele sente um sentimento genuíno. Eu acredito nisso."
Para o ator, essa tensão entre a malandragem e a possibilidade de um afeto real é o que torna o personagem tão interessante e imprevisível. E o público, como reage? Ricardo sorri ao lembrar das abordagens nas ruas. "O Olavinho caiu no gosto popular, porque acho que todo mundo tem um amigo assim ou se identifica com ele em algum lugar — seja na maneira leve de levar a vida, seja nessa busca pela grana, que é algo que a maioria dos brasileiros conhece bem. As pessoas me param na rua pra comentar as cenas, rir das situações dele ou até se irritar com algumas escolhas. Esse mix é ótimo, porque mostra que o personagem mexe com as emoções e que conseguiu se tornar vivo para o público", defende o ator de 37 anos.
"Sou muito grato à autora Manuela Dias por ter acreditado no meu trabalho e no potencial do Olavo, e também ao diretor artístico Paulo Silvestrini. A parceria em cena com a Malu Galli, a Bella Campos e o Cauã Reymond também foi essencial", ressalta Ricardo, mencionando os intérpretes dos protagonistas Maria de Fátima e César, com quem acabou formando um triângulo fixo no remake.
Se o futuro televisivo ainda se desenha, o cinema e o streaming já se encarregaram de abrir novas portas. Na Netflix, estreou recentemente Pssica, série em que também atua. No Festival do Rio, dois filmes ampliam seu repertório: Cyclone, de Flávia Castro, e Salve Rosa, de Susanna Lira, que estreia nos cinemas em 23 de outubro. Projetos não faltam, mas Ricardo prefere manter o mistério. "Temos coisas boas e desafiadoras em vista. Estou muito animado para continuar explorando diferentes registros como ator."
Do chão de terra do garimpo às luzes de Cannes, das ruas populares à sala de estar dos brasileiros, Ricardo Teodoro construiu um percurso marcado pela paciência e pela intensidade. O diamante bruto que São José da Safira lhe deu um dia se lapida, agora, diante das câmeras — sem perder a memória da poeira de onde veio, tão vermelha quanto os tapetes que começou a pisar.
No Prêmio Grande Otelo 2025, o sexto pela atuação no filme Baby
Reprodução Redes sociais
Com Fátima Macedo em Pssica, sucesso nacional da Netflix
Divulgação
Ricardo Teodoro, ator
Phillip Lavra
O grande "parça" do gigolô César (Cauã Reymond) em Vale tudo
Globo/ Fabio Rocha
Com o diretor Marcelo Caetano e o colega João Pedro Mariano, no Festival de Cannes 2024
Soraya Ursine
Com João Pedro Mariano, em cena do longa premiado
Primeiro Plano/ Divulgação