
"Brasília é uma cidade altamente cinematográfica", pontua a entusiasmada diretora de cinema Anne Pinheiro Guimarães, brasiliense, recém-vencedora no disputado Festival do Rio que, aos 49 anos, investe num título altamente interiorizado: Pequenas criaturas, encabeçado por atores como Fernando Eiras, Michel Melamed, Carolina Dieckmann, Letícia Sabatella e Caco Ciocler. "O filme é uma grande homenagem à minha mãe, e é uma grande homenagem a Brasília. É uma trama sobre amadurecimentos em três idades: para um menino de 7 anos (Dudu, papel de Lorenzo Mello); para outro, de 15 (André, papel de Théo Medon), e para uma mulher que chega aos 40 como uma mãe em crise existencial", comenta a diretora, filha de um diplomata e de uma socióloga norte-americana, ambos inspirações para o longa. "O filme é dedicado à minha mãe. Sem saber, a Carolina filmou, fazendo o papel da minha mãe", conta.
Formada na Sorbonne (França), Anne ressalta a importância de UnB na trajetória. "Para mim, ela mora no meu coração. Meu irmão mora em Brasília, ele é formado lá. Inclusive, quando leu o roteiro do filme, disse: 'Você escreveu um filme sobre a minha vida'. Achei engraçado", relembra Anne, que enfatiza: "O filme traz a minha Brasília. Está lá, o meu (olhar do) Clube das Nações, da Esplanada, da Nicolândia — que é outro marco da cidade. Há aquela Rua dos Anexos...".
A diretora diz não ter filmado na quadra em que morou, "por Brasília ter virado um bosque". "A Brasília de 1986, que vivi, não é a Brasília de hoje. Brasília hoje é um jardim. Quando, cheguei em 1985, tudo era muito mais árido, era muito mais amplo, havia mais espaços vagos e terrenos baldios", demarca. Hoje, Anne conta do lado extramente pessoal de Pequenas criaturas. "Morei em Brasília exatamente na idade dos dois meninos (personagens). Sinto Brasília muito dentro assim, pela minha formação, nos anos mais importantes, entre os 8 e os 15 anos. Em 1986, veio a abertura, estávamos numa democracia e isso é um pouco a história da Helena (Dieckmann). Ela se pergunta: o que você faz com essa liberdade toda? O filme traz emoções muito contidas. Vem um drama nada escancarado, como numa panela de pressão", explica.
No filme, Helena faz amizade com a vizinha. "Trato muito da Brasília das relações humanas. A importância das conexões. Brasília é um personagem muito importante no filme, porque a história que acontece no filme jamais poderia acontecer em outra, daquela forma. Nos anos 1980, sem internet, há histórias bem diferentes", adianta Anne. Ainda que muito pessoal, Pequenas criaturas parece ter um punhado de lastro universal. Pensando na possibilidade de Dado Villa-Lobos fazer a música do longa, a diretora conseguiu "por A mais B, chegar nele". "Mandei o roteiro, ele leu, encontrei com ele, que disse: 'Anne, você escreveu um roteiro com coisas que aconteceram comigo com 10 anos de antecedência'. O filme tem esse DNA das famílias que chegam em Brasília, numa experiência com quê de coletiva".
Entre trabalhos no Brasil e em Los Angeles, Anne cita os últimos agitados 20 anos na política brasileira, que impulsionaram obras de outras colegas mulheres, na linha documental, entre as quais Petra Costa, Anna Muylaert, Petra Costa e Maria Augusta Ramos. Tudo diferente dela, que, ao lado da codiretora Carolina Jabor, mesclou ficção e realidade em Transe, filmado em Brasília em julho de 2024. "Ele é radicalmente oposto ao Pequenas criaturas. O Transe foi um filme coletivo, filmado no calor dos acontecimentos (integrado pelo movimento #elenão), com filmagens até julho passado, sem a gente saber o que ia acontecer no dia seguinte. Trouxe pensamento coletivo que incluía muito o elenco. Era uma reação às surpresas que transcorriam naquele presente", destaca a diretora, sempre atenta ao que acontece "politicamente". "Quero muito que as pessoas assistam ao Pequenas criaturas. Foi uma experiência muito legal, inclusive com as pessoas acolhedoras da cidade. Foi muito, muito bacana", conclui.
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