HOMENAGEM

Brigitte Bardot encarou a morte em conversa íntima com Rita Lee

Em entrevista para a Revista ‘ELA’ em 2018, a atriz francesa refletiu sobre finitude, espiritualidade e ativismo animal ao lado da cantora brasileira

O encontro entre Brigitte Bardot e Rita Lee reuniu duas mulheres afastadas dos holofotes, mas atentas às grandes questões da vida -  (crédito: AFP /  Biônica Filmes/Divulgacao)
O encontro entre Brigitte Bardot e Rita Lee reuniu duas mulheres afastadas dos holofotes, mas atentas às grandes questões da vida - (crédito: AFP / Biônica Filmes/Divulgacao)

“A morte me dá medo porque ela é monstruosa, e eu só gosto do que é belo.” A frase, dita por Brigitte Bardot, sintetiza o tom da conversa que reuniu dois ícones da cultura e do ativismo animal: a atriz francesa e Rita Lee. O encontro aconteceu em 2018, quando Bardot foi capa da revista ELA e aceitou ser entrevistada pela cantora brasileira, ambas já afastadas dos palcos e das telas. Anos depois, a entrevista ganha novo peso com a morte de Bardot, neste domingo (28/12), aos 91 anos.

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O diálogo ocorreu logo após o lançamento de Lágrimas de Combate, livro em que Bardot narra a decisão de abandonar o cinema para colocar sua notoriedade a serviço da causa animal. Ao falar sobre as batalhas que travou ao longo da vida, ela rejeitou qualquer hierarquia de sofrimento. “Todas as batalhas são difíceis. Não há hierarquia para a dor dos animais”, afirmou. Ainda assim, destacou uma luta que considera definitiva: “O que ficará marcado para sempre como o mais inesquecível é o combate contra o massacre das focas, que foi uma vitória conquistada depois de 30 anos de espera”.

Rita Lee, que morreu em 8 de maio de 2023, conduziu a entrevista a partir de uma admiração antiga e declarada. Lembrou que o encantamento começou na infância, muito antes do ativismo aproximá-las. “A primeira vez que eu a vi quando criança, já me apaixonei por ela. Ensolarada, linda, chique, elegante”, recordou. “Fiquei fã. E depois com o tempo comecei a ver que ela defendia os animais. E fiquei enlouquecida com ela, com o que ela fazia, os filmes dela. Ela é uma deusa e eu sou louca por ela.”

Ao ser provocada sobre a relação quase intuitiva que mantém com os bichos, Bardot recusou explicações técnicas ou científicas. Para ela, o vínculo é de outra ordem. “É o mistério que existe entre a mãe e seus filhos”, disse, ao comentar a rotina descrita no livro e a forma como compreende o comportamento animal.

A atriz também refletiu sobre sua trajetória no cinema, relativizando o glamour que a transformou em símbolo sexual mundial. Para Bardot, os filmes foram sobretudo um instrumento. O cinema, afirmou, foi “uma ajuda formidável para me tornar a celebridade que hoje eu coloco a serviço dos animais”. Disse que se dedicava inteiramente a cada projeto, com o mesmo rigor que aplicou depois à militância. Questionada por Rita sobre a recusa sistemática a Hollywood, resumiu: “Porque isso nunca me agradou”.

Mesmo temas ligados à aparência foram tratados sob a mesma lógica de aceitação e coerência pessoal. Bardot explicou que nunca recorreu a procedimentos estéticos porque se reconhece como “uma mulher natural”, alguém que aceita “o que a natureza e o tempo me impõem”.

A espiritualidade também ocupou um espaço na conversa. Ao falar sobre Deus e os animais, Bardot apresentou uma visão própria, em que os bichos ocupam um lugar moralmente superior ao dos humanos. Em seu imaginário, disse, Deus teria dado aos animais “tudo que falta ao ser humano: uma beleza natural, uma coragem exemplar, uma dignidade extraordinária diante da morte”, além de uma fidelidade e uma sabedoria que resistem “às condições inumanas às quais nós os submetemos sem cessar”.

Essa relação espiritual se materializa em rituais simples. Bardot contou que construiu uma pequena capela dedicada ao que chama de “minha Pequena Virgem”, um espaço de recolhimento onde medita cercada por cães, gatos e outros animais. Ali, explicou, deixa o pensamento vagar, se deixa invadir pela calma, pelos sons do mar e pelos cheiros do lugar. É nesse refúgio que recarrega a coragem que, segundo ela, às vezes falta. 

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A crítica à exploração animal apareceu quando o tema foram os zoológicos. Bardot foi categórica ao defini-los como “prisões para inocentes”, ambientes carcerários, muitas vezes insalubres, que enlouquecem os animais ao privá-los de espaço e convivência.

Ao fim da conversa, Rita Lee perguntou como ela gostaria de ser lembrada, para além do mito sensual que atravessou décadas. A resposta de Bardot foi direta e coerente com tudo o que havia dito até ali: “A fada dos animais.”

 

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postado em 28/12/2025 16:41
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