
Com 121 mortos e 113 prisões, apreensões em massa, além da população em meio ao fogo cruzado, a operação das polícias civil e militar contra o Comando Vermelho, no Rio de Janeiro, se consagra como a mais letal da história. O caos expõe a fragilidade da segurança pública no RJ e o crescimento desordenado do crime organizado.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Correio, a solução é multifacetada, com debates sobre a punibilidade e as medidas sobre o chamado estrangulamento financeiro.
Para o especialista em segurança pública Fagner Dias, professor do Ibmec, o aumento de penas não é o suficiente para o combate às facções. "É importante, claro, porém se você somente aumenta as penas e as ações policiais —para que exista a sensação de punibilidade — é necessário discutir para onde essas pessoas vão. Se forem para um sistema prisional dominado por facção, acaba virando uma escola do crime. Assim, teremos outro problema", destacou.
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Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o crime organizado atuante no Brasil teve um faturamento de R$ 146 bilhões em produtos explorados em 2022. Na avaliação de Fagner Dias, é necessário elaborar estratégias que cortem as fontes de financiamento das facções para desarticulá-las.
"É preciso que o sistema público invista no estrangulamento financeiro dessas facções porque ela gira em torno do lucro. Só a punibilidade, então, não é o suficiente porque é um negócio muito rentável para os criminosos", argumenta Dias.
O professor de estudos brasileiros da Universidade de Oklahoma (EUA) Fabio de Sá e Silva aponta que as facções estão expandindo, inclusive, para fora do país. "No Rio, a atuação dessas organizações acaba tendo mais visibilidade porque gera disputas territoriais com muitas mortes e dinâmicas de opressão a comunidades. Mas a criminalidade organizada se espalhou pelo Brasil; as organizações inicialmente baseadas no Rio e São Paulo hoje têm presença em outros estados e regiões como a Amazônia também passaram a ser foco de atividades criminosas estruturadas", diz.
Segundo ele, é importante lembrar como essas organizações surgiram: no caso do Rio de Janeiro, pela repressão da ditadura, em São Paulo, por um massacre em presídio. "Essa repressão que sai nos jornais, baseada em ação policial violenta em territórios, é insuficiente, porque ela ataca apenas a linha de frente dessas organizações, em geral, formada por pessoas jovens, facilmente substituíveis, que fazem atividades mais simples como guarda e transporte de drogas. O planejamento e a gestão do lucro não serão interrompidos por tiros. Precisa de inteligência e investigação, inclusive, porque há uma intersecção cada vez maior entre crime organizado e economia formal", ressalta.
Violência
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública também ganhou força por conta do caos no Rio. O projeto, apresentado pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, prevê a integração das forças policiais e o fortalecimento do controle civil e democrático das instituições.
Também está em discussão o projeto que enquadra as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) e milícias como terroristas. O professor Fábio Sá e Silva é contra a denominação das facções como crimes de terrorismo. "Chamar de terrorismo é ainda pior, além de um erro conceitual, fragiliza a soberania do Brasil", defende.
Mas há quem discorde. Para o presidente do Conselho Empresarial de Segurança da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Vinicius Cavalcante, a atuação dos integrantes das facções se encaixam, sim, como terrorismo. "Eles usam o mesmo modus operandi guerrilheiro e terrorista. Isso a gente não vai combater com o policiamento ordinário e com as leis frouxas do Brasil", disse.
"A definição de terrorismo é o uso ilegal da violência contra pessoas, comunidades, grupos, para influenciar a vontade dessas pessoas. Essa é a ideia, essa é a definição mais básica, mais simples do terrorismo. Quando um criminoso dá uma rajada de metralhadoras para o alto, é para que saibam que ele manda", acrescenta Cavalcante.
O brasilianista James Green, professor emérito de história do Brasil na Brown University em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos, destacou que a escalada da violência no Rio de Janeiro reforça o imaginário entre os norte-americanos de que o país é violento. Na avaliação dele, há outras implicações para o país, porque a campanha do presidente dos EUA, Donald Trump, de combate ao narcotráfico na Venezuela pode reverberar no Brasil.
Green destacou que esse episódio poderá ser utilizado na campanha eleitoral, a exemplo da interferência de Trump nas eleições argentinas. "É possível que isso possa fazer parte de uma campanha da extrema-direita, quando ficar mais claro quem será o candidato no ano que vem", acrescentou. (Colaborou Rosana Hessel)

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