INFRAESTRUTURA

MP do setor elétrico é sancionada com 'jabuti' do carvão

Apesar de Executivo vetar 16 trechos, nova regra ainda mantém o incentivo para usinas a carvão até 2040, na contramão da agenda de descarbonização

Presidente em exercício, Geraldo Alckmin sancionou novo marco regulatório do setor elétrico, que foi publicado no DOU de ontem -  (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Presidente em exercício, Geraldo Alckmin sancionou novo marco regulatório do setor elétrico, que foi publicado no DOU de ontem - (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

O presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, sancionou, ontem, a Medida Provisória 1.304/25, que altera regras do setor elétrico, com 16 vetos, entre eles, o trecho que previa o ressarcimento às usinas eólicas e solares em casos de cortes forçados de geração, conhecidos como curtailment. Também foi retirado do marco regulatório o dispositivo que mudaria o cálculo do preço de referência do petróleo com base em cotações internacionais.

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Na MP do setor elétrico, convertida na Lei nº 15.269/2025, o governo manteve integralmente o 'jabuti' (trecho não relacionado ao tema principal da matéria) que prevê contratação compulsória de energia produzida por usinas a carvão até 2040, onerando o consumidor. A decisão vai na contramão da agenda estratégica de descarbonização defendida pelo governo durante 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada entre os dias 10 e 21 deste mês em Belém.

A nova regra foi publicada, ontem, no Diário Oficial da União (DOU) com as justificativas dos vetos. Ao manter o subsídio para a energia suja, o Planalto alegou risco tarifário, insegurança jurídica e desconexão com o texto original ao vetar outros pontos. Entre eles, a destinação obrigatória de parte da receita das concessionárias para pesquisa e desenvolvimento e o uso da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para financiar incentivos à micro e minigeração distribuída.

Uma das principais mudanças previstas na MP está a abertura gradual do mercado de energia, permitindo que consumidores residenciais possam escolher seus fornecedores até novembro de 2028. O texto ainda regulamenta o uso de baterias para armazenamento.

Fragilidades

O engenheiro elétrico e professor da Universidade de Brasília (UnB) Ivan Camargo avaliou que a MP do setor elétrico apresenta fragilidades de governança mesmo com a série de vetos e ainda onera o consumidor. Ele defendeu que as decisões técnicas deveriam ser definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e não pelo Congresso.

"A Medida Provisória, sem nenhuma dúvida, aumenta os encargos do consumidor, portanto, aumenta a tarifa paga pelos brasileiros. O veto vai na direção correta de diminuir o que o consumidor não deve pagar. Mas é preciso tomar um cuidado danado para saber o que o consumidor deve ou não pagar, porque ele sempre tem que pagar uma remuneração justa para os investimentos", explicou.

De acordo com Camargo, a manutenção de subsídios ao carvão até 2040 tem custo político elevado e é desnecessária para a matriz elétrica. Ele citou estimativas de que o pagamento por curtailment poderia custar cerca de R$ 7 bilhões aos consumidores.

O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Rodrigo Ferreira, por sua vez, elogiou a manutenção da mudança inicial prevista pela MP que faz uma "reforma estrutural do modelo comercial do setor elétrico", ampliando o acesso ao mercado livre de energia para os consumidores residenciais.

O executivo defendeu que todo mercado competitivo é melhor do que o monopólio, argumentando que consumidores terão acesso a mais de 100 fornecedores e a ofertas diversas. A expectativa da associação é de que consumidores residenciais possam migrar para o mercado livre em até dois anos.

A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) elogiou a sanção da antiga MP do setor elétrico e informou que o governo acolheu cinco das seis sugestões de veto feitas pela entidade.

"As medidas atendem a pleitos técnicos apresentados pela Fiemg e evitam mais de R$ 7 bilhões em impactos tarifários que recairiam sobre consumidores, empresas e sobre a competitividade da indústria brasileira", destacou a nota da entidade. Segundo a Federação, os vetos preservam a modicidade tarifária ao impedir a criação de novos encargos, evitar distorções regulatórias, proteger sistemas de autoprodução e garantir a autonomia técnica do planejamento energético.

Avanços e retrocessos

Apesar dos avanços, a entidade manifestou preocupação com a manutenção da prorrogação do subsídio para a geração de energia a carvão mineral.

"Esse trecho representa um custo superior a R$ 1 bilhão por ano até 2040 e configura um retrocesso ambiental relevante — especialmente quando o Brasil acaba de sediar a COP30, reafirmando internacionalmente seu compromisso com a transição energética e a descarbonização", destacou a nota da Fiemg.

A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) informou que os vetos evitam aumento de custos ao consumidor.

"O resultado final do texto com os vetos traz ainda um conjunto de problemas que vai exigir novas intervenções sobre o setor, mas carrega avanços importantes que precisam ser reconhecidos: a melhoria do sinal de preço da energia, ajuste em regras ruins que criariam reserva de mercado, redução de subsídios e de modelos oportunistas praticados no mercado, e a contenção demais custos desnecessários aos consumidores foram alguns itens que trarão mais previsibilidade e mais segurança ao setor", alertou a nota da Abrace.

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A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), por sua vez, afirmou que considera essenciais os vetos ligados ao curtailment e ao cálculo do preço de referência do petróleo, e também destacou que há questões que precisam ser revistas, como a extensão dos contratos de usinas a carvão até 2040 e a contratação compulsória de pequenas centrais hidrelétricas.

A entidade fluminense ressaltou que seguirá mobilizada para assegurar a manutenção dos vetos do Executivo à Lei 15.269/2025, no Congresso, além defender um ajuste nos pontos controversos de um avanço na agenda de modernização do setor elétrico, "com foco na abertura gradual do mercado e no aumento da eficiência econômica".

Na avaliação do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), a decisão do Executivo de vetar o dispositivo que alterava as regras do cálculo do preço de referência foi positiva.

"A manutenção do atual modelo de cálculo do Preço de Referência do Petróleo para fins de pagamentos de royalties e participações especiais protege os investimentos, garante empregos e proporciona segurança jurídica aos contratos vigentes e estabilidade regulatória ao setor, alinhando-se diretamente à agenda de desenvolvimento do país," informou a nota do instituto.

*Estagiários sob a supervisão de Rosana Hessel

 


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postado em 26/11/2025 03:59
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