CIDADANIA

Jovem de Expressão: protagonismo, cultura e educação em Ceilândia

Programa atende jovens de 18 a 29 anos com oficinas, palestras, cursinho preparatório pré-vestibular, debates, terapia comunitária e laboratório de empreendedorismo, entre outros. Atendimento inclui plantão psicológico

Giulia Luchetta
postado em 19/03/2024 06:00
Rodas de terapia comunitária fazem parte de todas as oficinas. A ideia é que os participantes se sintam bem para entrar no mercado de trabalho -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Rodas de terapia comunitária fazem parte de todas as oficinas. A ideia é que os participantes se sintam bem para entrar no mercado de trabalho - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
int(28)

O programa Jovem de Expressão (JEX), em funcionamento desde 2007, vem fazendo a diferença para a comunidade de Ceilândia. Localizado na Praça do Cidadão, o centro cultural e formativo atende pessoas de 18 a 29 anos. As atividades incluem oficinas, palestras, cursinho preparatório pré-vestibular, debates, terapia comunitária, laboratório de empreendedorismo e rolês, além da administração da Galeria Risofloras, de arte contemporânea.

"Trabalhamos com quatro eixos de atuação: cultura, educação, empreendedorismo e saúde mental. Dentro desses eixos, temos projetos vinculados a essas temáticas. A oficina de cinema, por exemplo, está ligada à questão do mercado cultural", destaca Rayane Soares da Silva, 31 anos, gestora do programa.

Ela complementa que a saúde mental é a base de tudo. "Todas as atividades que fazemos aqui são vinculadas à saúde mental, para que os alunos, além da prática teórica dos cursos, consigam também ter um espaço de troca", ressalta.

Idealizado pelo deputado distrital Max Maciel (PSol) e pelo atual coordenador do programa, Antônio de Pádua, o JEX é uma realização do Instituto Referência da Juventude — organização voltada à garantia de direitos desse público. 

As atividades envolvem uma equipe de 26 profissionais e são organizadas em ciclos de três a quatro meses de duração, realizados uma vez por semestre. Cada ciclo de oficinas envolve, em média, 150 participantes. O curso pré-vestibular e o de inglês têm turmas de 30 pessoas, a cada semestre.

A verba provém de editais de fomento, como o do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), e de parcerias com instituições, entre elas, o Instituto CNP Brasil, Meta e Google for Nonprofits. "Também contamos muito com voluntários que se formam e têm interesse de colaborar. Inclusive, a equipe do Jovem de Expressão é toda formada por ex-alunos do programa", conta Rayane, que frequentou o curso de audiovisual no JEX.

Plantão psicológico

O projeto Se Cuida Quebrada tem plantões de atendimento psicológico presencial e gratuito, às quartas-feiras, das 14h às 17h, na sede do Jovem de Expressão, na EQNM 18/20. Yasmin Moreira da Silva, psicóloga social e coordenadora do Núcleo de Saúde Mental do JEX, explica que o serviço é destinado a proporcionar alívio, orientação e apoio em situações de necessidade ou de crise.

"O plantão psicológico não é um atendimento direcionado, clínico, contínuo. Ele está nesse lugar da emergência, do acolhimento. Geralmente, temos até três, por dia. Às vezes, mais. Tentamos sanar as demandas que podem ser emergenciais e, a partir disso, encaminhar o paciente para outros setores que prestam assistência gratuita", detalha a psicóloga.

As sessões são realizadas por duas estagiárias voluntárias do curso de psicologia, com a supervisão de Yasmin, que atua na gestão e na complementação dos atendimentos, nos dias em que a demanda é mais alta. Pode se consultar quem tem mais de 18 anos e não é necessário agendamento prévio. Os encontros são organizados por ordem de chegada, não sendo possível escolher ou realizar as sessões sempre com o mesmo profissional.

No ano passado, o plantão recebeu mais de 150 jovens. "Estamos no processo de pensar estratégias e formas de como suprir essa dificuldade das pessoas conseguirem acesso aos atendimentos. Já recebemos pacientes de Taguatinga, Santa Maria e Samambaia, por exemplo", antecipa Yasmin.

Identidade

Isabele Vidal, 34, mudou-se para Ceilândia no ano passado, quando conheceu a oficina de produção cinematográfica do JEX, no segundo semestre. Durante o curso, a produtora cultural estava passando por uma fase de transição de carreira e de mudanças profundas na vida pessoal, o que a motivou a começar a se consultar no plantão psicológico. "Quando passei a morar em Ceilândia, foi um combo de acontecimentos em minha vida. Estava me divorciando, em um processo complicado, saindo de um relacionamento abusivo, com violência doméstica e patrimonial. Tinha um quadro depressivo e estava desempregada", recorda a produtora cultural.

"O Jovem de Expressão foi um lugar onde pude conhecer outras perspectivas. O acompanhamento me ajudou a me estruturar novamente, a firmar minha autoestima", conta. Isabele observa que havia tentado buscar atendimento psicológico gratuito em universidades, mas enfrentou dificuldades de deslocamento. Além disso, sentiu-se mais à vontade com a abordagem do programa. "No Jovem, me identifiquei mais e foi mais natural me abrir, pois estava conversando com uma mulher negra que compreende minhas questões, anseios e como a sociedade nos percebe também", argumenta. "Conversar com alguém que tem mais percepção sobre os problemas com os quais lidamos, como mulheres periféricas, fez eu me sentir muito acolhida. Pude identificar novas portas, voltar a tocar minha vida profissional e pessoal. É muito importante ter essa consciência por meio da fala, do que pode ser feito para melhorar", conclui.

Fala Jovem

"Apesar de ser tímida, odeio me isolar do mundo. Eu sou uma pessoa muito calma e paciente. E, por último, sou uma pessoa que esconde muito os próprios sentimentos", expôs Glaucia Moraes, de 27 anos, na dinâmica do Fala Jovem, que iniciou, na última quarta-feira, a oficina de teatro. O objetivo do encontro era "quebrar o gelo" entre os participantes, que deveriam escrever duas verdades e uma mentira sobre si mesmos e, depois, deixar que os demais descobrissem qual das afirmações era falsa.

No Fala Jovem — rodas de conversa orientadas pela coordenadora do Núcleo de Saúde Mental, a ideia é que os participantes tenham um espaço de trocas variadas, acolhendo, sobretudo, as especificidades da vivência na periferia, desde os desafios de ingressar no mercado de trabalho até questões identitárias de raça e gênero.

"São rodas de terapia comunitária em grupo. O Fala Jovem acontece integrado a todas as oficinas, porque não queremos só formar para o mercado de trabalho, mas, também, proporcionar que estejam bem para entrar nesse mercado. No decorrer das oficinas, debatemos sobre como ele (mercado) acolhe pessoas periféricas e as dificuldades que os jovens sentem", detalha Yasmin.

A psicóloga guia as rodas de conversa, pelo menos, uma vez por mês, durante as oficinas, que, geralmente, envolvem até 45 alunos. A duração média é de seis meses.

Terapia comunitária

A psicóloga Yasmin ressalta que é empregada a terapia comunitária integrativa, uma vertente concebida pelo psiquiatra Adalberto Barreto, que visa uma prática de intervenção coletiva, voltada ao fortalecimento dos laços sociais. "Queremos que o participante se entenda como parte de uma comunidade, o que é esse laço social. Empregamos alguns princípios teóricos, como pensamento sistêmico, teoria da comunicação, antropologia cultural e pedagogia freireana", elenca.

Marcus Vinícius Castro, 25, é formado em jornalismo. Devido ao interesse em cinema, fez a oficina de direção e roteiro do Jovem de Expressão, no segundo semestre de 2023. Ele descreve o Fala Jovem como um espaço de acolhimento importante para o andamento das atividades no curso.

"Junto da psicóloga, ficávamos em uma roda. Geralmente, até os professores participavam. É um espaço muito acolhedor, porque não há obrigação de falar sobre o que estamos passando. Eles vão nos conhecendo melhor com as dinâmicas, os jogos em grupo e, depois, vêm as perguntas sobre como conseguimos relacionar o curso com a nossa vida profissional", aponta.

Ele recorda que, com o decorrer dos encontros, cada um foi se abrindo sobre o porquê da ansiedade e de estar fazendo o filme. "O curso é de cinema periférico, trata sobre pessoas negras fazendo filmes e a forma como eles mostram a nossa subjetividade. Existe todo um contexto de sermos de Ceilândia e querermos produzir aquele filme. É muito bonito", resumiu.

Serviço

Jovem de Expressão

Endereço: Praça do Cidadão, EQNM 18/20, Ceilândia Norte

Telefone: (61) 3371-8923

Site: jovemdeexpressao.com.br/

Instagram: @jovemdeexpressao

» O plantão de atendimento psicológico é realizado as quartas-feiras, das 14h às 17h. Não é preciso agendamento.

  • Roda de conversa no programa Jovem de Expressão
    Roda de conversa no programa Jovem de Expressão Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Rayane Soares da Silva, 31 anos, foi aluna do JEX e, agora, atua como gestora do programa
    Rayane Soares da Silva, 31 anos, foi aluna do JEX e, agora, atua como gestora do programa Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  14/03/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Programa Jovem de Expressão na Ceilândia. Grafite na parede em homenagem a Ceilândia.
    14/03/2024. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Programa Jovem de Expressão na Ceilândia. Grafite na parede em homenagem a Ceilândia. Minervino Júnior/CB/D.A.Press


Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação