Em meio à fome, à miséria e às marcas de guerras que atravessaram fronteiras, refugiados no Malawi estão encontrando uma nova chance de reconstrução — pela educação. No Campo de Refugiados de Dzaleka, que abriga cerca de 60 mil pessoas de diferentes países da África, professores brasileiros estão ajudando a formar educadores locais de inglês, transformando a sala de aula em um espaço de resistência, esperança e futuro.
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Cerca de 60 mil pessoas vivem no Campo de Refugiados de Dzaleka, no Malawi. Boa parte delas fugiu de conflitos armados na República Democrática do Congo ou do genocídio em Ruanda. Sem direito ao trabalho formal e vivendo em condições precárias, os moradores encontram no aprendizado do inglês uma ferramenta de sobrevivência. É nesse cenário que a brasileira Lívia Lima, professora voluntária da Nação Ubuntu — iniciativa da ONG Fraternidade sem Fronteiras (FSF), em parceria com a edtech Edify Education — atua, capacitando educadores que multiplicam conhecimento em meio às adversidades.
Ao Correio, Lívia conta que o projeto já atende 30 professores, e com isso, alcançar cerca de mil crianças. “Estamos capacitando os professores locais para que se tornem agentes multiplicadores do inglês e de todo o conhecimento que o idioma proporciona, gerando um impacto duradouro na comunidade”, explica.
O processo começa com um teste de nivelamento, que organiza os educadores em grupos conforme o domínio do idioma. As aulas são ministradas inteiramente em inglês, criando um ambiente de imersão total e de colaboração. “Os próprios alunos se ajudam nas traduções quando necessário. Além dos encontros semanais, propomos tarefas para manter o contato contínuo com o idioma, sempre adaptando os conteúdos à realidade do campo”, detalha Lívia.
A adaptação do material é um dos maiores desafios. Muitas vezes, as perguntas de livros tradicionais não fazem sentido no contexto local. “Questões como ‘Qual o seu restaurante favorito?’ ou ‘Onde pretende passar as férias?’ soam distantes e até indelicadas diante da realidade dos refugiados. Precisamos ressignificar cada exercício, reformular textos e atividades. É um trabalho constante de empatia e criatividade para tornar o aprendizado relevante e respeitoso”, afirma a voluntária.
Para Edvaldo José, diretor da Ubuntu Nation School, o impacto do ensino vai além da sala de aula. “O inglês tem sido um ponto de união entre os diferentes povos que vivem no campo, criando uma identidade comum e facilitando a comunicação”, explica.
Mas o trabalho enfrenta obstáculos. A ajuda humanitária foi reduzida drasticamente após a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de cortar parte do financiamento internacional em julho deste ano. “Antes, mesmo sendo pouco — três a cinco dólares por mês por pessoa —, era o que garantia comida. Hoje, sem esse suporte, o futuro dos refugiados se tornou uma interrogação”, desabafa Edvaldo.
Apesar disso, a resistência persiste. Os professores vêm de diferentes países da África: República Democrática do Congo, Ruanda, Burundi, Moçambique, Zâmbia, Tanzânia e o próprio Malawi. A mais experiente, Madame Astrida, carrega duas décadas como refugiada em Dzaleka e, aos quase 50 anos, simboliza a luta pela educação em um país cuja expectativa de vida não ultrapassa essa mesma idade.
O projeto é recente — começou em fevereiro de 2025 — e ainda não coleciona histórias clássicas de sucesso, como aprovações em universidades ou reassentamentos. Mas, para quem vive em condições tão extremas, cada pequena conquista já é uma vitória. “Aqui, o sucesso é diário. É ver os professores vivos, engajados e com esperança. Cada aula realizada, cada professor presente, é uma imensa história de sucesso”, resume Lívia.
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