A garantia de igualdade, oportunidades e condições para o acesso, permanência, participação e a aprendizagem dos estudantes é um dos princípios previstos na nova Política Nacional de Educação Especial Inclusiva. Voltado à promoção da inclusão escolar, o Decreto nº 12.686/2025 altera a rotina não apenas dos alunos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação, mas também de toda a comunidade escolar envolvida nesse processo.
Publicada no último dia 21, a medida, coordenada pelo Ministério da Educação (MEC), estabelece a consolidação de um sistema educacional inclusivo, a ser implementado por meio da organização do sistema geral de ensino. Assim, o texto assegura que os estudantes, público da educação especial, devem ser incluídos em classes e escolas comuns, contando com o apoio e os recursos necessários para o pleno desenvolvimento.
Entretanto, a proposta tem gerado debates e controvérsias entre especialistas da área e familiares dos alunos que serão afetados. Enquanto alguns veem o decreto como um avanço na consolidação de uma educação mais igualitária, outros apontam desafios práticos e estruturais para garantir que a inclusão ocorra de forma efetiva dentro das escolas.
É o caso da Federação Nacional das Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae Brasil) que divulgou em nota a preocupação com o esvaziamento das APAEs. De acordo com o texto, ao fixar como objetivo a universalização da matrícula em classes comuns, o decreto pode ser lido e operacionalizado como imposição automática. Disse que o desenho normativo produz exclusão sistêmica, e que muitos estudantes com necessidade de suporte "tenderão a perder atendimento educacional", o que caracteriza grave retrocesso social.
Impacto
Segundo Mariuza Guimarães, integrante do Conselho Técnico-Científico da Federação Nacional das Associações Pestalozzi (FENAPESTALOZZI), o decreto tem complicações do ponto de vista prático. Uma das problemáticas já existentes é que muitas das crianças, jovens e adultos com deficiência intelectual e múltiplas que precisam de auxílio, não recebem o suporte devido. Matriculadas nas escolas comuns, pelo atraso no desenvolvimento, acabam ficando 'isoladas' em uma classe especial dentro de uma sala comum, sendo vítimas de preconceitos.
"A ideia que os outros alunos têm é que essas crianças possuem um professor só para elas. É inadmissível que um jovem fique em uma sala de ensino médio fazendo uma atividade que não é indicada para aquela série. Só do fato dele estar em um grupo em que não interage com os demais por fazer uma tarefa fora do currículo da classe, já é exclusão, discriminação e preconceito", afirmou.
Guimarães relembra que esses alunos estão nas salas de aula trabalhando um currículo diferente daquele aplicado aos demais discentes. Independentemente da idade, o estudante percebe que é tratado de forma diferente, e que não está fazendo as mesmas coisas que os colegas. "Nós queremos que todos os nossos alunos convivam com todas as demais crianças, jovens, e adultos da sua idade" afirmou. "Mas é preciso que se tenha condições adequadas."
Por outro lado, o MEC afirma em nota que a política não interfere nas atribuições e no financiamento das entidades filantrópicas e comunitárias atuantes na educação especial, tais como a Pestalozzis. As Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) e congêneres também foram citadas.
De acordo com o pronunciamento, o decreto foi construído após diálogos com representantes de entes federados, profissionais da área e representantes de movimentos sociais. O objetivo é claro: a institucionalização de ações e programas que já vinham sendo desenvolvidos pelo MEC, junto às redes de ensino. A pasta permanece aberta ao diálogo com o Congresso Nacional e com toda a sociedade, para que possa buscar eventuais aperfeiçoamentos, de modo a evitar distorções de interpretação.
Ontem (29/10) na Câmara dos Deputados, o Ministro de Estado da Educação, Camilo Santana declarou que a medida vêm sendo debatida desde maio do ano passado. "O único objetivo é garantir o direito de todo brasileiro, toda criança e jovem a ter o atendimento especializado nessas escolas", relatou. " Não há nenhuma intenção desse decreto de prejudicar as APAEs. Quem estiver falando isso, não está falando a verdade."
Para o especialista em autismo Lucelmo Lacerda, o decreto trouxe questões preocupantes para o futuro da educação inclusiva no país, prejudicando não somente os alunos, mas também os profissionais da educação. "Isso pesa na qualidade de vida e saúde mental dos professores", afirmou. "Foi uma péssima solução." De acordo com Lacerda, muitos docentes podem ser trocados por não especializados, resultando na falta de didática com os alunos. O especialista demonstra preocupação. Disse que "baixaram muito a régua" para quem deve acompanhar os estudantes necessitados.
Segundo Lacerda, a medida além de afetar os docentes também pode levar ao aumento de abandono e evasão dos alunos. "Como eles têm uma sensibilidade maior, a escola é um lugar muito barulhento. Para eles, o sofrimento é extremo. O maior problema foi não ouvir a sociedade, principalmente os professores e os pais de crianças com deficiência", afirmou.
Relato
Com dois anos, Jorge Alencar recebeu o diagnóstico de autismo. Na época, estudava em uma escolinha em Passagem Franca, no Maranhão, na qual a professora alertou a mãe, Safyra Alencar, corretora de imóveis, que o filho tinha dificuldades em socializar com os demais colegas da turma. Após ter aceitado o diagnóstico, a família se mudou para Brasília, em busca de melhores condições para Jorge.
"Foi uma decepção", declarou a mãe. Safyra, que veio para a capital com o objetivo de ser acolhida, imaginava que encontraria boas escolas e especialistas. Porém, quando chegou percebeu que o sonho estava longe de ser real. Atualmente, com 5 anos, Jorge, diagnosticado com o 3° grau de autismo, não-verbal, estuda em uma sala com outros 15 alunos em Taguatinga, sem o apoio adequado.
Segundo Safyra, os monitores que a escola proporciona nem sempre são formados em pedagogia. "A sorte foi que Jorge gostou desse rapaz. Eles se dão muito bem. A escola tentou trocar de monitor mas ele não se adaptou, então agora ele continua acompanhando meu filho", relatou. A mãe afirma que George já sofreu diversas situações de exclusão, tanto por parte dos professores quanto dos alunos.
Safyra diz que o filho recebia acompanhamento desde os 3 anos por uma psicopedagoga oferecida pelo governo. Atendido uma vez por semana durante 1h30, a mãe relembra que o ambiente era desconfortável e quente. Por esses motivos, relembra que às vezes não era capaz de levar o filho, que sofria com o desconforto. Este ano, Jorge não recebe o acompanhamento.
Há três meses, Jorge começou a praticar natação no Centro Olímpico de Samambaia. A turma com três alunos, é acompanhada pelas mães, que entram na água com os filhos, e uma professora especializada. Com a aula semanal de 30min, Safyra já consegue ver grande diferença no comportamento do filho. "É excepcional, dá para ver a diferença absurda com a professora especializada. O segredo não está na formação em si, e sim no amor que esses profissionais têm."
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá.
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