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Confira universidades que implementaram o vest 60+ no Brasil; veja relato de aprovados

A fim de combater o etarismo e incentivar o ingresso no ensino superior, Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Viçosa (UFV) e Universidade Federal de Uberlândia (UFU) são algumas das instituições que promoveram ações afirmativas para pessoas com mais de 60 anos em 2024

Lara Costa*
Marina Rodrigues
postado em 19/01/2025 06:00 / atualizado em 20/01/2025 18:35
Valdir Corrêa Viana, 62 anos, passou para o curso de biologia na primeira edição do vestibular 60, no ínicio de 2024
 -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Valdir Corrêa Viana, 62 anos, passou para o curso de biologia na primeira edição do vestibular 60, no ínicio de 2024 - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Valdir Corrêa Viana, 62 anos, servidor público em recursos humanos, foi um dos primeiros aprovados no vestibular 60+ da Universidade de Brasília (UnB). Ele teve de interromper os estudos muito cedo para ajudar a família, indo até o primeiro ano do ensino médio. Depois que os filhos se formaram, ele e a esposa decidiram retomar os estudos. 
Em 2023, o estudante concluiu a educação básica pelo ensino de jovens eadultos (EJA), no Centro Educacional 02 de Taguatinga, onde seus filhos se formaram. Em seguida, descobriu o vestibular 60+, mas considerava um sonho impossível devido à idade. Encorajado por professores, ele se preparou para ingressar na UnB, e conquistou uma das vagas disponibilizadas para a graduação em biologia no primeiro semestre de 2024.
Cursando o terceiro semestre do curso, Valdir percebe que, mesmo com desafios, como a dedicação aos estudos e a presença maior da tecnologia em sala de aula, ele se sente estimulado para estudar e trabalhar no que sonha, que é ser cientista de plantas medicinais. 
 14/01/2025 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Eu Estudante. Medidas de Integração de Pessoas com mais de 60 Anos. Na foto, Valdir Correia Viana.
Medidas de Integração de Pessoas com mais de 60 Anos. Na foto, Valdir Correia Viana. (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)
“Estou fazendo a disciplina de farmacobotânica, com a missão de implantar um projeto com fitoterápicos no câmpus de Ceilândia (FCE), aumentando a demanda de fitoterápicos para as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da região. Eu não imaginava que eu poderia ajudar a sociedade por meio dos meus estudos”, comemora. 
Para o estudante, poder estar na faculdade significa um “escape”, principalmente, para os aposentados, que têm a oportunidade de voltar à ativa e contribuir para a comunidade. Nesse sentido, ele recomenda que pessoas na mesma faixa etária e que se encontram em situação semelhante tentem o vestibular.
“Temos condições de entrar na faculdade, o que é preciso é que a pessoa volte à rotina, à sala de aula, porque nós deixamos de ser massa de manobra. A partir desse momento, você sai do anonimato, e passa a ter mais visibilidade, porque está em uma universidade”, afirma. 

Vestibular 60+ 

A primeira edição do vestibular 60+ na UnB foi realizada no início de 2024. A ideia surgiu com a criação da Política do Envelhecer Saudável Participativo e Cidadão (Pespc), aprovada pela Câmara de Direitos Humanos (CDH) da universidade com o objetivo de atender e adequar as necessidades de pessoas idosas, combater o etarismo — preconceito sofrido em função da idade —, e preparar as gerações para o envelhecimento saudável, participativo, digno e cidadão. 
Desde o ano passado, o Decanato de Ensino de Graduação (DEG) tem lançado os editais da seleção. O vestibular tradicional oferece mais de 140 cursos, enquanto o vestibular 60+ é destinado a vagas extraordinárias, ou seja, destinadas exclusivamente a pessoas idosas, e não são ofertadas no vestibular tradicional, no Programa de Avaliação Seriada (PAS) nem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Além disso, a oferta de cursos no vestibular 60+ pode variar de um semestre para outro ou de um ano para outro, a depender da disponibilidade das áreas. As informações constam em cada edital. 

Acompanhamento 

Rozana Naves, reitora da UnB: "Letramento digital é o maior desafio"
Rozana Naves, reitora da UnB: "Letramento digital é o maior desafio" (foto: Divulgação )

A reitora da UnB, Rozana Naves, afirmou que a iniciativa vem atraindo tanto pessoas que já têm uma formação superior quanto candidatos que buscam a primeira graduação. “Uma parte dessas pessoas ou não tinham tido a oportunidade de acessar a universidade ou há muito tempo tinham saído da academia, porque vários dos nossos ingressantes estão fazendo um segundo curso superior. De qualquer maneira, são pessoas que estavam distantes do ambiente universitário e que agora retornam. Então, o acompanhamento pedagógico é fundamental.” 
Como o ano letivo de 2024 ainda não terminou, estando previsto apenas para o final de fevereiro de 2025, a reitora diz que ainda não é possível medir o desempenho desses alunos ao longo dos semestres. No entanto, em geral, foi observada uma boa receptividade desse grupo por parte dos colegas, pelos professores e, especialmente, pela gestão. “São pessoas que, pela própria vivência e trajetória de vida, contribuem com a gestão por meio das sugestões que dão e são proativas também na construção das soluções”, pontua Naves. 

Adaptação 

Um dos principais desafios dos estudantes idosos, segundo a reitora, é o letramento digital, incluindo a adaptação aos sistemas eletrônicos de graduação. Em seguida, está a acessibilidade física, que envolve a infraestrutura da instituição. 
Nesse sentido, a UnB afirma estar avançando. “Já havia um conjunto de ações com plataformas elevatórias nos prédios. Agora, a gente precisa ampliar a parceria com o Governo do Distrito Federal (GDF) no sentido da mobilidade de transporte, por um lado, e também do calçamento, para melhorar a acessibilidade externa aos prédios”, esclarece. 
Quanto às questões pedagógicas, de acordo com Rozana, os novos estudantes estão sendo assistidos pelo Decanato de  Assuntos Comunitários (DAC) na maioria das demandas. “A gente tem uma coordenação dentro do DAC que cuida da comunidade como um todo, em especial, dos 60+, e a gente tem outras iniciativas extensionistas e de pesquisa que têm trabalhado essa questão do letramento digital focado nesse grupo”, diz. A preparação dos professores, por outro lado, ainda é um desafio para a instituição. 

Novas perspectivas 

Terezinha na recepção dos calouros de engenharia florestal
Terezinha Vieira, 76, na recepção dos calouros de engenharia florestal (foto: Arquivo pessoal)

Terezinha Vieira, 76 anos, também foi uma das aprovadas no vestibular 60+, ingressando em engenharia ambiental no segundo semestre de 2024. Ela trabalhou muitos anos na Fundação Hospitalar, na área de programas de saúde pública, mas se aposentou e hoje toca um projeto autônomo com o marido. A iniciativa da dupla é voltada para o reflorestamento em Sobradinho (DF), e por isso Terezinha prestou o vestibular para a UnB nessa área. 
Para ela, o retorno à universidade não foi difícil, já que não encara a idade como um obstáculo. “Acho que as pessoas te colocam em uma caixinha chamada ‘idade’, e não me preocupo com isso, porque o mais importante não é a idade física ou fisiológica temporal, e sim a idade mental, do coração e da alma”, compartilha.
Estar no ambiente tem sido positivo, porque a estudante interage com pessoas de diversas gerações e diz não sofrer preconceitos, sentindo-se mais à vontade. “Eu tenho aulas com pessoas diferentes, não é uma turma sequencial, e isso enriquece ainda mais, porque existem adolescentes, alguns mais focados, outros menos, mas tudo isso contribui para a experiência de vida.” 
Em relação a medidas inclusivas, como o vestibular 60+, ela acredita que esse tipo de iniciativa é interessante, porque vai além da integração dessas pessoas, melhorando a qualidade de vida, estimulando a memória e as relações interpessoais. “Quando temos vontade, há um caminho e quando há um caminho, temos condições de percorrer. Seria bom se essa iniciativa pudesse estar em todas as universidades do Brasil”, diz. 

Riqueza intergeracional 

Em concordância, Tiago Araújo Coelho de Souza, docente de odontologia e decano da UnB, ressalta que o vestibular 60+ é importante para promover maior visibilidade dessas pessoas, considerando dois fenômenos: a mudança demográfica e a oportunidade de transição de carreira. “Temos que engajar a população cada vez mais a essas mudanças; e socialmente, o vestibular permite que realizem seus sonhos independentemente da idade.” 
O decano defende, ainda, que a universidade é fundamental para essa reconfiguração do ambiente acadêmico, uma vez que possibilita vivências intergeracionais. “As instituições de ensino superior devem refletir a sociedade nesse momento, então é importante incluir as pessoas mais velhas. Não podemos fechar os olhos para  elas, temos que inseri-las socialmente, e o meio acadêmico é importante para isso.” 

Seleção ampliada 

Demetrius David, reitor da UFV: "O processo seletivo foi um sucesso"
Demetrius David, reitor da UFV: "O processo seletivo foi um sucesso" (foto: UFV/Divulgação)

Seguindo o exemplo da UnB, a Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, incorporou o vestibular 60+, aplicando a primeira edição em dezembro de 2024.
“Foram oferecidas 86 vagas em vários cursos e a procura foi muito boa. Vimos um grupo ativo, que chegou muito antes da hora marcada e concluiu a prova com entusiasmo. O resultado ainda não foi divulgado, mas já consideramos o processo seletivo um sucesso”, relatou ao Correio o reitor da UFV, Demetrius David da Silva. 
Segundo ele, hoje em dia, pessoas com 60 anos ou mais têm um perfil muito diferente do que tinham há 20 ou 30 anos. “É uma geração que estuda, trabalha, movimenta-se e está preparada para novos desafios. Além disso, vemos com muitos bons olhos a interação entre as gerações, daqueles estudantes que estão saindo do ensino médio com esse público experiente, todos se encontrando, interagindo e estudando juntos numa aula de cálculo I ou de didática. Acreditamos que haverá benefícios para todos”, diz.
Candidatos com mais de 60 anos compareceram aos três câmpus da UFV, para a realização da prova em 15 de dezembro de 2024
Candidatos com mais de 60 anos compareceram aos três câmpus da UFV, para a realização da prova em 15 de dezembro de 2024 (foto: UFV/Divulgação)
Pensando nos aprovados, o reitor adianta que estão planejando um evento de acolhimento para os calouros, “para que se sintam bem-vindos e pertencentes à instituição desde o primeiro dia de aula”. Além disso, a reitoria pretende acompanhá-los ao longo do curso para identificar dificuldades e definir quais mecanismos de apoio serão necessários para que possam dar continuidade e concluir o curso junto aos colegas. 
“Uma das alternativas que estudamos implementar é a monitoria focada no uso das ferramentas digitais, tendo em vista que muitos deles acessam à internet constantemente, mas podem encontrar dificuldades para acessar sites institucionais ou mesmo para utilizar ferramentas, como editores de texto, etc. Seja o que for, estaremos atentos e prontos para apoiá-los no que for necessário”, detalha Demetrius. Para os próximos anos, a reitoria da UFV diz que pretende aumentar o número de vagas do processo seletivo 60+. 

Sudeste presente

Também engajada com a inclusão e a diversidade no ensino superior brasileiro, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) é outra que implementou seleção exclusiva para pessoas com mais de 60 anos que desejam ingressar em cursos de graduação. A iniciativa foi aprovada em abril de 2024, durante reunião ordinária do Conselho de Graduação (Congrad) da instituição.

De acordo com a decisão, após o encerramento do período regular de matrículas e dos processos seletivos para preenchimento de vagas ociosas, será lançado um edital específico para atender essa faixa etária. A medida busca garantir o direito à educação para os idosos, alinhando-se ao Estatuto do Idoso, que assegura a prioridade dessa parcela da população em diversas áreas, como educação, cultura e lazer.

Noézia Maria Ramos, professora da Faculdade de Gestão e Negócios (Fagen/UFU), afirma que a UFU conta com uma estrutura capaz de atender às necessidades desse público, incluindo projetos de extensão em arte, educação física e empreendedorismo, que promovem integração social, revitalização física e momentos de lazer. Além disso, ressaltou que os cursos de graduação podem oferecer aos idosos oportunidades de atualização profissional e compreensão das demandas do mercado de trabalho, essenciais para continuarem ativos, saudáveis e contribuindo para o futuro do país.

Andifes

Com o objetivo de apoiar o monitoramento dessas instituições e estimular novas universidades a aderirem à seleção exclusiva, o Correio solicitou à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) a realização de um levantamento junto às reitorias universitárias de todo o país para criação de uma lista nacional e atualizada com as instituições que aderiram ou pretendem implementar a medida. O material inédito pode contribuir, especialmente, para o cumprimento dos direitos previstos em lei para essa parcela tão importante da sociedade.

Para saber mais

Legislação
Em dezembro de 2024, a Comissão de Educação e Cultura do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 1.519, de autoria da ex-senadora Janaína Farias (PT-CE), que determina que as instituições de educação superior devem criar ações para promover o ingresso e a permanência de idosos na graduação em todo o país. A medida altera a Lei nº 10.741, que trata do Estatuto do Idoso, incluindo outras providências que favorecem a inclusão e a valorização dessa parcela na educação.
A proposta recebeu relatório favorável da senadora Augusta Brito (PT-CE) e seguirá para análise na Câmara dos Deputados, caso não haja recurso para votação em plenário. Vale lembrar que a matéria não precisa passar pelo plenário do Senado antes de ser encaminhada para a Câmara, apenas se houver um recurso assinado por, pelo menos, nove senadores. O prazo para interposição de recurso é de cinco dias úteis e está previsto entre os dias 3 e 7 de fevereiro.
Demografia
As projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a população do Distrito Federal crescerá até 2042, atingindo 3.118.159 habitantes, antes de entrar em declínio.
Em 2070, 40,4% da população será composta por idosos, um aumento significativo comparado aos 13,5% de 2024. Com essa mudança, o DF está a caminho de se tornar a unidade federativa mais envelhecida do Brasil em 50 anos.  
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues

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