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Professor especialista em Enem ajuda a concretizar o sonho de entrar na universidade

Pesquisador e especialista na maior prova de acesso ao ensino superior do país, o Enem, Bruno Borges é uma das referências em Brasília quando o assunto é preparação para vestibulares

Mariana Niederauer
postado em 06/07/2025 06:00 / atualizado em 06/07/2025 08:31
Bruno Borges -  (crédito: Ed Alves CB/DA Press)
Bruno Borges - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

A obrigatoriedade do ensino da sociologia na educação básica e a adoção da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como porta de acesso ao ensino superior transformaram a educação no Brasil. A primeira, contribuindo para trazer um olhar mais holístico para as questões sociais e como elas moldam o país; e a segunda, pela responsabilidade de democratizar a entrada nas principais instituições federais. Esse divisor de águas se tornou decisivo também para a carreira do professor Bruno Borges, 35 anos, que passou a dedicar tanto o trabalho em sala de aula quanto o acadêmico ao propósito de auxiliar na transição dos estudantes entre o ensino médio e a graduação.

Cearense, Bruno nasceu na capital Fortaleza, mas veio para Brasília aos 7 anos. Ele próprio nunca teve aulas de sociologia no ensino médio, uma vez que quando terminou a trajetória na educação básica, em 2007, a disciplina ainda não era obrigatória. A referência quando foi aprovado para o curso de ciências sociais na Universidade de Brasília (UnB) era o irmão mais velho, Nicholas, antropólogo. 

"Mas, em momento algum, eu tinha pensado em trabalhar com educação. Na verdade, eu queria ser antropólogo como meu irmão e ter uma trajetória acadêmica, de pesquisa na antropologia. Porém, no primeiro ano de graduação, andando ali no Minhocão (prédio do Instituto Central de Ciências do câmpus da Asa Norte), vi um cartaz que tinha um convite para atuar como monitor num cursinho preparatório para vestibular", detalha Bruno.

Ele se candidatou à vaga e foi selecionado em 2009, primeiro ano da graduação. Dali em diante, não deixou mais a sala de aula. A Lei Federal nº 11.684, de 2008, havia estabelecido a obrigatoriedade do ensino da sociologia no ensino médio, bem como da filosofia. "Existindo uma obrigatoriedade, ela passa a ser cobrada nos principais exames do país, num primeiro momento de maneira mais transversal, depois como um componente curricular. Então, há uma demanda naquele momento por professores de sociologia", comenta.

As aulas no cursinho noturno representaram uma experiência curiosa e desafiadora, uma vez que muitos dos alunos eram mais velhos do que ele. "Foi surpreendente, por mudar minha trajetória, e ao mesmo tempo assustador, porque eu não tinha nenhuma segurança na prática pedagógica e boa parte dos meus alunos tinham uma idade mais avançada do que a minha", relembra.

"Porém, com o tempo, fui percebendo que eu me encontrava, porque notei algo muito valioso na minha graduação e na especialização: a licenciatura não é uma trajetória distinta da pesquisa. Um dos maiores aprendizados que eu tive, concluindo minha graduação e depois indo para especialização, foi que as duas coisas não estavam dissociadas. O bom professor, o professor que gosta daquilo que faz, invariavelmente é um pesquisador, porque a sua prática pedagógica envolve uma reflexão e deixa de ser automatizada."

Mudança de rota

A partir daí, a carreira de Bruno toma outro rumo. Após se formar, em 2013, ele ingressa como professor no Leonardo da Vinci. No mesmo ano, foi aprovado no concurso da Secretaria de Educação do DF, e passou a lecionar também no Centro Educacional Darcy Ribeiro, no Paranoá.

A mudança atingiu também seu trabalho como pesquisador. "Na graduação, eu começo a pesquisar o papel do ensino de sociologia nas escolas do DF naquele momento de obrigatoriedade. Depois, na pós-graduação, qual era a representação de gênero e de raça na principal prova do país, que é o Enem", detalha. Ele pesquisou como o exame abordava essas temáticas e a influência no trabalho feito em sala de aula.

Hoje, o professor se considera realizado no caminho que trilhou. "Consegui associar as duas coisas que eu amo, que são a juventude (e a formação dessa juventude) e a pesquisa. Consegui aliar a sala de aula com o meu espaço de trabalho e com o meu objeto de pesquisa. É isso que faz com que eu tenha uma profunda identidade com os meus alunos e com a minha prática de trabalho", alegra-se.

No mestrado, concluído em 2022, a investigação sobre o Enem continuou, agora com foco na queda drástica no número de inscrições, um fenômeno observado a partir de 2017. "Quando eu me torno professor, ali em 2009, o PAS, o Enem e o vestibular são as principais formas de acesso ao ensino superior, e o Enem vivenciava um boom de inscrições, com 9 milhões de inscritos. Só perdia para o Gaokao, que é o maior vestibular do mundo, o chinês", observa.

  • Carteirinha da Universidade  de Brasília
    Carteirinha da Universidade de Brasília Fotos: Arquivo pessoal
  • Aulão para o Enem, com estudantes da rede pública
    Aulão para o Enem, com estudantes da rede pública Arquivo pessoal
  • Serviço de orientação para vestibulares
    Serviço de orientação para vestibulares Arquivo pessoal
  • Com alunos do ensino médio do Leonardo da Vinci
    Com alunos do ensino médio do Leonardo da Vinci Arquivo pessoal
  • Formação para professores da rede pública na Eape
    Formação para professores da rede pública na Eape Arquivo pessoal
  •  2025. Trabalho & Forma....o Profissional. Entrevista com o professor Bruno Borges,  no Leonardo da Vinci Asa Sul,  para a coluna Nossos mestres deste m..s.
    2025. Trabalho & Forma....o Profissional. Entrevista com o professor Bruno Borges, no Leonardo da Vinci Asa Sul, para a coluna Nossos mestres deste m..s. Ed Alves CB/DA Press

"Porém, ocorre um fenômeno muito estranho de 2017 para frente. O Enem vivencia gradativamente uma redução dos inscritos, saindo de 9 milhões para 3,3 milhões", completa. Com o trabalho no CED Darcy Ribeiro, ele percebeu que o fenômeno de redução de 60% no número de inscritos entre 2017 e 2021 atingia principalmente a rede pública de ensino, mesmo com a Lei de Cotas vigente e consolidada no país. "Eu queria entender o que estava acontecendo. Quais variáveis explicavam essa redução, que não foi pontual?", questionava-se.

Na dissertação, Bruno chegou a nove variáveis que impactaram esse índice, mas destaca as duas principais: o fato de o Enem ter deixado de ser certificador do ensino médio e a pandemia de covid-19.

Mais possibilidades

Por ser um professor de ensino médio, Bruno sempre teve presente em sua prática pedagógica um forte diálogo com o sonho de seus alunos de chegar ao ensino superior. Entre aqueles da rede pública, no entanto, percebia que a falta de conhecimento, às vezes, minava até mesmo o desejo de cursar a faculdade. "É um relato comum pensarem que a Universidade de Brasília é uma universidade privada, tamanho o afastamento da realidade deles", descreve. "O meu papel na rede pública sempre foi pautado por isso: mostrar para esses alunos que era um caminho possível e que poderia alterar, impactar de maneira positiva a trajetória profissional e de vida deles", avalia. 

Nesse sentido, a dedicação ao Enem se conecta totalmente ao objetivo do professor. Apesar de ter sido concebido em 1998 como prova de avaliação da qualidade do ensino médio no Brasil, em 2009 o Enem adota um novo formato, e a nota no exame passa a valer para acesso ao ensino superior, democratizando as oportunidades. "Até 2009, os alunos que estavam no Ceará, meu estado de origem, mas queriam, por exemplo, estudar na UnB, tinham que viajar para fazer uma prova. Então, os alunos que tinham a chance de olhar o Brasil como um continente de possibilidades de acesso às universidades eram um perfil muito específico — alunos que tinham condições econômicas de viajar e de fazer provas em todo o país", reforça.

"Quando surge o Enem, você vira para aquele jovem que mora no município mais carente do meu estado e diz para ele que ele pode fazer uma prova chamada Enem e pode disparar essa prova para o Brasil inteiro, via uma plataforma chamada Sisu", resume Bruno. "Foi um divisor de águas na história do ensino superior brasileiro, que é a democratização de acesso para as vagas em todo o território nacional."

Reencontro

Depois de mais de 10 anos dedicados à educação, Bruno coleciona histórias marcantes e começa a se deparar com situações que o orgulham em especial: já trabalhou com duas colegas de profissão que foram suas alunas. No Leonardo da Vinci, é coordenador do Serviço de Orientação ao Vestibular (SOV), que oferece mentoria e acompanhamento individualizados. "A melhor maneira de bater de frente com a ansiedade é conhecendo o processo", atesta.

Depois de passar pelas salas de aula do CED Darcy Ribeiro, ele agora assumiu, na rede pública, a coordenação do curso Guiando para o futuro, com foco na formação de professores para dar suporte semelhante ao ofertado pelo SOV também nas escolas públicas. As formações ocorrem na Unidade-Escola de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape). "É uma formação de professores voltada para democratizar o acesso ao ensino superior", resume. "Meu desejo na Eape é ofertar esse mesmo serviço, dar esse mesmo direito aos estudantes da rede pública, em 93 escolas."

Também impactada pelas múltiplas possibilidades de acesso ao ensino superior, Sílvia, mãe de Bruno e servidora aposentada da Câmara dos Deputados, vai prestar o vestibular 60 da UnB. "Agora é a vez dela, que participou de um projeto belíssimo na UnB, o Universidade do Envelhecer", orgulha-se o filho. O projeto tem como foco debater o envelhecimento e alguns temas ligados à gerontologia. O objetivo de Sílvia é atuar na área de serviço social, para pensar políticas públicas voltadas aos idosos. 

Para os próximos passos, além de aguardar, ao lado da mulher, a também socióloga Thais, a chegada do caçula Arthur, que fará companhia ao Caio, de 4 anos, Bruno espera o resultado da última etapa da seleção para o doutorado. Agora, pretende fazer um balanço dos 30 anos do pioneiro programa de avaliação seriada da UnB, o PAS.

"Já não sou um jovem professor, mas estou longe de estar no fim de carreira", avalia. "O que me encanta na educação até hoje é a ideia de que, cada vez que eu oriento um aluno ou cada vez que eu entro em sala de aula, estou contribuindo com o projeto de vida dele, com a perspectiva de futuro que ele carrega, que é algo muito maior do que uma vaga ou uma graduação. É algo que atravessa a subjetividade desses alunos, a trajetória familiar deles. Isso, para mim, é apaixonante e faz com que cada ano letivo pareça ser inédito."

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