
JOÃO ALFREDO LOPES NYEGRAY, mestre e doutor em internacionalização e estratégia. Profesor de geopolítica, negócios internacionais e coordenador do Observatório de Negócios Internacionais da Pontíficia Universidade Católica do Paraná
Os desentendimentos entre Irã, Israel e Estados Unidos formam hoje um dos eixos mais tensos e estruturantes da geopolítica global. Essa rivalidade tripartite não é recente nem conjuntural. Ela resulta de dinâmicas históricas profundas, antagonismos ideológicos duradouros e disputas estratégicas por hegemonia regional, inseridas em uma reconfiguração das alianças desde o fim da Guerra Fria.
Durante a Guerra Fria, Irã e EUA mantinham uma aliança estratégica sólida, sobretudo durante o governo do xá Mohammad Reza Pahlavi. À época, o Irã era um dos pilares da contenção ao comunismo no Golfo Pérsico, cooperando discretamente com Israel em áreas como inteligência e comércio. A Revolução Islâmica de 1979, contudo, rompeu esse eixo. O novo regime teocrático liderado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini transformou o Irã em uma república islâmica xiita e passou a denunciar abertamente os EUA e Israel como inimigos existenciais.
O ponto mais sensível da relação entre os três atores é o programa nuclear iraniano. Desde os anos 2000, tanto Israel quanto os EUA veem com extrema preocupação os avanços do Irã no enriquecimento de urânio. Em 2015, o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA) limitou esse programa em troca da suspensão de sanções econômicas. Embora considerado um marco diplomático, o acordo enfrentou oposição de Israel, que o considerava brando para impedir a proliferação. Com a eleição de Trump, os EUA se retiraram do JCPOA em 2018, reimpondo sanções severas ao Irã e aprofundando seu isolamento.
A atual escalada no Oriente Médio, marcada por uma guerra direta entre Irã e Israel, não pode ser compreendida sem referência ao ataque coordenado do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023. Na ocasião, o grupo palestino, apoiado logisticamente por Teerã, lançou uma ofensiva sem precedentes a partir da Faixa de Gaza, resultando em centenas de mortes e provocando uma retaliação militar israelense de grande escala. A resposta de Israel reacendeu os confrontos com milícias ligadas ao Irã no Líbano, Síria e Iêmen, aprofundando a fragmentação do já instável equilíbrio regional.
Ainda que o histórico da região seja repleto de precedentes perigosos, a atual crise atingiu um patamar inédito. De um lado, Israel realizou ataques cirúrgicos contra alvos estratégicos dentro do território iraniano, incluindo instalações nucleares e a eliminação de líderes da Guarda Revolucionária e cientistas do programa atômico. De outro lado, há o ataque direto do Irã ao território israelense, num marco inédito em que Teerã aciona abertamente seu aparato balístico contra cidades israelenses, invocando o direito à legítima defesa diante de ataques preventivos em seu território.
Mais do que simbólica, a ofensiva tem se mostrado relativamente efetiva, desafiando a superioridade tecnológica de Israel ao superar, ainda que parcialmente, o sistema de defesa antimíssil conhecido como Domo de Ferro — cuja eficácia, antes acima de 90%, agora enfrenta limitações diante da intensidade e da coordenação dos disparos iranianos. Esse novo patamar do confronto expõe a vulnerabilidade de Israel, altera o equilíbrio estratégico regional e inaugura uma era em que o Irã já não atua apenas por meio de proxies, mas como ator bélico direto.
Em paralelo, há também abully diplomacydos EUA, que rompe definitivamente com a ambiguidade diplomática que, mesmo em tempos de tensão, costumava prevalecer. A entrada dos EUA leva essa crise a um patamar inédito na história contemporânea. Trata-se não apenas de um colapso normativo, mas de um perigoso precedente diplomático e militar sem equivalentes recentes.
Essa crise também desafia os fundamentos do regime de não proliferação nuclear. Se ameaças explícitas à vida de líderes de Estado se tornam aceitáveis no discurso político de grandes potências, qual a função de tratados como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP)? A deslegitimação da soberania como princípio e a crescente normalização da força bruta como linguagem da política externa corroem a própria ideia de uma ordem internacional baseada em regras.
O conflito entre Irã, Israel e EUA, portanto, vai muito além de mais uma crise regional. Ele simboliza o colapso da normatividade internacional, a falência dos mecanismos de contenção multilateral e o retorno de práticas pré-modernas na condução das relações exteriores. É um alerta grave - e possivelmente definitivo — sobre o tipo de mundo que está emergindo quando o diálogo é substituído pela retaliação, e o direito é eclipsado pela força.
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