
LUIZ BERTI, cirurgia bari´bariátrico, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) ampliou as indicações para acirurgia bariátrica no Brasil, reduzindo o IMC mínimo de 35 para 30 em pacientes com comorbidades e permitindo que adolescentes a partirdos 14 anos, em casos graves, também possam realizar o procedimento. Essa decisão representa um avanço significativo no reconhecimento da obesidade como uma doença grave e multifatorial, mas também escancara os desafios estruturais e de acesso enfrentados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Afinal, como garantir que essasmudanças beneficiem efetivamente a população quando menos de 1% dos pacientes com indicação para a cirurgia conseguem realizá-lano sistema público?
A obesidade é a maior epidemia global da atualidade, impactando diretamente a saúde pública. No Brasil, estima-se que cerca de 70% da população depende exclusivamente do SUS, e em estados maisvulneráveis, esse número pode chegar a 95%. Apesar disso, o tempo médio de espera para uma cirurgia bariátrica no SUS é de impressionantes 10 anos. Enquanto isso, pacientes enfrentam complicações graves associadas à obesidade, como diabetes, hipertensão, apneia do sono, gordura no fígado e até mesmo tipos específicos de câncer. Essas condições não apenas comprometem aqualidade de vida, mas também sobrecarregam financeiramente osistema de saúde.
Entre os principais gargalos que limitam o acesso à cirurgia bariátrica está a falta de infraestrutura adequada para a realização de procedimentos por videolaparoscopia, que apesar de incorporada ao sistema público de saúde desde 2017, ainda não é uma realidade corriqueira. A técnica minimamente invasiva se provou superior à cirurgia aberta. Estudos demonstram que a videolaparoscopia reduz o tempo de internação (de 4-5 dias para 2 dias), diminui o uso de analgésicos, acelera a recuperação do paciente e libera leitos hospitalares mais rapidamente — um benefício crucial em um sistema onde a disponibilidade de leitos é crítica. Além disso, a técnicaapresenta menores taxas de complicações, como infecções e hérniasincisionais, e melhora significativamente a experiência do paciente.
No entanto, apesar dessas vantagens, a videolaparoscopia ainda é subutilizada no SUS, representando apenas 23% das cirurgias bariátricas realizadas nos últimos oito anos. O principal obstáculo é a defasagem na Tabela SUS, que não cobre adequadamente os custosdos insumos necessários para o procedimento. Isso torna economicamente inviável a adoção ampla dessa técnica, prejudicando tanto os pacientes quanto o sistema de saúde como um todo.
Outro ponto de atenção é a crescente popularidade dos análogos de GLP-1, medicamentos utilizados para controle de peso. Embora sejam promissores em alguns casos, esses tratamentos têm alto custo, feitos colaterais relevantes e resultados limitados em pacientes como besidade mórbida, que frequentemente necessitam de intervenção cirúrgica. Investir massivamente nesses medicamentos, sem priorizar outras soluções mais eficazes e duradouras, como a cirurgia bariátrica, pode agravar, ainda mais, os problemas de acesso e alocação de recursos no SUS.
Diante desse cenário, é urgente que o Brasil adote medidas concretas para ampliar o acesso à cirurgia bariátrica no SUS. Isso inclui aatualização imediata da Tabela SUS, garantindo que os custos reais da videolaparoscopia sejam cobertos; investimentos em treinamento de profissionais e infraestrutura hospitalar; e políticas públicas que integrem prevenção, tratamento clínico e cirúrgico de forma coordenada. É igualmente essencial que o debate sobre obesidade seja conduzido com seriedade, evitando soluções simplistas ou motivadaspor interesses comerciais.
A obesidade não é apenas uma questão estética ou individual; é uma doença crônica que demanda atenção prioritária. Com as mudanças recentes nas regras do CFM, temos uma oportunidade única de avançarno tratamento da obesidade no Brasil. Mas isso só será possível se enfrentarmos os desafios estruturais e unirmos esforços paragarantir que todos os pacientes tenham acesso ao cuidado que merecem. Afinal, a saúde não pode esperar — e tampouco os milhões de brasileiros que lutam diariamente contra a obesidade.
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