LEGADO BRASILIENSE

A Marcha para o Oeste sem integralistas ou comunistas

Para comemorar os 65 anos de Brasília, do Correio Braziliense e do Instituto Histórico e Geográfico do DF, pesquisadores destacam fatos históricos que culminaram na construção da nova capital do país, em 1960

 Encontro entre Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra -  (crédito: Agencia Brasil/EBC)
Encontro entre Getúlio Vargas e Eurico Gaspar Dutra - (crédito: Agencia Brasil/EBC)

Jorge Henrique Cartaxo —  jornalista e Diretor de Relações Institucionais do IHGDF

Lenora Barbo —  arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHGDF

Especial para o Correio

As elites políticas do Rio Grande do Sul, de Minas Gerais e do Nordeste, em outubro de 1930, retiraram Washington Luiz da presidência da República, desconheceram a eleição do paulista Júlio Prestes, e passaram o poder para Getúlio Vargas que inauguraria uma era de grandes mudanças no país. O modernismo, a técnica, o trabalhador, a indústria, a classe média, o ensino, as cidades, os sertões e o Brasil Central. Especificamente sobre a transferência da capital, temos apenas duas referências diretas: a conferência do jurista Teixeira de Freitas, no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 1932, “Mudança da Capital e Redivisão Territorial; e o artigo 4. das disposições transitórias da Constituição de 1934. Tudo sob a batuta envolvente, carismática, violenta e autoritária de Vargas, este personagem múltiplo da República e
do Brasil.

O Brasil, entretanto, como nos ensinou Tom Jobim, não é para principiantes. O novo príncipe do Catete, entre baforadas e um bom uísque — que passou a apreciar — teria que enfrentar, já em 1932, os constitucionalistas paulistas; a Intentona Comunista (como a batizou Assis Chateaubriand), em 1935.

Intimidados com Getúlio e exigindo a convocação de uma nova Assembleia Constituinte, a elite paulista, em 1932, mobilizou canhões, fuzis e metralhadoras. Os embates duraram de julho a outubro. Militarmente, os paulistas foram vencidos. Politicamente, não. A Constituinte foi convocada em 1933 e a gestão do governo paulista, de certo modo, voltou para as suas elites. Em junho de 1934 Getúlio Vargas foi eleito, indiretamente, presidente da República para um mandato de quatro anos. A nova Constituição foi promulgada em 16 de julho de 1934.

“Em Plinio Salgado, as reticências, as perplexidades, as condicionais são substituídas, à sua maneira de Mussolini e de Hitler, pelas convicções imperativas e contagiosas”, observou o escritor Carlos Malheiros ao ver, ao microfone, o grande líder e criador da Ação Integralista Brasileira, fundada em 1932. “Habillé” com suas indefectíveis camisas verde-bandeira, de brim ou de algodão, e no braço, a braçadeira branca com o sigma — letra do alfabeto grego símbolo de uma soma, os integralistas desfilavam pela República.

“A esquerda é a violência, o assassínio frio, o defloramento em massa, o saque organizado, o massacre, o incêndio, a blasfêmia! A direita é a união sagrada em torno da Bandeira da Pátria, das tradições nacionais, da virtude, da castidade, do heroísmo, da religiosidade”, doutrinava Plínio Salgado em textos, palavras e ações. E não eram poucas as notoriedades, além dos milhares de jovens nos quatro cantos da Pátria, que se perfilavam diante daquele senhor baixinho, magrinho, olhar sorumbático, mas orador magistral, escritor refinado e homem do seu tempo, em ideias e valores.

Por ele e suas pregações, dentre outros punhados, se encantaram: Gofredo da Silva Telles, Heráclito de Sobral Pinto, Roland Corbisier, Herman Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Vinicius de Moraes, Augusto Frederico Schmidt, Guerreiro Ramos, João Neves da Fontoura, o ex-marinheiro João Candido — o “Almirante Negro” herói da Revolta a Chibata —, o ex-presidente Epitácio Pessoa, Alceu Amoroso Lima. Miguel Reale e Gustavo Barroso, mais do que discípulos, eram auxiliares direto de Plinio Salgado na coordenação nacional e nas conexões internacionais da AIB. Barroso, cearense filho de alemã, quando saia à rua — iluminado pelas suas dezenas de medalhas afixadas ao peito — sempre em companhia da sua vaidade e arrogância, ocupava meio quarteirão! Merece destaque o sempre ativo padre cearense, Helder Câmara. Habitualmente trazia a camisa verde sob a batina. Nas passeatas, agora sem batina, exibia uma pistola na cintura quando integrava o pelotão armado. Em algum momento a AIB chegou a ter mais de 130 veículos jornalísticos no
país, além de editoras, jornais e revistas simpáticas.

Em janeiro de 1935, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, o deputado Abguar Bastos lançou a Aliança Nacional Libertadora. Era o primeiro esforço para conter o avanço do fascismo no Brasil, a proximidade da AIB com a Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini. Socialistas, comunistas, católicos, tenentistas, sindicalistas, liberais, reformistas, social-democratas, antifascistas, pacifistas e os dissidentes do getulismo em expansão, se reuniram no dia 23 de março de 1935 no Teatro São Caetano e fundaram a ANL.

Estavam lá Miguel Costa, Virgílio de Melo Franco, Campos da Paz, Abguar Bastos, Hercolino Cascado, Roberto Sisson, João Cabanas, Carlos da Costa Leite, Adão Pereira, Edgar Sussekind, Agildo Barata e Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal. Os 1.300 lugares do teatro estavam ocupados. Centenas ficaram em pé e outros tantos fora do teatro, concentrados na Praça Tiradentes.

A ampla aceitação não era de todo incompreensível. Apesar da presença dos comunistas e socialista, o programa da ANL era, tecnicamente, liberal, conservadora, social democrata. Mas a manobra dos comunistas começou naquela mesma noite. Aprovada a plataforma da Aliança, encomendaram ao jovem comunista e brilhante orador, Carlos Lacerda, a tarefa de lançar o nome de Carlos Prestes — já, cladestinamente, a caminho do Brasil com Olga Benário — como presidente de honra da ANL. As mobilizações se seguiram, com ampla e crescente aceitação. Não demorou, os confrontos entre aliancistas e integralistas tomaram as ruas. De ovos, passaram a pedras, garrafas, facas e balas. Vieram as mortes. Para
Getúlio, os integralistas eram aliados que não deviam crescer. A ANL os continha.

Entre um uísque e uma baforada, o caudilho, da janela do seu Palácio, contemplava! Em 5 julho de 1935, a ANL realiza uma gigantesca manifestação. Prestes, já no Brasil devidamente escondido e disfarçado, enviou seu manifesto. Mais uma vez, na voz do barítono de palanque Carlos Lacerda, foi lida a carta do chefe para o Brasil. Em uma palavra, o “Cavaleiro da Esperança” defendeu a insurreição armada e “todo o poder à ANL”. Ali mesmo o grupo se desfez. Em 11 de julho, Vargas tornou a Aliança ilegal com base na Lei de Segurança Nacional. Houve protestos e petições. O povo não reagiu! A Aliança Nacional Libertadora, uma
promessa simpática e adequada para o momento, de certo modo inspirada pelo Partido Comunista, durou apenas três meses.

No início do ano de 1934, Antônio Maciel Bonfim, alcunhado Miranda dentro do Partido, então Secretário Geral do PC no Brasil, esteve numa reunião no Comintern, em Moscou. Ex-sargento do Exército Miranda descreveu para o secretário da Comissão Executiva Central, Dmitri Manuilski, um Brasil pré-revolucionário, pronto para uma nova jornada “bolchevique”, como na Rússia de 1917.

Com base nesse delírio-fantasia, cataram a jovem Olga Benário, com seus olhos claros e tristes e uma equipe “revolucionária”: Johnny ou Gruber era um deles. Na verdade, um agente do Serviço Secreto Inglês, o MI-6, plantado dentro do Comintern, em Moscou. O governo Inglês, Getúlio e Filinto Muller sabiam até as cores das meias que Prestes calçava ao acordar, desde a sua chegada no Rio de Janeiro, em 15 de abril de
1935. Claro, a famosa Intentona Comunista foi um fiasco. Prestes foi preso, Olga terminou num campo de concentração nazista, os demais assessores diretos foram presos e torturados. Centenas de prisões se espalharam Brasil a fora. O agente inglês ligou para Filinto Muller e ganhou a sua liberdade na primeira classe. Terminava assim o levante coordenado por Prestes que se iniciou, inadvertidamente, no dia 23 de novembro de 1935, em Natal. Extinta a ANL, derrotados os comunistas, Getúlio cuida de esvaziar Plinio Salgado. Depois da boa inspiração das imprudências dos comunistas, a invenção do Plano Cohen — um
inexistente novo levante comunista — Getúlio, sempre ternurando Plinio Salgado e com o seu apoio irrestrito, prepara o golpe que aconteceria no dia 10 de novembro de 1937. Já em 3 de dezembro, ele fecha a Ação Integralista Brasileira.

“O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste... E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial”, disse o presidente Getúlio Vargas em seu pronunciamento para toda a Nação na passagem do ano de 1937/38, falando do Palácio da Guanabara, em cadeia de radio, para todo o País, lançando, pela primeira vez, a Marcha para o Oeste, que seria uma das marcas de um novo tempo e da sua longa gestão. 

 

FRASE

“O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste... E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial”

Getúlio Vargas, presidente

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postado em 27/07/2025 05:00
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