ACOLHIMENTO

Conheça a história da assistente social que já morou na rua

Do interior do Piauí a Brasília, Antônia Lopes fala de quando passou fome e frio na rua até a conclusão do curso superior que hoje lhe permite mudar outras vidas na capital federal

 Criança durante atividade de leitura na Ação Social do Planalto (ASP), em São Sebastião   -  (crédito:  Bruna Gaston CB/DA Press)
Criança durante atividade de leitura na Ação Social do Planalto (ASP), em São Sebastião - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

De um banco de praça em Campo Maior, no Piauí, para um espaço de acolhimento e transformação em Brasília, realizando atendimentos como assistente social. Essa é a trajetória de Antônia Lopes, 54 anos, que conheceu de perto o que é vulnerabilidade e, hoje, disponibiliza o seu tempo para mudar a vida de quem mais precisa. "Eu vivi a dor da fome e da rejeição. Hoje, dedico minha vida para que nenhuma criança precise sentir o que eu senti", diz Antônia.

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A profissional trabalha na Ação Social do Planalto (ASP), instituição que, atualmente, acolhe cerca de 200 crianças e adolescentes de 6 a 17 anos em situação de vulnerabilidade, com oferta de alimentação, reforço escolar e atividades educativas em São Sebastião. O objetivo do projeto é expandir o atendimento para até 500 crianças. "Pedimos ajuda do governo para ampliar o alcance desse trabalho, que já tem transformado tantas histórias e destinos", afirma.

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Com uma lembrança dura, Antônia inicia o relato sobre a infância: "Minha mãe escolheu o meu padrasto e me jogou na rua." Aos 12 anos, ela vivia sem casa, longe da família e passou a sobreviver nas ruas de Campo Maior. "Eu não contava os dias. Dormia embaixo de um banco de praça, com papelão. Vivia um dia após o outro com uma dor que você não sabe como parar", relembrou.

Anos depois, uma senhora a tirou das ruas e a levou para a casa dela com o intuito de que Antônia cuidasse das filhas dela. "Fiquei lá até que, um dia, uma amiga dessa pessoa me levou para Recife. De Recife, fui para Manaus. Mas as coisas mudaram quando cheguei a Brasília, em meados de 1993", contou.

Em Brasília, morando no Varjão, Antônia iniciou trabalhos voluntários com pessoas em situação de rua. Foi ali que nasceu o desejo de compreender mais a fundo o que é o serviço social, uma área que, segundo ela, poderia ter mudado seu destino bem antes.

"Se eu tivesse conhecido o serviço social antes, talvez não tivesse passado por tanta dor", afirmou. O incentivo veio de quem mais acreditou nela, o marido, Arlindo Lopes, que custeou sua graduação na área. "Ele disse: 'Você ama tanto ajudar as pessoas, que eu vou pagar sua faculdade.' E ele pagou."

Durante a graduação, a então estudante diz que mergulhou em conhecimento e solidariedade. Começou a fazer trabalhos voluntários desde o primeiro período e, ao fim do curso, teve a oportunidade de estagiar na Ação Social do Planalto, um encontro que mudou para sempre a sua vida. "Quando pisei aqui a primeira vez, eu chorei. Era o lugar que eu sonhava em ter quando estava nas ruas", enfatizou, com lágrimas nos olhos.

Fonte de inspiração

A chegada de Antônia à instituição marcou profundamente aqueles que convivem com ela. Sirmai Souza, coordenadora-geral da ASP, relatou que a conheceu como estagiária de serviço social e, desde então, a relação entre as duas se transformou em um laço afetivo comparável ao de mãe e filha. "A gente respeita muito a opinião uma da outra. Puxa a orelha uma da outra quando há necessidade. Eu passei a respeitar muito a Antônia como ser humano, por tudo que ela passou e, hoje, ela é essa grande mulher que conversa, dá conselho e amor", afirma.

O impacto da história de vida de Antônia também se estende às famílias atendidas. Alessandra Almeida Oliveira, 47, mãe de Gabriel, 16, que é autista, contou que conheceu Antônia há cerca de cinco anos, quando buscou apoio no projeto. "Ela começou me ajudando na minha vida sentimental. Sou extremamente grata por tudo que fez por mim e pelo meu filho. Ela sempre cuidou da gente com amor e carinho. Apesar de todas as suas lutas e feridas, sempre a vi sorrindo, e isso me inspira profundamente", declarou Alessandra.

Empatia

Antônia foi estagiária, depois voluntária, e acabou sendo contratada como assistente social. Atualmente, ela é responsável por realizar visitas domiciliares, identificar famílias em situação de vulnerabilidade e acompanhar crianças que aguardam vaga no projeto. "Às vezes, temos duas vagas e cinco famílias precisando. É um trabalho de sensibilidade e verdade. A gente entra na casa das pessoas e conhece suas dores. Nosso critério é o amor e a urgência do sofrimento", explica.

O Ação Social do Planalto atua no contraturno escolar, com foco em fortalecer vínculos familiares e comunitários. As crianças atendidas recebem café da manhã, almoço, lanche e jantar, além de acompanhamento pedagógico, psicológico e social. A equipe multidisciplinar inclui psicólogas, psicopedagogas, professoras, coordenadoras e assistentes sociais, todas guiadas pela diretora e cofundadora do projeto, Natanry Osório, que orienta o grupo. Antônia lembra das primeiras palavras de Natanry: "Ela me olhou e disse: 'Antônia, você nasceu para a Ação Social.' E foi assim que eu soube que aquele seria o meu lugar".

Antônia define seu trabalho como um processo contínuo de cura. "As cicatrizes continuam aqui, mas quando eu ajudo uma criança, elas doem menos. Cada abraço que recebo é uma parte da minha alma sendo curada", pontua.

Ela acredita ainda que o ambiente da Ação Social do Planalto é um espaço de renascimento. "É o lar que muitas crianças nunca tiveram. Aqui, elas aprendem o que é amor, segurança e pertencimento", diz. Com um brilho nos olhos, fala que o maior presente é ver as crianças transformadas. "Eu já conheço meninos e meninas que passaram por aqui e, hoje, são adultos bem-sucedidos. Isso é a prova de que o amor salva."

Sobre o que ainda deseja realizar, Antônia responde com serenidade. "Eu não tenho mais nada a pedir, só a agradecer. Quero continuar aqui, lutando, até ver todas essas crianças bem. Esse é o meu combate."

 

  • Aos 12 anos, Antônia vivia longe da família e passou a sobreviver nas ruas de Campo Maior, no Piauí. Depois, passou por Recife e Manaus até se firmar em Brasília
    Aos 12 anos, Antônia vivia longe da família e passou a sobreviver nas ruas de Campo Maior, no Piauí. Depois, passou por Recife e Manaus até se firmar em Brasília Foto: Fotos: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social
    10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social
    10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social
    10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social
    10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social
    10/11/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. Ação Social do Planalto, São Sebastião. Antônia Lopes, Assitente Social Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  AntÃŽnia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião.
    AntÎnia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião. Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
  •  Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião.
    Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião. Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
  •  Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião.
    Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião. Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
  •  Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião.
    Antônia Vanderley assistente social na ASP em São Sebastião. Foto: Minervino Junior/CB/D.A Press
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DC
postado em 18/11/2025 03:45
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